2ª etapa: DESCALVADO à PORTO FERREIRA – 20 quilômetros Se comparado com a jornada anterior, o percurso do dia apresentava-se como um simples “passeio”, e eu pretendia aproveitá-lo ao máximo, antes que o sol forte estragasse o prazer de caminhar. Assim, às 5 h, desci para tomar café da manhã, e deixei o hotel quando o relógio da igreja matriz marcava, exatamente, 6 horas. Eu já havia verificado no dia anterior como faria para deixar a cidade, assim, acessei a Rua José Bonifácio e segui sempre em frente. A manhã se apresentava um tanto nebulosa e fria, eu estava bem agasalhado, mas cigarras já estridulavam em árvores próximas, anunciando novamente muito calor para aquele dia. Dois quilômetros caminhados, após transpor uma passarela sobre a minha já conhecida Rodovia SP-215, eu adentrei em larga, plana e arenosa estrada de terra. Eu estava bem disposto, de forma que empreendi um ritmo confortável e segui tranquilo, enquanto aguardava o dia raiar. No horizonte, a madrugada ensaiava seus primeiros clarões, quando passei defronte ao portão de uma chácara, onde os cães fizeram alarido ensurdecedor, fato que serviu para me acordar de vez, tamanho o susto que levei. Logo passei diante do West Country, um clube de campo, onde além de belas construções, visualizei um grande lago, usado como “pesque-pague”. Depois de 6 quilômetros percorridos, bem junto a unidade de reciclagem de lixo da cidade, as flechas me remeteram para à direita, onde acessei outra larga estrada de terra. O clima aquecera e o calor já se fazia sentir com intensidade, molhando minha camiseta de suor e obrigando-me a desvestir a jaqueta de frio. Logo adiante, passei em frente à Clínica DAREVI, uma entidade direcionada para o tratamento e recuperação de dependentes químicos. Inclusive, apesar do horário extemporâneo, um fato curioso, pois pude observar vários internos trabalhando com afinco, na horta comunitária ali existente. Um quilômetro depois, eu retornei à Rodovia SP-215, e segui pelo acostamento por 200 metros, até que uma flecha sinalizadora me remeteu para uma estrada de terra bastante arenosa à direita, que segue em direção à Fazenda São Francisco. A partir dali, o caminho prosseguiu entre grandes pastagens, depois, mais à frente, junto a imensas plantações de cana. Infelizmente, como eu caminhava por uma estrada municipal, logo o tráfego de veículos se intensificou, principalmente, por caminhões de carga, que lançavam uma nuvem compacta de poeira no ar, deixando-me tenso e sufocado. Mais baixo, depois de transpor um encorpado riacho sobre uma ponte, seguindo a sinalização, eu deixei a via principal, e adentrei em uma estrada vicinal à esquerda. Meu relógio marcava 7 h 30 min, eu já havia percorrido 9 quilômetros, portanto, hora de fazer uma pausa para ingerir uma banana e me hidratar. O sol já tostava forte, de forma que aproveitei a sombra da árvore e o sossego do local, para renovar meu protetor solar. Na sequência, passei a caminhar ao lado de uma grande plantação de laranjas, todas maduras, em ponto de colheita. A paisagem prosseguiu monótona e imutável, pois transitei sempre em meio a plantações de cana ou imensas pastagens. Num local próximo de onde caminhava, situado junto ao leito de um riozinho, um bando de urubus banqueteava a carcaça de um animal morto, que não consegui identificar em razão da distância. Parei um tanto chocado ao observar a cena, pois o fato serviu como alerta, demonstrando como é tênue o fio que liga a vida à morte. No trecho seguinte, pude usufruir da sombra lançada pelas árvores existentes à beira da estrada, até que aportei num pequeno trevo. O sol estava a pino, num céu azul e sem nuvens, o calor era insuportável, isto ainda às 9 h da manhã. Ali as flechas me remeteram à esquerda e, depois de vencer um leve ascenso, adentrei em asfalto, já em plena zona urbana. Logo o tráfego de veículos se intensificou e, mais adiante, passei diante de algumas indústrias, sendo a maior delas a Batrol, uma enorme fábrica de móveis, que funciona em extensos galpões, onde o ruído de máquinas e caminhões era atroador. Levei um choque e demorei um tempo para me habituar ao alvoroço e parafernália da civilização, pois me já acostumara ao bucolismo e o silêncio do campo. Mais um quilômetro vencido entre chácaras e residências simples, e eu cheguei à Rodovia Anhanguera (a SP-330), que transpus através de uma passarela. Já do outro lado, passei defronte ao portal da cidade e logo