3º dia: POMERODE à RIO DOS CEDROS – 18 quilômetros

3º dia: POMERODE à RIO DOS CEDROS – 18 quilômetros

 

“Temos apenas de seguir a trilha do herói e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um Deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo.” (Joseph Campbell)

 

 

“Hoje o caminho será bem diferente, ora com paralelepípedo, ora com asfalto, é a parte mais urbana de todo o percurso. Bares e lanchonetes, lojas, muitos pontos turísticos, muita gente falando alemão, aliás, o título de cidade mais alemã do Brasil sem dúvida cabe muito bem a essa cidade. Mesmo sendo o percurso mais urbano, não deixará de apresentar pelo caminho diversos atrativos: igrejas interessantes pela arquitetura, casas centenárias com arquitetura enxaimel preservada e seus jardins floridos e pequenas propriedades rurais; locais com verdadeiras paisagens europeias. Quando chegar à divisa com a cidade de Rio dos Cedros, poderá perceber claramente o novo sotaque encontrado, aqui a descendência é italiana. À noite, curta andar pelas calçadas e converse com a população. Bom descanso, pois amanhã o caminho será embrenhado em estradas estreitas entre muita natureza..” (Extraído do livro guia do roteiro, que é entregue ao caminhante quando da retirada da credencial, em Indaial/SC)

Levantei às 5 horas, porém tal pressa seria desnecessária, visto que enfrentaria o menor percurso de todo o roteiro.

Com apenas um adendo: todo o trajeto seria em piso duro e, quase sempre, à beira de rodovias.

Contudo, como reza um provérbio português: “O que não tem remédio, remediado está”.

Assim, reli minhas anotações, verifiquei o guia do percurso, ingeri meu frugal desjejum e, às 6 h 30 min, calmamente, deixei o local de pernoite, seguindo em direção ao centro da cidade.

Ali, localizei a primeira flecha branca do caminho, girei à esquerda, e segui adiante por 1 quilômetro, utilizando-me de calçadas construídas à beira da avenida.

Nesse trecho, tive a companhia de um rumoroso riozinho, à minha direita, que com sua “cantiga” matinal, alegrou meu percurso.

Então, adentrei à Rodovia Ralf Knaschel, que liga Pomerode à Timbó, seguindo pelo acostamento, no sentido contrário ao fluxo de veículos.

O dia se mantinha fresco e enfarruscado, parecendo que choveria em breve, antes mesmo que eu aportasse ao meu destino.

Nesse trecho, ainda bastante urbano, reapareceram inúmeras casas em estilo enxaimel, características de cidades colonizadas por alemães.

Nessa região específica, sua construção consiste em paredes montadas com hastes de madeira encaixadas entre si em posições horizontais, verticais ou inclinadas, cujos espaços são preenchidos por pedras ou tijolos.

Quatro quilômetros vencidos em bom ritmo, eu passei diante do Museu Casa do Imigrante, que faz parte do patrimônio deixado pelo imigrante pomerano Carl Weege, que se fixou em Pomerode na região onde hoje se localiza o bairro Pomerode Fundos.

Reconstruído com autêntica edificação enxaimel e decoração típica da colonização alemã, o local conta com a exposição de móveis antigos, roda d’água, rancho com moenda de cana-de-açúcar, prédio da atafona (moinho de fubá de milho) e a Praça Lauro Guenther.

Seria uma boa opção para visita, no entanto, seu horário de funcionamento é das 9 h às 17 horas, e meu relógio marcava apenas 7 h 30 min.

Mas, ainda que estive dentro do horário de visitação, estávamos numa segunda-feira e seu funcionamento é de terça a domingo.

Dessa forma, apenas fotografei a casa e o entorno à distância, depois prossegui meu périplo.

O trajeto continuou interessante, pois testemunhei que a região parece um mundo paralelo, pontilhado por casas belas, com jardins floridos, e hortas familiares muito bem cuidadas e que, apesar de estarem ao alcance de qualquer transeunte, seguem intocadas.

Quase na metade da jornada, junto à uma grande pedra, fiz uma pausa para descanso e hidratação num local estratégico, de onde eu avistava uma belíssima e original igrejinha, construída à beira da estrada.

