12º dia: CATAS ALTAS a BENTO RODRIGUES: 29 quilômetros

Como de praxe, os preparativos para a partida correram céleres e, às 5 h, já estava no refeitório da pousada degustando o café da manhã que, gentilmente, fora preparado pela hospitaleira, Sra. Claudia, proprietária do estabelecimento.

Pontualmente, às 5 h 30 min, eu deixei o local de pernoite e segui pelas ruas empedradas da urbe que, por sinal, já se encontrava bastante movimentada àquela hora. 

Mais adiante, já descendo, passei defronte a igreja do Rosário, atravessei pequena ponte, virei à esquerda, e logo avistei o primeiro marco da Estrada Real.

Uma forte cerração cobria toda a paisagem e, por azar, minha lanterna resolveu fazer greve. 

Logo adentrei em estrada de terra e, ainda em plena escuridão, atravessei o rio Maquiné, equilibrando-me precariamente, em pedras caprichosamente dispostas no leito desse magnífico curso d’água.

Logo à frente, precisei repetir toda operação para atravessar mais dois córregos e, a partir dali, com o dia clareando, pude visualizar, em sua amplitude, a estrada onde caminhava. 

Na verdade, trata-se da “Trilha Parque”, uma via vicinal, integralmente deserta naquele horário, com movimento de trânsito apenas local.

À minha direita, avistava parte da serra da Caraça, infelizmente, naquela hora do dia, coberta por uma espessa camada de nuvem e fumaça.

Um tanto surpreso, descobri uma pessoa forte, apenas de camiseta, caminhando com rapidez, à minha frente. 

Porém, logo o alcancei e, após as apresentações, fiquei sabendo que se tratava do Sr. Geraldo, morador de Catas Altas, que diariamente trilhava por aquele roteiro, para manter a forma e repensar a vida.

Conhecido nas cercanias pelo apelido de “Negão”, me contou detalhes a respeito da história da cidade, problemas com políticos e, quando me dei  conta, já havíamos caminhado seis quilômetros. 

Numa bifurcação, meu amigo seguiu em frente e eu, à direita, passando, em seguida, ao lado da Barragem do Mosquito.

Quase em seguida, adentrei em um trecho urbano, mais especificamente do distrito de Morro da Água Quente, cujo nome faz referência às fontes termais existentes na região e destruídas pelas escavações do ouro. 

Essa é a curiosidade que faz parte do repertório dos moradores desse pequeníssimo arraial.  

Dali, pude ter uma visão privilegiada do decantado Pico do Baiano,  que, com seus 2.086 metros de altitude, ainda estava com seu cume envolto em espessa névoa. 

Segundo relato de experientes montanhistas, este paredão é o de maior altitude no estado de Minas Gerais, levando-se, em média, 4 dias de escalada para atingir seu topo. 

Rapidamente atravessei o pequeno povoado e logo acessei a rodovia MG-129, caminhando sempre em pronunciado aclive. Por três quilômetros prossegui em asfalto, numa perigosa e movimentada via que, infelizmente, não possuía acostamento.

 Finalmente, depois de onze quilômetros percorridos, às 7 h 30 m, entrei à esquerda, em larga e pedregosa estrada de terra, que seguiu em meio à vasta vegetação rasteira. 

Mais adiante, surgiram frondosas árvores a me ladear e fornecer alento, pois, a intensidade do sol já preocupava.

Num local chamado Chapada do Canga, voltei-me para trás e deparei-me, novamente maravilhado, com aquele que é considerado o maior paredão de quartzito do mundo. 

São 1.000 metros de muralha, registrando uma altura que chega a alcançar 2.086 m, por sinal, o ponto de maior altitude em toda a Serra do Espinhaço.

Trata-se de Caraça, que excede em tamanho o conhecido Pico do Itambé. 

Maravilhas brasileiras, pensei! 

Encravadas nas serras de Minas.

Ás 8 h 30 min, 18 quilômetros percorridos, eu adentrava o distrito de Santa Rita Durão, cuja sede é Mariana. 

Sobre graciosa ponte transpus caudaloso rio, fleti à esquerda e, em breve, estava diante da singela igrejinha dedicada à Nossa Senhora de Nazaré.

