9º dia – PRADOS à TIRADENTES – 18 quilômetros

9º dia – PRADOS à TIRADENTES – 18 quilômetros

O roteiro seria curto e fácil, de maneira que resolvi sair mais tarde. 

Assim, levantei às 5 h, tomei delicioso café da manhã e depois de me despedir do proprietário, Sr. Renato, iniciei minha jornada.

Como de praxe, a paisagem se encontrava tomada por densa cerração. 

Mas o primeiro trecho seria em asfalto, de forma que não tive problemas para encontrar o rumo a seguir. 

O caminho plano me levou por lugares desertos e silenciosos até uma bifurcação.

Nesse local, o asfalto recentemente colocado, elevou o leito da estrada, assim, o marco da ER aí localizado, acabou quase soterrado, tornando difícil sua visualização. 

Moradores locais me disseram ter feito contato com o Instituto Real, em Belo Horizonte, relatando tal incidente, pois o problema se repetira adiante com outros totens. 

Contudo, ainda não haviam obtido resposta daquele órgão.

Depois de três quilômetros percorridos em piso asfáltico, encontrei uma bifurcação: Se continuasse à esquerda, seguiria para o município de Dores de Campos. 

Porém, obedecendo a sinalização, adentrei à direita, onde acessei larga e plana estrada de terra, bastante arborizada.

O clima era frio, com a temperatura na casa de 15ºC, ideal para caminhar. 

Prosseguindo, em breve pude observar, à minha direita, a majestosa Serra de São José, um imenso paredão de pedra, enquanto o dia lentamente clareava.

Por sinal, os bandeirantes e aventureiros dos séculos passados se orientavam, principalmente, por marcos naturais, como esta serra. 

Ela era o ponto, visto de longe, que marcava o local onde estava São João del Rey e São José del Rey, a “Ponta do Morro” (Tiradentes). 

Para se chegar a Ouro Preto, primeiro se avistava a Serra de Ouro Branco, depois o Pico do Itacolomi, e para Sabará e Caeté, era a Serra da Piedade.

O roteiro prosseguiu agradável, bem demarcado e com baixíssimo tráfego de veículos, de maneira que pude marchar num ritmo constante, agraciado pelo frescor da manhã. 

Depois de 6 quilômetros percorridos, em outra bifurcação, prossegui à direita. 

E, às 7 h 30 min, adentrava em Bichinho, novamente.

Vitoriano Veloso, pertence ao Município de Prados (MG), desde 1938, e é conhecido pelo sugestivo nome de ¨Bichinho¨, um povoado que se formou com a descoberta de ricas lavras de ouro no princípio do século XVIII, conforme explica a história:

O nome atual é uma homenagem ao inconfidente Vitoriano Gonçalves Veloso, negro, escravo alforriado, que nasceu e viveu em Arraial de Gritador (nome derivado de Greta d`ouro). 

Ele era vizinho e compadre de D. Hipólita, a única mulher a participar ativamente do movimento revolucionário (Inconfidência). Hoje, o povoado é uma sequência de casas antigas que servem tanto como residências quanto como oficinas, ateliês e lojas de artesanato.

Pelo que se sabe, Vitoriano Gonçalves Veloso era um homem humilde, tendo o ofício de alfaiate por profissão. Sabe-se também que ele ficou conhecido como o “mensageiro dos conjurados”, pois era um dos que gozavam da confiança de muitos dos envolvidos com a trama de 1789, especialmente escolhido para transportar notícias importantes ou sigilosas. 

Registros nos dão conta de que ele foi o portador da mensagem que denunciava Silvério dos Reis como sendo o delator do movimento conjuratório. 

Foi, também, portador de diversos outros avisos sigilosos, inclusive de um célebre bilhete escrito por D. Hipólita Jacinta Teixeira de Melo (a “Inconfidente da Fazenda da Ponta do Morro”, de Prados – 1748/1828), no qual ela informava que o Tiradentes havia sido preso no Rio de Janeiro: "Dou-vos parte, com certeza, de que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra".

Daquela forma, pelo seu envolvimento com a conjura e com os conjurados, como não poderia ser diferente, Vitoriano Veloso acabou sendo detido e condenado à prisão perpétua, em 12 de maio de 1792. 

A pena dele foi comutada em desterro para a África, por 10 anos, além de incluir açoites públicos pelas ruas do Rio de Janeiro e o recebimentos de outros enquanto caminhava em volta de um patíbulo. 

