Quem Pode Ir?
Muitas vezes surgem as perguntas: Será que
eu posso percorrer o Caminho de Santiago? O Caminho está aberto para mim? O que
é necessário para poder ir?
O Caminho de Santiago está sempre aberto a todas as pessoas,
independentemente de idade, sexo, nacionalidade ou crenças religiosas. É
importante que você saiba que esta viagem não está reservada apenas a algum tipo
especial de pessoa. Ninguém lhe pedirá explicações sobre o motivo de sua viagem,
e você está livre para ir e caminhar até Compostela quando quiser, como quiser,
com quem quiser, da maneira que lhe for mais conveniente. Não é necessário ser
católico para empreender a caminhada, e nem mesmo cristão. E nem é necessário
ser jovem, atleta ou esportista para ser um peregrino. Há histórias de jovens e
idosos, sadios e doentes, famílias inteiras, fortes e fracos, e, sem dúvida,
muitos, muitos mesmo, iguais a você. Também não é necessário que você saiba
porque está indo. Se você não souber o motivo, certamente o descobrirá ao longo
do Caminho. Ou, quem sabe, ao longo da vida, seu já conhecido caminho.
Por ser uma viagem totalmente aberta, não há inscrições,
reservas, prazos ou regulamentos. Não há guias turísticos, não há metas
pré-determinadas, nem há qualquer plano de viagem a não ser aqueles feitos pelo
próprio peregrino. O Caminho está lá, você vai na época do ano em que puder;
inicia a caminhada onde quiser; anda a cada dia o quanto seu corpo aceitar;
come, descansa e dorme onde a fome ou a noite o encontrarem. Você será seu
próprio guia. E seu espírito, caminhando, será também seu próprio
caminho.
Vistos
Não se preocupe com vistos. O Brasil mantém
relações diplomáticas especiais com a Península Ibérica e os vistos para
Portugal e Espanha não são necessários. A França também dispensou, recentemente,
o visto obrigatório para brasileiros.
Dinheiro
Seus gastos básicos estarão divididos entre
passagem aérea, traslados até o local de início e após o final da caminhada, e
alimentação.
Consideramos também importante que o peregrino leve uma quantia
de reserva para imprevistos. Procure levar de 20% a 30% a mai além da estimativa
de gastos como reserva para imprevistos. Deixe parte do dinheiro em dólares ou
pesetas e parte em "traveller checks". Não se esqueça de guardar o seguro contra
roubo ou extravio em local separado dos cheques. Troque aos poucos os dólares e
"traveller checks" por dinheiro espanhol. Não se preocupe, pois há bancos ao
longo do Caminho, principalmente nos povoados um pouco maiores. Evite carregar
grandes quantias de dinheiro nos bolsos. Através dos guias editados você poderá
descobrir se o povoado tem ou não um ou mais bancos. Um cartão de crédito
internacional é sempre uma boa opção, evitando o perigo de se andar com muito
dinheiro no bolso. Embora o risco de um assalto seja desprezível, dinheiro
sempre pode ser perdido, ou estragado ou molhado pelos imprevistos do
Caminho.
O peregrino está lá para caminhar e não para ostentar. Uma das
lições importantes que poderemos receber no Caminho é a capacidade de nos
sentirmos satisfeitos com o essencial. Porém, o essencial, ou a quantidade de
"dinheiro suficiente" é uma medida que depende fundamentalmente das necessidades
e gostos de cada pessoa. Não exagere!
Caso não consiga juntar o dinheiro até a data que definiu para
sua partida, não desanime. Decidir ir é o que vale, pois o Caminho certamente
estará esperando por você nos meses seguintes ou no próximo ano. Não há pressa.
O importante é ter força de vontade para não se deixar abater e economizar o
restante que faltou. Disciplina e organização são elementos
indispensáveis.
Onde Começar
O Caminho termina geograficamente na cidade
de Santiago de Compostela, porém não possui um local preciso de início. Os
vários caminhos vêm de regiões distantes, cruzam a Europa, atravessam a França,
e gradualmente vão confluindo até tornarem-se um só na cidade de Puente la
Reina, na Navarra. Por motivos históricos, os dois mais tradicionais pontos de
partida são San Jean Pied Port, a "última cidade da França", e Roncesvalles, a
"primeira cidade da Espanha". Mas o Caminho é seu, e você começa onde quiser.