 

Do meu lado direito, num imenso descampado, podia ver uma grande manada de gado leiteiro se alimentando do verde capim.

Lembrei-me, então, de um artigo escrito por eminente biólogo, dizendo que as florestas têm a missão, muito importante, de fazer penetrar a água da superfície nos lenções freáticos, que é o grande manancial, através das raízes das árvores.

Vem o homem e derruba a mata nativa, para formar pastos para os animais.

As pastagens são superficiais, e não têm como ajudar a água voltar aos depósitos subterrâneos, por isso, com o tempo, elas tendem a se transformar em desertos.

Por enquanto, ainda podemos ver montanhas verdes, bonitas, algumas árvores margeando rios, desempenhando heroicamente o papel de matas ciliares, mas, infelizmente, se os ecólogos estiverem certos, isso é precário e tem vida curta.

Assim, se as florestas não forem restabelecidas, os rios correm o risco de morrer e, com eles, também a Terra e o homem.

Sei que existe em mim uma partícula de Deus, que é imortal, e quando eu desaparecer deste plano, este fragmento retornará ao grande campo da energia universal, mas ficará minha mensagem de amor pela natureza.

Sobre o tema, Stephen Hawking chocou a comunidade científica internacional ao afirmar que:

 “A matéria não existe, porquanto o que permanece da matéria é a sua energia, assim, nós, homens, não existimos (como matéria), na verdade, somos microscópicos pontos de luz soltos no universo”.

 

Revigorado, mochila novamente às costas, fiz uma visita ao pequeno templo, onde pude externar orações e pedir proteção naquele dia para mim e família.

O local, limpo e muito bem dimensionado, continha um punhado de velas acesas, à esquerda, quadros e imagens de inúmeros santos.

Na verdade, são comuns esses locais pontuais, caprichosamente construídos, onde as pessoas vêm pedir, agradecer, ou simplesmente manifestar sua religiosidade.

Talvez a solidariedade que muitos não encontraram nas pessoas humanas, possa estar presente nos seres celestiais que ali imaginam existir, e isso pode trazer a elas algum conforto, pois representa a fé do nosso povo.

Findas minhas preces, retornei ao asfalto e segui adiante até que, no décimo quilômetro, houve uma bifurcação de roteiros.

Então, obedecendo à sinalização, eu dobrei à direita, e prossegui em direção à cidade de Rio dos Cedros, minha meta para aquele dia.

Alguma coisa não estava bem em meus pés, pois sentia uma dor aguda no lado esquerdo, bem próximo ao calcanhar.

Não tive dúvidas, fiz uma pausa extemporânea, descalcei as botas, tirei as palmilhas, afrouxei os cadarços, depois refiz tudo ao contrário, novamente.

Afinal, o calçado é coisa muito séria!

Duas coisas, aliás, são importantíssimas e devem estar muito bem numa longa viagem a pé: a cabeça e os pés, afinal, uma trilha é o encontro da terra com o céu.

Prosseguindo em frente, logo passei diante da localidade de Santo Antônio, depois, quando ainda restavam 4 quilômetros para a chegada, eu girei à esquerda e passei a caminhar em zona urbana, agora sobre paralelepípedos.

Finalmente, após tomar informações no centro da cidade, eu segui à direita e às 11 horas, eu aportava ao Hotel e Churrascaria Vale Verde, local onde fiquei hospedado.

 

A cidade de Rio dos Cedros possui atualmente 11 mil habitantes, e a maioria esmagadora de sua população é de origem trentina, ou seja, tiroleses de língua italiana.

Os imigrantes tiroleses são oriundos do atual Trentino, província histórica do antigo Condado do Tirol, então pertencente ao Império Austro-húngaro.

Incentivados pelo Dr. Blumenau, os imigrantes tiroleses entraram no Vale do Itajaí a partir de 1875 e fundaram várias localidades, como Nova Trento, Rodeio e Rio dos Cedros.

Rio dos Cedros, antes do início da colonização trentina entre 1875/1876, era uma vasta floresta inexplorada, recortada por um grande número de córregos, afluentes do mesmo rio.