Era afilhado de dona Hipólita, então esposa do coronel barbacenense Francisco Antônio de Oliveira Lopes (1750/1794), conjurado que também, a exemplo dele, fora degredado para a África.

Sua sentença condenatória foi explicitada, nos seguintes termos: ..”Ao Réu Victoriano Gonçalves Veloso condemnam em açoutes pelas ruas publicas, tres voltas ao redor da forca, e degredo por toda a vida para a cidade de Angola, achado morrerá morte natural na forca para sempre, e applicam a metade de seus bens para o Fisco e Camara Real.” ..

Vitoriano Veloso morreu no exílio, em Moçambique, no ano de 1803. 

O que se acredita ser os restos mortais dele retornaram ao Brasil no ano de 1937 e estão depositados no “Panteão dos Inconfidentes”, no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Dona Hipólita, a então mais rica proprietária rural do vale do Rio das Mortes, demonstrando generosidade, afeição e gratidão ao afilhado, legou a Ana Joaquina, viúva de Vitoriano, a quantia de dez mil réis, conforme está registrado em seu testamento de 30 de julho de 1827.

O distrito se encontrava praticamente deserto. 

Apenas, algumas crianças se deslocavam pelas ruas calçadas em “pé de moleque”, na direção do ponto de ônibus, no aguardo do coletivo que as levaria até Tiradentes, para estudar.

Sem pressa, transitei pelas ruas calmas e tranquilas, enquanto o sol timidamente dava o ar de sua graça. 

Todo o comércio se encontrava fechado, diferentemente do dia anterior, quando uma multidão invadia as lojas, restaurantes, bares, etc...

E depois de 30 min caminhando, cheguei ao final da rústica vila, onde encontrei uma placa me avisando que faltavam irrisórios 4 quilômetros para o final de minha jornada. 

A partir dali enfrentei um leve ascenso.

Na metade desse percurso, passei defronte o Museu do Automóvel da Estrada Real, que dizem ser bastante interessante. 

No entanto, em face de ser uma segunda-feira se encontrava fechado para visitas.

Já no topo da elevação, pude avistar, ao longe, no horizonte, meu destino para aquele dia. 

Mais alguns quilômetros sofridos, feitos por um piso duro e irregular, e adentrei em zona urbana. 

Por ruas tortuosas e movimentadas segui adiante e, na dúvida quanto ao rumo a seguir, indagava aos passantes.

Assim, às 9 h 30 min, chegava ao Largo das Forras, que significa mais do que a principal praça de Tiradentes. 

Para os habitantes da cidade, trata-se de um ponto de encontro, onde é possível jogar cartas, passear, ver apresentações culturais ou simplesmente conversar.

Para os visitantes, é um local que concentra grande quantidade de pousadas, restaurantes, lojas de artesanato e serviços de informação aos turistas. 

A praça também tem a presença da Capela do Bom Jesus da Pobreza, datada do século XVIII, além de uma pequena Capela dos Passos, em atividade principalmente na Semana Santa.

Já ouviu falar dos famosos passeios nas charretes coloridas de Tiradentes? 

Ali é um dos pontos em que elas podem ser encontradas. 

Pois, nela também localizei o Hotel Pousada Mãe d'Água, local em que havia feito reserva e onde fiquei magnificamente bem hospedado.

Na verdade, a pequena Tiradentes possui um charme inversamente proporcional ao seu tamanho. 

Uma das menores, e atualmente a mais visitada cidade histórica de Minas, é difícil encontrar quem não se encante por ela. 

Um dos motivos é a combinação perfeita entre patrimônio histórico e natureza exuberante.

Com o seu casario e a arquitetura de suas igrejas, a cidade possui um dos perfis coloniais mais autênticos do Brasil e um dos mais expressivos acervos da arte barroca (chafarizes, sobrados, museus, igrejas, capelas etc). 

Como destino turístico, ela se destaca, também, pelos equipamentos turísticos de hospedagem. 

São 93 pousadas e 61 restaurantes, estes com uma variedade de ofertas gastronômicas.

Depois do almoço, tirei breve soneca. 

E assim que o calor amainou, dei uma volta pelo comércio local e depois fui visitar a igreja matriz de Santo Antônio, cuja riqueza de detalhes chama a atenção, pois seus altares têm talhas douradas, o coro é decorado com guirlandas de flores, há pinturas e entalhes rococós por todos os lados e o projeto da fachada é atribuído à Aleijadinho. 