Ninguém jamais fará o seu Caminho, e você não fará o de ninguém. As opções são
muitas, as rotas, inúmeras, as pessoas, infinitas.
Os Guias
Os livros editados como guias são
fundamentais e indispensáveis. Apesar de todo o Caminho estar sinalizado por
monumentos, conchas, sinais, e as famosas setas amarelas pintadas em árvores,
pedras e casas, sem um confiável guia de peregrino, certamente você terá grandes
chances de se perder. Utilize um guia para caminhar com segurança.
Um guia muito utilizado pelos peregrinos, não apenas pela
indiscutível qualidade e precisão, mas pelo formato muito cômodo de ser
carregado e por seu pequeno peso é o intitulado "Rutas a Pie / El Camino de
Santiago", publicado pela editora El País S.A. y Aguilar. O maior problema é
que, infelizmente, a última edição foi feita em 1993 e a partir de então a obra
não foi reeditada. Assim, caso não haja uma nova edição, você terá muita
dificuldade para encontrar este guia.
O guia espanhol "Guia Prática del Peregrino / El Camino de
Santiago", publicado pela editora Everest, é um guia muito bem elaborado,
com resumo detalhado de cada etapa do Caminho, mapas com distâncias confiáveis e
um trabalho histórico e fotográfico muito bem feito. A única consideração que
não poderíamos deixar de fazer é quanto a seu formato incômodo, devido ao
tamanho e peso um pouco exagerados para o peregrino que tem como meta essencial
carregar o menor peso possível.
Ambos os guias mostram também os diferentes serviços existentes
ao longo da rota, como albergues, bancos, bares, restaurantes, campings, etc.
Embora ainda não exista nenhum traduzido para o português, a consulta de ambos é
simples e seu entendimento se tornará cada vez mais fácil à medida em que,
durante o Caminho, você for se habituando com eles.
Com o guia, torna-se possível saber precisamente por onde passa
o Caminho, as distâncias a serem percorridas e o nome de todas as cidades e
vilarejos, bem como seus monumentos importantes. Consulte-os e eleja o que mais
lhe agrada para levar consigo na viagem, mas eleja apenas um, pois este com
certeza bastará e não representará um peso excessivo dentro da mochila.
A Credencial do Peregrino
Renovando a antiga tradição das cartas de
apresentação e dos salvo-condutos dos peregrinos medievais, a Credencial
é atualmente o documento que comprova a peregrinação. É o passaporte que permite
o acesso aos albergues e refúgios gratuitos existentes em toda a rota. Trata-se
de um documento indispensável, e é específico para quem percorre a pé, de
bicicleta ou a cavalo o Caminho de Santiago.
Embora você possa obtê-la na França ou na Espanha, o ideal é
que você já saia do Brasil com ela no bolso. Será uma preocupação a menos a
enfrentar no início da caminhada. A Credencial pode ser obtida
gratuitamente na "Associação Brasileira de Amigos do Caminho de Santiago de
Compostela". É importante ressaltar que, no Brasil, somente a Associação está
autorizada a emitir a "Credencial de Peregrino".
Nesse documento você deverá colher os carimbos, um a cada dia,
das localidades por onde passar. O carimbo pode ser conseguido preferencialmente
nos locais onde você irá dormir. Nas cidades e nas aldeias, procure sempre as
secretarias das catedrais, as igrejas ou mosteiros, as prefeituras ou o próprio
refúgio, para obter o carimbo para a Credencial. Não se esqueça de que
somente portando a Credencial você poderá utilizar os refúgios, recebendo
toda a atenção e toda a hospitalidade, tão tradicionais no Caminho.
A Preparação
Após tomar a decisão de fazer o Caminho, a
melhor recomendação é iniciar o quanto antes o treinamento. Realizando uma
preparação bem feita, você poderá desfrutar melhor do muito que a peregrinação
tem a lhe oferecer. A filosofia do Caminho, seus aspectos espirituais e
culturais, e suas belezas naturais não devem deixar de ser aproveitados por
motivos de cansaço, por falta de informação ou por problemas físicos decorrentes
de uma má preparação.