acessei a rua Daniel de Oliveira Carvalho, dobrei à esquerda, e segui por avenidas movimentadas, onde sobejavam crianças e cães, até aportar ao centro da urbe. O caminho pelas ruas citadinas estava muito bem sinalizado, de forma que às 10 horas, exatamente, adentrei ao Hotel Cheffer, onde fiquei hospedado. Ainda era muito cedo e eu não estava cansado, de forma que, em princípio, pensei em seguir adiante, até a cidade de Santa Rita do Passa Quatro. Contudo, o sol forte e o calor opressivo, acabaram por desalentar meu ânimo, assim, entendi que deveria me resguardar para a jornada seguinte. Então, depois de demorado e refrescante banho, aproveitei para colocar em dia diversas atividades, como lavar roupas, ir ao banco sacar dinheiro, fazer uma “fezinha” na lotérica e acessar a internet. Mais tarde, após ouvir a indicação do porteiro do hotel, fui almoçar no Restaurante Parada Obrigatória. E não me arrependi, pois tudo o que me foi servido era farto e de excelente qualidade. A origem de Porto Ferreira aponta para os idos do ano de 1860. Nas margens do rio Mogi-Guaçu, inicialmente pelas proximidades do Ribeirão dos Patos e, em seguida, transferida para próximo da foz do Rio Corrente, exerceu atividade, a Balsa que efetuava a travessia de passageiros e mercadorias. O responsável por este porto fluvial foi o Balseiro João Inácio Ferreira, o qual emprestou seu nome à cidade que futuramente se formou. Todo o Vale do Mogi foi habitado pelos índios "Painguás" ou "Paiaguás", da grande família Tupi-Guarani, que tinham algumas aldeias em terras aonde veio a se constituir o município. A origem de Porto Ferreira encontra assim, duas teorias básicas divididas entre seus historiadores, porém em qualquer uma delas, é certo que a Balsa foi a semente. No entanto, ela germinou para valer, com a chegada da estrada de ferro, oficialmente inaugurada em 15 de Janeiro de 1880, pela Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais. Pois ela veio com o firme propósito de atravessar o Mogi Guaçu e atingir a rica e florescente região de Ribeirão Preto, onde abocanharia rendoso frete pelo transporte de sua produção cafeeira. Atualmente, com pouco mais de 50 mil habitantes, é cognominada de “A Capital da Cerâmica”, que com sua beleza, encanta a todos os visitantes. À tardezinha, depois de um bom descanso e quando o sol serenou seus raios, fui até a praça central, e ali pude conhecer a igreja matriz, dedicada a São Sebastião. Depois de demorada visita ao templo, segui as flechas até o rio Mogi Guaçu, objetivando conhecer o caminho por onde transitaria no dia seguinte. Ao retornar, sentei num banco da praça para fazer algumas anotações no meu caderno de viagem, e logo um Senhor bastante idoso sentou-se ao meu lado, me fez algumas perguntas, se interessou pela minha “viagem” e ali travamos uma longa conversa. Apesar da idade, ele mostrava uma impressionante lucidez, e discorreu sobre inúmeros fatos ocorridos, atinentes à cidade e às pessoas que ali residem. E eu acabei por ficar tão centrado em nosso cordial papo, que nem percebi o tempo passar. Quando já estava escuro, as luzes urbanas se acendendo, pedi licença e fraternalmente me despedi daquela boa alma, me sentindo imensamente gratificado, porque o contanto com as pessoas, quando se viaja sozinho, é de extrema importância. Vez que, de uma estranha maneira, senti-me iluminado por sua energia generosa e compassiva, resultado da benção que as pessoas mais velhas nos conferem com sua simples presença. Após me prover de víveres e água num supermercado próximo, segui ao local de pernoite em profunda reflexão, pois tinha a intenção de fazer jornada dupla no dia seguinte, mas isso iria depender do clima e de minha disposição na hora de decidir o que era melhor. Assim, terminei a noite em santíssima paz, mergulhando, após o frugal jantar, num sono profundo e reparador. AVALIAÇÃO PESSOAL – Um percurso fácil e praticamente todo plano, sempre em meio a plantações de laranja e cana, ou imensas pastagens. Porém, bastante sofrido, em face da poeira e do calor reinante naquele dia, agravado pela baixa umidade na atmosfera. O aporte à cidade de Porto Ferreira é bastante oprimente, não só pelo expressivo tráfego de veículos, mas também, porque se caminha quase 5 quilômetros em zona urbana, sobre o asfalto, ou por calçadas bastante concorridas.
3ª etapa: PORTO FERREIRA à TAMBAU – 48 quilômetros |
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