Construída em 1710, é a segunda igreja em ouro do Brasil, porquanto a primazia pertence a igreja de São Francisco de Assis de Salvador (BA). 

Sem dúvida, uma edificação rara que a faz uma das mais lindas e significativas obras do barroco mineiro.

Ainda, no interior do templo é possível apreciar um órgão datado de 1788, considerado um dos quinze mais importantes do mundo.

Tiradentes é uma cidade que conta atualmente com 10.000 habitantes e suas antigas denominações foram "Arraial Velho de Santo Antônio" e "Vila de São José do Rio Mortes" e cidade de São José del-Rei.

Ao ser proclamada a República, o governo republicano precisava de um herói que, segundo os novos governantes, representasse esses ideais. 

A escolha caiu sobre o alferes José Joaquim da Silva Xavier, que além de tudo combateu um governo monárquico.

Dessa feita, foi mudado o nome da cidade para Tiradentes.

A cidade tornou-se um dos centros históricos da arte barroca mais bem preservados do Brasil, por isso voltou a ter importância, agora turística, na metade do século XX, quando foi proclamada patrimônio histórico nacional tendo suas casas, lampiões, igrejas, monumentos e demais partes recuperadas.

E por falar no herói “Tiradentes”, ele nasceu em uma fazenda no distrito de Pombal, próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, à época território disputado entre as vilas de São João del-Rei e São José do Rio das Mortes. 

Atualmente, as ruínas da sede da Fazenda do Pombal pertencem geograficamente ao município de Ritápolis.

Ele era filho do reinol Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e da brasileira Maria Antônia da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos sete filhos. 

Em 1755, após o falecimento de sua mãe, seguiu junto a seu pai e irmãos para a sede da Vila de São José; dois anos depois, já com onze anos, faleceu seu genitor.

Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Assim, ele não fez estudos regulares e acabou ficando sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião. 

Trabalhou como dentista, tropeiro, minerador, comerciante, militar e ativista político que atuou no Brasil colonial, mais especificamente nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro, tendo sido enforcado na manhã do dia 21 de abril de 1.792. 

À noite fui até a igreja da Santíssima Trindade, uma construção datada de 1810, feita sob “plantas e riscos” de Manuel Víctor de Jesus, no local da antiga capela localizada na Ponta do Morro.

O alferes Tiradentes, herói fracassado da independência brasileira, que era devoto da Santíssima Trindade e rezou certamente por várias vezes em frente a esta imagem, exigiu que na bandeira da Nova República, idealizada pelos Inconfidentes, tivesse o triângulo da Trindade.

O símbolo acabou sendo inserido posteriormente na bandeira do Estado de Minas Gerais. Seu interior é simples, mas possui uma raridade: a imagem do Pai Eterno em tamanho natural de autor desconhecido, com a figura do Espírito Santo no peito e sem a figura do Filho, trazendo na cabeça uma tiara papal.

Ali acontecia animada festa em louvor ao Jubileu da Santíssima Trindade, em sua, pasmem, 234ª edição, com direito a procissão, quermesse, barraquinhas de comes e bebes, leilão, queima de fogos e uma grande feira de artesanato. 

O local se encontrava extremamente movimentado, com música alta e muita animação.

Assim, aproveitei a variedade de opções ali disponibilizadas para ingerir um lanche que, singelamente, me serviu como jantar.

E logo depois, volvi ao local de pernoite, porquanto estava me sentindo exausto e incomodado pela aglomeração humana e barulho excessivo, posto que calculava-se em cerca de 20 mil fiéis presentes ali naquela data. 

Isto, contando-se entre moradores da cidade e romeiros de toda a região.

IMPRESSÃO PESSOAL – Um trajeto curto e quase sempre beirando a maravilhosa serra de São José. Contudo, depois do distrito de Bichinho, o piso de pedra em assentamento “pé-de-moleque”, magoa e dificulta sobremaneira os passos do caminhante, tornando o roteiro desenxabido e perigoso, em face das inevitáveis torções e topadas. Porém, o aporte à cidade de Tiradentes, com seu variadíssimo comércio e infinidade de monumentos históricos preservados, compensa todo o esforço despendido.

10º dia – TIRADENTES à SÃO JOÃO DEL REI – 15 quilômetros