Comece o treinamento realizando caminhadas de curta distância.
Não adianta exagerar e percorrer dezenas de quilômetros em um dia e passar
vários outros em estado de recuperação, com dores por todo o corpo. Esta não
será sua realidade no Caminho. Assim, vá aumentando progressivamente a distância
percorrida e, se possível, a constância do treinamento. Com o tempo, adquirindo
melhor forma física, o ideal seria percorrer a quilometragem média das etapas do
Caminho (25 a 30Km), durante dias seguidos, até a data do embarque para
Espanha.
Quando estiver próximo ao dia da partida e já houver adquirido
seu equipamento, realize caminhadas com a mochila carregada com aquilo que você
considera imprescindível levar. Talvez as coisas não sejam mais tão
imprescindíveis quando você sentir a cruel noção de seu peso. A bota de
trekking também deve ser amaciada. Lembre-se que sapato novo não combina
com caminhadas de longa distância.
Uma forma eficiente de treinamento é realizar viagens por
trilhas montanhosas, carregando todo o seu equipamento, para que o corpo se
acostume também com as subidas e descidas. Caso treine em zona urbana prefira
locais com ladeiras, ou com gramados, aproximando-se mais da realidade que o
espera. Não pense que andar 20 km em ruas planas e asfaltadas equivale a andar a
mesma distância em montanhas e em terrenos irregulares. Se você não tiver a
oportunidade de se preparar fisicamente, será o próprio Caminho o seu campo de
treinamento. Não adianta se lamentar. O melhor a fazer é preparar a mente, fator
não menos essencial que o preparo físico.
O peregrino deve ter fidelidade a seu sonho e perceber que sua
força de vontade já começa a ser exercitada antes mesmo dele colocar os pés no
Caminho de Santiago. Conseguir esta força de vontade, o dinheiro e o tempo
necessários para ausentar-se de seu país, para deixar a família e os afazeres
cotidianos já fazem parte do Caminho que, afinal, tem início a partir de sua
decisão de realizá-lo.
Normalmente, a média de tempo que um peregrino leva para
caminhar desde a fronteira da França até Santiago é de 20 a 40 dias.
Normalmente, também, o período de férias é de 30 dias. Não adianta querer
ignorar seu tempo disponível e tornar sua peregrinação uma operação aritmética
com base em qualquer número pré-estabelecido de quilômetros por dia. A coisa
realmente não funciona desta forma. Ser capaz de caminhar uma determinada
distância em apenas um dia ou dois na sua cidade é muito diferente de percorrer
esta mesma distância seguidamente durante todos os dias, carregando uma mochila
nas costas, até completar cerca de 700 ou 800 km.
Além disso, é importante levar em consideração o tempo de
viagem até o início do Caminho e o tempo de volta, não se esqueça de que você
não conseguirá chegar em Compostela e ir embora tranqüilamente no mesmo dia.
Reserve um tempo para poder desfrutar de sua realização em uma das cidades mais
fantásticas de todo o mundo. O melhor para quem não dispõe do tempo necessário
para o percurso desde a fronteira é começar a caminhar a partir de um ponto mais
próximo a Santiago.
As lições do Caminho de Santiago estão geralmente nas pequenas
coisas. Surgem como a luz que, penetrando na neblina, anuncia a chegada de mais
um dia. São lições que ensinam antigos segredos a quem observa o vôo dos
pássaros e o oscilar dos trigais, ou que despertam a adormecida consciência
daquele que contempla o trabalho solitário dos pastores. O poder do peregrino
não está no domínio da distância, mas na comunhão com tudo aquilo que o cerca.
Aproveite ao máximo seu Caminho, pois ele será construído a cada momento, sem
pressa. O que torna alguém um peregrino não é o simples deslocamento geográfico
até uma Catedral, mas o aprendizado com as infinitas pequenas coisas que
completam o seu dia-a-dia até chegar lá. O objetivo maior do Caminho talvez não
seja a chegada, mas o próprio caminhar.