O nome desse rio aparece desde 1863, quando um grupo de desbravadores dos sertões de Blumenau, chefiados por August Wunderwald, indivíduo estudado e verdadeiro bandeirante de toda a região, subia pelo Rio Itajaí-Açu, de canoa, entrando em seguida pelos Rios dos Cedros e Benedito.

Devido à grande quantidade de cedros, com mais 50 metros de altura, de madeira preciosa de lei existente na barra dos dois rios, deu a um deles esse nome.

O outro rio recebe a denominação de Benedito, provavelmente por existir um morador com esse nome, que teria chegado antes da imigração europeia.

O cedro mais alto encontrado nessa grande área possuía 86 metros, foi apelidado de Grande General Cedro e foi derrubado em uma tempestade no ano de 1917, sendo que seu tronco está exposto no Museu Natural do Cedro.

Hoje as árvores que restaram no parque municipal possuem uma altura média de 40 a 60 metros.

A madeira do cedro sempre foi considerada por todos os povos matéria-prima de excelente qualidade para a indústria de móveis e de construção, e sua utilidade já era famosa entre os povos antigos.

A primeira exploração do Rio dos Cedros, desde a barra com o Rio Benedito foi realizada, portanto, numa viagem de canoa por aqueles destemidos homens, que penetraram com dificuldade rio acima, num percurso de 15 quilômetros.

Depois retornaram, na impossibilidade de avançar, pelo fato do rio se tornar impraticável à canoa e pela escassez de alimentos.

Aquele grupo descobriu, entretanto, que a região, vista do alto de um morro, era muito extensa e fértil.

Eles perceberam também que, para além das montanhas que circundavam o vale, poderia existir um grande planalto, o que realmente se verificou mais tarde.

Hoje Rio dos Cedros é um lugar aprazível, bom para se morar, habitado por gente ordeira e progressiva.

Suas colônias praticamente são as mesmas traçadas nos tempos da imigração, com 200 metros de largura por 1.000 de fundo.

Sua população é composta por descendentes de alemães, trentinos (tiroleses italianos) e búlgaros.

Embora o centro da cidade tenha colonização basicamente trentina, no interior a população descendente de alemães é numerosa, existindo localidades exclusivamente germânicas.

Já os búlgaros estão instalados no alto da serra, no vilarejo de Lovech, mas há também famílias que residem no centro da cidade.

Após reconfortante banho e a necessária lavagem das roupas, desci para almoçar no andar térreo do próprio edifício, porquanto ali funciona uma excelente churrascaria.

Depois de um merecido descanso, retornei ao centro da urbe para conhecer sua igreja matriz, dedicada à Nossa Senhora da Imaculada Conceição, cujo interior é belíssimo e de ousado acabamento.

Na sequência, me dirigi ao Banco do Brasil, único estabelecimento do gênero ali existente, para me prover de numerário, e ali conversando com uma funcionária dessa instituição, soube que o índice de criminalidade na região, beira a zero.

Efetivamente, como eu pudera comprovar em minha caminhada, a quase totalidade das casas não possui muros ou grades fronteiriças, bem como os cães quase sempre são do tamanho “mignon”, ou seja, servem apenas para dar alarme, e não para atacar.

O povo é hospitaleiro, ordeiro e gentil, sempre pronto a dar informações, as ruas limpas, sem lixo e, não observei pichações em nenhum dos locais por onde passei.

Custa mesmo acreditar que estava no Brasil, tamanha a diferença de educação e costumes que essa pródiga região irradia, um exemplo para nós brasileiros do “norte”.

À noite, como de praxe, fiz frugal lanche num bar próximo, depois fui dormir, pois o dia seguinte, conforme a previsão metereológica, seria de muito sol.

 

 

IMPRESSÃO PESSOAL: A etapa mais curta de todas que percorri nesse roteiro, porém, com a desvantagem do percurso ser integralmente urbano e sempre em piso duro, não comportando uma única nesga de terra em todo o trajeto. Em compensação, trilhado sempre entre muito verde e belas construções, o que distrai, empolga e ameniza a dor nos pés do caminhante.