Esse pequeno povoado foi fundado pelos paulistas, no início do século XVIII, por volta de 1702 e 1703, e o primeiro explorador da região foi Salvador Faria Albernaz.

O distrito tem um filho ilustre, o Frei José de Santa Rita Durão, nascido em 1720, e falecido em 1784, em Lisboa. 

Foi precursor da Literatura Brasileira e autor de um dos maiores poemas épicos brasileiros: “Caramuru”. 

Postumamente, foi homenageado, tendo sido nomeado Patrono da cadeira de nº 9, da Academia Brasileira de Letras.

Sinhá Olímpia é outra figura ímpar na história dessa região. 

Conhecida internacionalmente, se dizia noiva de Dom Pedro II, amante de Chico Rei e amiga de Tiradentes. 

O compositor Vinícius de Morais disse, certa vez, que um papo com Dona Olímpia valia uma viagem a Minas Gerais.

Essa simpática senhora aparece nos versos de Carlos Drummond de Andrade, em música de Milton Nascimento, num samba enredo da Mangueira (1990) e, até, em cartão postal. 

É reverenciada em peça de teatro de Guiomar de Grammont e no nome de uma escola de samba de Ouro Preto.

Vive, ainda, imortalizada, na lembrança daqueles que tiveram o prazer de conhecer esta lendária filha de Santa Rita Durão.

Num bar local, aproveitei para ingerir café, além de comprar bananas e água. 

Depois, prossegui em frente, numa estrada que, mais à frente, se encontrava impedida para trânsito de veículos, pois, a ponte que havia sobre o rio Piracicaba (no dialeto indígena, “onde o peixe acaba”), fora levada pela correnteza, tempos atrás.

Então, atravessei o curso d’água sobre uma claudicante pinguela e prossegui por larga estrada de terra, extremamente movimentada pelo trânsito de caminhões basculantes e máquinas, pois, naquele trecho, havia uma importante obra em andamento, concernente à instalação de um grande duto, pela empresa Vale do Rio Doce.

 Após três quilômetros percorridos, o barulho serenou e pude seguir em paz, por agradável e plana estrada de terra batida, com entorno em cobertura herbácea, tal qual as encontradas no Cerrado.

 Foi um trajeto fácil, tranquilo, por bucólicas paisagens campestres, até que, finalmente, do alto de um morro, avistei Bento Rodrigues, meu destino naquele dia.

Mais alguns quilômetros em grande declive e logo aportava à praça principal desse agradável sub-distrito, que pertence à Comarca de Mariana. 

O minúsculo povoado já foi importante centro de mineração do século XVIII. 

Por sinal, foi mencionado, à época, 1.817, pelo historiador Saint-Hilaire, como “Bento Ruiz”, sendo que essa nomenclatura ainda figura nos mapas antigos.

Ali fiquei hospedado num pequeno apartamento alugado, que se localiza ao lado de um bar que leva o nome de sua proprietária, a dinâmica e simpática Sandra. 

Embora as instalações do quarto onde pernoitei se apresentassem um tanto precárias, mesmo assim me serviu, por ser bem ventilado, amplo e confortável.

 Para minhas refeições utilizei os serviços do próprio bar, cuja edificação se encontra do lado da igrejinha de São Bento, padroeiro da comunidade.

Ao saber que no dia seguinte a Sandra necessitava ir à Mariana fazer compras, verifiquei com ela a possibilidade de levar minha mochila, assim, eu poderia seguir tranquilo e leve, como ocorrera nas jornadas pretéritas.

 Antes do jantar, enquanto me deliciava com um “tira-gosto” regado a uma boa cachaça da região, sentei-me e fiquei dialogando com alguns trabalhadores que fazem do simpático botequim “sandrino”, um ponto de encontro todas as tardes.

E, mesmo depois da refeição, fiquei por ali conversando até o sono chegar. 

Depois, fui dormir, já prelibando a jornada seguinte, a derradeira em meu cronograma de viagem.

IMPRESSÃO PESSOALUm percurso fácil e quase todo plano, com pontos de abastecimento no trajeto e magníficas visões da serra da Caraça. Apenas, como dificuldade a ser enfatizada, o trecho feito sobre piso asfáltico, por três quilômetros, logo após a passagem pelo distrito de Morro da Água Quente.  

 13º dia: BENTO RODRIGUES a OURO PRETO – 36 quilômetros