Caminhando Corretamente
Inicie a caminhada de forma suave e
pausada. Fatores como idade, alimentação, peso corporal, preparo físico, peso da
mochila, clima, relevo, etc., precisam estar em perfeito equilíbrio. Nos
primeiros dias, até que você conheça seu ritmo adequado, procure não caminhar
muito rápido ou percorrer etapas extremamente longas. Acelerando o passo, tente
manter uma marcha contínua e ritmada entre uma parada e outra. Vá, aos poucos,
aumentando as distâncias e preste atenção em seu corpo, que seguramente irá
avisá-lo se você não estiver agindo corretamente.
Verifique se você está mantendo uma passada confortável, que
não o mantenha ofegante ou cause qualquer dificuldade para fazer perguntas ou
conversar com as pessoas que encontrar ao longo do Caminho. Aproveite o contato
com as pessoas, pois esses encontros fazem parte de sua jornada e o levarão
muito mais longe do que seu espírito imagina.
O Caminho está repleto de lugares convidativos para uma breve
parada. Igrejas, monumentos e paisagens são pontos altos da peregrinação e
merecem ser observados sem pressa. Além disso, existem, ao longo de todo o
caminho, bares onde é possível saborear uma deliciosa "madalena"
acompanhada por uma bom vinho de "La Rioja". Independentemente disso, é
aconselhável uma parada para descanso de pelo menos dez minutos a cada hora ou
duas, ou até mais, se for necessário. Sombras de árvores, fontes e margens de
rios são excelentes lugares para relaxar e recuperar a energia perdida. Como já
dissemos, será seu corpo quem irá mostrar a necessidade de um maior ou menor
período de descanso. Este período, quando respeitado, terá como resultado uma
boa recuperação. Quando deixamos o corpo chegar a um estado de esgotamento e
cansaço excessivos, a recuperação será sem dúvida muito mais lenta e
problemática.
Apoie por completo a planta do pé no solo. Mesmo que uma bolha
atrapalhe este procedimento, não pise torto. Sobrecarregar demasiadamente
determinadas zonas da planta do pé facilita a ocorrência de tendinites, cãibras
e outros problemas físicos. Em terreno plano, siga seu passo normal pisando com
firmeza; nas subidas não deixe a mochila muito apertada para que sua respiração
possa fluir com naturalidade. Seus passos serão naturalmente mais curtos, mas
exageros podem tornar o trajeto mais cansativo. "Na descida todo santo ajuda" é
um ditado que não serve para longas caminhadas. É justamente nas descidas que
você estará mais propenso a sofrer algum tipo de queda ou entorse. O andar
torna-se inconscientemente mais rápido e os passos mais longos, o que significa
que a atenção precisa ser redobrada. Apoie primeiro o calcanhar no chão e nunca
a parte da frente do pé. Assegure-se de que sua mochila está bem presa na
cintura para que seus ombros não fiquem sobrecarregados.
Sempre olhe bem aonde está colocando seus pés. Dê um passo
atrás do outro sem descuidar de nenhum. Um passo mal dado pode ocasionar uma
queda ou lesão que o obrigue a abandonar o Caminho. Sobretudo quando enfrentar
terrenos acidentados, com desníveis e pedras soltas , fique mais atento ao
pisar.
Ao caminhar em companhia de alguém que tenha o passo mais ou
menos rápido que o seu, de forma alguma procure acompanhá-lo. Caminhando fora de
seu ritmo natural, em apenas algumas horas você estará completamente esgotado.
Ao invés disso, marque lugares específicos para encontrar seus companheiros ao
longo do Caminho. Seu guia estará repleto de opções.
Você pode utilizar um cajado para apoio, e este é um dos
atributos tradicionais do peregrino. Mas lembre-se de que ele não é uma muleta.
Imagine que terá que subir e descer de pedras, enfrentar desníveis do solo e ao
mesmo tempo estará carregando todo o peso de sua bagagem. Apoiando-se no cajado,
você facilitará sua locomoção em terrenos acidentados, evitando pequenos saltos.
Em terrenos planos e regulares, utilize o cajado para determinar o ritmo da
caminhada e torná-la mais agradável.
Se você cuidar de seu corpo, e tratar as dores e a fadiga
precocemente, antes que se agravem, pode ser que você tenha apenas que reduzir o
seu ritmo por algum tempo. E isto será muito melhor que ser forçado a
interromper a caminhada por um problema de saúde mal cuidado e mal
resolvido.
Cuidados com os Pés
Os pés são certamente os melhores amigos do
peregrino. Temos a obrigação de dedicar uma atenção especial a eles, pois se os
tratarmos bem irão nos levar até Santiago. A higiene é importantíssima. Ao
término de cada dia de caminhada devemos lavar os pés cuidadosamente. Depois de
limpos, o melhor é verificar se há alguma bolha ou irritação e dispensar o
tratamento necessário ao problema. Caso já exista algum curativo que precise ser
trocado, não deixe para o dia seguinte, pois a situação poderá se complicar.
Tomar sol nos pés e andar um pouco descalço no albergue são
excelentes hábitos. Durante o Caminho, os pés passam a maioria do dia cobertos e
perdem a resistência. Por falta de sol, e pelo excesso de suor, a pele fica fina
e sensível, mais sujeita à formação de bolhas e escoriações.
Outra medida que seus pés agradeceriam seria utilizar palmilhas
de espuma. Essas palmilhas ajudam a amortecer os impactos e absorvem a
transpiração que amolece a pele. Podem ser encontradas na maioria das farmácias
espanholas, custam barato e não pesam nada. Além disso, colocando-as para secar
ao final de cada dia, recuperam a capacidade de absorção e duram mais.
Uma dica para evitar as bolhas é passar vaselina entre os
dedos. O produto diminui o atrito entre os dedos, e o atrito da meia contra a
pele, revelando-se um fantástico e escorregadio preventivo contra bolhas. Muitos
peregrinos seguiram viagem aliviados após descobrirem este macete.
Vale também lembrar que não é interessante tomar banho antes de
começar a andar, principalmente com água quente e durante muito tempo, pois a
pele dos pés amolece e fica mais propensa a bolhas.
A Alimentação
A questão alimentar é pessoal. Porém,
devemos levar em conta que ao caminhar muitas horas por dia estamos realizando
um esforço muito maior que em nossa vida cotidiana e consumindo mais calorias.
Portanto, devemos considerar a questão da alimentação e da ingestão de líquidos
com bastante seriedade.
Existem muitas cidades no Caminho onde há supermercados,
quitandas ou bares nos quais você poderá comprar provisões. Assim, tire da
cabeça a idéia de carregar consigo todo o suprimento alimentício, fogareiro,
condimentos, etc. Você não irá enfrentar nenhuma selva no Caminho. Caso queira
levar algo para comer durante a trilha, opte por coisas leves como chocolate,
frutas ou queijo. Dê preferência a alimentos calóricos e concentrados. Cuidado
com o peso da carga.
Além disso, em vários bares e restaurantes ao longo do Caminho
está se implantando o "menu del peregrino", a preços bastante
compensadores. Embora seja uma comida simples, acreditamos que atende às
necessidades tanto do corpo quanto do espírito daquele que deseja ser um
autêntico peregrino.
Talvez o maior problema seja o café da manhã. Certamente nos
povoados onde existem albergues existe também um bar para que o peregrino possa
jantar. Porém, como normalmente iniciamos bem cedo a etapa do dia seguinte, os
bares costumam estar fechados e muitas vezes simplesmente não há onde comer.
Portanto lembre-se de comprar um dia antes o que desejar comer pela manhã. Não
passe fome, pois a estafa resultante, certamente fará você perder mais tempo do
que se parar para uma refeição ligeira.
Quanto à bebida, acostume-se a economizar a água de seu cantil,
bebendo somente o necessário. Principalmente no verão, sempre que puder, encha o
cantil novamente. Não espere para fazer isso somente quando tiver sede. Você
pode passar um longo tempo sem encontrar água, principalmente nas regiões mais
áridas. Outra medida interessante para os "viciados" é manter o cantil dentro da
mochila. Dificultando seu acesso a ele, tomar água não se tornará um hábito ou
passatempo e sim uma necessidade. Você assim pensará duas vezes antes de parar e
desatar a mochila para tomar água, e se o fizer é sinal que estará realmente com
sede. Em caso de necessidade, sempre podemos pedir água em qualquer casa, e
teremos a oportunidade de experimentar a amabilidade e hospitalidade das pessoas
que moram ao longo do caminho.
Cuidados Físicos
Muito se fala e muito se ouve sobre as
bolhas dos pés dos peregrinos, muitas vezes exagerando o problema, descrevendo a
viagem como um suplício difícil de ser enfrentado. É importante que se saiba que
milhares de peregrinos caminham centenas de quilômetros sem apresentarem
qualquer problema nos pés. No entanto não se pode esquecer que o aparecimento de
bolhas é uma ameaça ao bem-estar do caminhante, podendo mesmo chegar a
comprometer a continuidade de sua caminhada.
Mesmo tomando todos os cuidados necessários e utilizando o
equipamento adequado não estamos livres de ter bolhas bem doloridas. Como
medidas preventivas devemos levar em conta o perfeito ajuste das meias, a
utilização do calçado adequado e a higiene diária dos pés, que devem ser lavados
imediatamente ao final de cada etapa. As bolhas formam-se porque o suor,
amolecendo a pele, a deixa mais sensível ao atrito. Um dos motivos que propicia
seu aparecimento é o desajuste das meias, causando uma fricção irregular com a
pele. Mesmo um desajuste mínimo vai assumindo maiores proporções com o caminhar
contínuo e a bolha então torna-se inevitável. Calçados largos são tão
prejudiciais quanto calçados apertados demais. O sapato mal ajustado causa uma
fricção contínua sobre determinados pontos da pele, até que suas camadas se
descolam, e aparece a bolha.
Costuras ou protuberâncias internas do calçado podem igualmente
causar bolhas. Neste caso, ocorrerá outra vez um atrito irregular entre a pele e
a meia e novamente irá se formar na região afetada aquela reação parecida com a
de uma queimadura, surgindo em seguida a pequena bolsa cheia de líquido. A bolha
entra em cena e cresce. É por este motivo que insistimos na utilização de um
calçado adequado, projetado especialmente para longas caminhadas.
Enquanto estiver caminhando, logo que sentir uma região do pé
dolorida ou sensível, pare e verifique a causa. Retire alguma pequena pedrinha
que entrou no calçado, corrija o problema da meia ou da bota, e então cubra a
região com o esparadrapo especial para estes casos, ou mesmo com Band-Aid. Mesmo
que você perca algum tempo, não deixe a situação piorar por um simples descuido
seu. Se necessário utilize alguma pomada que acelere a formação de novo tecido
na epiderme. Elas são facilmente encontradas nas farmácias européias,
principalmente naquelas ao longo do Caminho.
Caso você não consiga evitar e seja contemplado com uma (ou
mais) terrível bolha, não desanime, pois estará na mesma situação já enfrentada
e vencida por outros peregrinos. Este é o momento de tomar certas providências
para que ela não comece a aumentar e incomodar ainda mais, tornando sua
peregrinação uma experiência extremamente dolorosa.
Em primeiro lugar, o melhor a fazer é identificar e eliminar o
motivo que tenha causado a bolha para evitar a aparição de outras, talvez
maiores e mais doloridas. Depois, desinfete uma agulha e faça um ou dois
pequenos furos na bolha para que o líquido de seu interior saia até que ela
fique completamente vazia. Furar a bolha significa apenas atravessar a sua
película externa com a agulha. Nunca, mas nunca mesmo, corte ou arranque a pele
que serve como proteção para a zona lesionada.
Coloque sobre a bolha, já sem líquido, um composto protetor que
poderá ser encontrado nas farmácias locais. Trata-se de um protetor bastante
eficiente, conhecido pelos peregrinos como "pele artificial", que irá aliviar a
dor e acelerar o processo de cicatrização da bolha. Ao final de cada dia, após
lavar bem os pés, verifique o estado do curativo e, se necessário, volte a furar
a bolha se esta houver se formado novamente. Pela manhã, antes de partir,
verifique sempre a situação de seus pés. Cubra com esparadrapo especial as
regiões que estiverem mais sensíveis e avermelhadas, com a pele fina e frágil,
pois estas são as mais propícias ao aparecimento de novas bolhas.
Outra maneira de tratar de uma bolha é a técnica da "costura".
Trata-se de pegar agulha e linha de costura, de preferência de algodão, enfiar a
linha na agulha, desinfetar bem o conjunto com água oxigenada ou Iodo. Então,
atravesse a bolha com a agulha e prossiga até a linha ficar transpassada no
interior da bolha. Corte a linha deixando um centímetro de cada lado para fora
da bolha. Pressione delicadamente a região lesionada até sair toda a água da
bolsa e deixe a linha lá mesmo. Ela servirá como dreno, evitando que a bolha se
encha novamente de água, voltando a crescer e incomodar durante a caminhada.
Passe algum tipo de pomada cicatrizante e faça sobre o local um curativo
protetor. Troque este curativo todas as manhãs antes de começar a caminhar, mas
sem tirar a linha. Lembre-se sempre que utilizar material limpo e estéril é
fundamental para evitar infeccões. Muito pior que uma simples bolha será uma
bolha infeccionada. Nunca utilize esta técnica para bolhas que surjam na planta
do pé pois, ao caminhar, você irá pisar diretamente na linha, causando atrito
constante na região lesionada, ferindo a pele já sensível. Evite sofrimentos
desnecessários e até mesmo uma possível inflamação.
Se a bolha for muito grande, você pode, após esvaziar seu
conteúdo, injetar alguma solução antisséptica em seu interior, o que previne a
instalação de uma infecção secundária.
Como as bolhas não são tão raras, tornam-se um dos assuntos
mais triviais no Caminho. Não é difícil você encontrar um peregrino cheio de
histórias para contar e antes mesmo dele perguntar seu nome, ou de onde vem,
querer saber quantas bolhas você tem e o que tem feito para que elas deixem de
incomodar e não apareçam mais. As receitas são inúmeras, partindo dessas que
descrevemos até chegar em banhos de ervas e outras soluções recomendadas por
antigos peregrinos ou suas avós. Não dispense um bom conselho, mas o melhor
conselho é afastar-se dos absurdos. Os seus curativos e os seus cuidados serão
sempre mais precários que os que seriam feitos por um médico em um hospital,
porém você dispõe de poucos recursos e terá que "se virar". Não siga receitas de
"medicina alternativa" dadas por leigos, nunca aceite sugestões que sejam
evidente falta de higiene, e não passe substâncias estranhas ou suspeitas sobre
as feridas.
Outro problema relacionado com as bolhas é a alteração da
postura natural durante a marcha. Isso ocorre porque o peregrino passa a "pisar
errado", fugindo da dor, o que pode ocasionar tendinites e distensões
musculares, problemas realmente mais sérios. O melhor a fazer é não alterar a
postura e encarar o problema com uma certa dose de espírito estóico: você vai
andar corretamente, a bolha vai doer e não é por isso que você vai abandonar seu
sonho. Dificuldades fazem parte de todos os Caminhos, e também do seu. Muitos
peregrinos antes de você já tiveram problemas. E conseguiram superá-los.
As dores musculares resultantes do cansaço, por ter forçado a
caminhad acima da média costumeira, podem ser melhoradas com um banho
prolongado, ou com um bom repouso mantendo-se as pernas elevadas. As inflamações
e dores articulares, mais freqüentes nos joelhos ou nos tornozelos, podem ser
mais sérias. Elas podem ser aliviadas com o uso de joelheiras ou tornezeleiras,
ou com o enfaixamento com ataduras. Lembre-se que o enfaixamento deve ser bem
feito para não agravar o problema ou causar mais dores do que as que já
existem.
Mesmo caminhando corretamente, é fato que percorreremos uma
média de 30 Km por dia, com a mochila nas costas. Aparecer uma dor ou uma
inflamação não será coisa de outro mundo ou castigo divino. Caso você procure um
médico, ele poderá lhe aconselhar a abandonar o Caminho e voltar para casa para
ficar em repouso. Porém, se você não estiver muito mal, talvez possa evitar
seguir este conselho ao pé da letra. Preste atenção na situação real em que você
se encontra. Lembre-se que o Caminho de Santiago é um momento completamente
diferente de sua vida cotidiana. Assim, você deve tomar a sua conduta de acordo
com este espírito. Não esqueça a razão, mas ouça sempre seu coração.
Se você não pode resistir a dor, pare de caminhar por um ou
dois dias para que o problema não se agrave. Procure um médico, explique sua
situação e siga suas instruções quanto ao medicamento indicado. Analgésicos e
pomadas anti-inflamatórias provavelmente farão parte desta prescrição, e o
ajudarão a recuperar-se. Enquanto estiver esperando o momento de retornar a
caminhar, aproveite o tempo para meditar sobre aquilo que vem acontecendo
durante sua peregrinação, recuperar a energia e colocar seu diário em dia.
Normalmente, não é permitido ao peregrino dormir mais que uma noite no mesmo
refúgio. Fale com o responsável pelo albergue e verifique a possibilidade de
permanecer lá durante sua recuperação. Uma opção interessante para reverter a
situação e transformar seu problema em aprendizado é auxiliar o responsável em
suas tarefas de acolhida a outros peregrinos. Você aprenderá bastante com essa
experiência e poderá até trocar seu trabalho por uma estadia maior que a de um
dia permitida.
Equipamentos
Para o peregrino medieval, o equipamento
necessário para se percorrer o Caminho consistia apenas em sandálias de couro,
um chapéu de aba larga que o protegesse do sol e da chuva, uma capa para
resguardo contra o frio e o vento, um cajado para apoio e defesa, uma bolsa
resistente para levar o alimento e uma cabaça com água. Nada mais era
preciso.
Já o andarilho moderno conta com algumas facilidades que,
muitas vezes, podem gerar dúvidas ou excessos. Mochilas coloridas e botas caras
não representam garantia para a conquista de sua meta. Ainda é necessário
lembrar-se de que existem "pedras" no caminho. Aquele que deseja percorrer a pé
as centenas de quilômetros do Caminho de Santiago com uma mochila nas costas,
atravessando um país estrangeiro, precisa ter prudência.
O Calçado
Um dos erros mais comuns de quem realiza
uma peregrinação é não levar em conta as limitações terrenas que todo ser humano
precisa saber enfrentar. Dos elementos que compõem a silhueta peregrina atual,
certamente os mais importantes são aqueles que estão em contato com os pés,
ponto mais vulnerável da maioria dos peregrinos. Desacostumado a percorrer tão
grandes distâncias, o caminhante deve ter um cuidado especial, principalmente,
com o tipo de calçado que vai utilizar, para evitar um terrível sofrimento.
Existem duas alternativas: botas especiais para caminhada,
conhecidas como botas de trekking, ou tênis. Embora a escolha da melhor
alternativa possa ser objeto de uma longa discussão, optamos pela primeira. O
tênis dificilmente sobrevive ao Caminho e com grande probabilidade causará
problemas ao pé do caminhante. São úteis apenas nos trechos de estrada
pavimentada, que não são assim tão freqüentes. As botas de trekking dão
mais proteção à articulação do tornozelo, pois são projetadas especialmente para
longas viagens por locais rústicos. Feitas de material especial, poderão evitar
que você tenha bolhas nos pés, entorses e tendinites. Outra grande vantagem
deste tipo de calçado é o solado adequado. Um pouco mais rígido e com maior
aderência de impacto, evita também o cansaço excessivo da planta do pé quando o
peregrino enfrenta solos irregulares e pedregosos. Leve apenas um par, pois são
pesadas. Nunca, mas nunca mesmo, comece a caminhada com botas novas. Procure
amaciá-las, durante alguns meses, antes de viajar. Sapatos novos produzem
bolhas. E bolhas minam o pé e minam a mente.
As Meias
Use sempre meias de algodão sem costuras.
Fibras naturais são melhores que as sintéticas no que diz respeito à prevenção
contra bolhas. Outra prática usual em caminhadas de longas distâncias é colocar
duas meias em cada pé, reduzindo o atrito da pele com a bota. Use meias finas em
contato com os pés e aquelas grossas, "atoalhadas", por cima. Leve de seis a
oito pares de meias para que possam ser lavadas e trocadas todos os dias, sendo
três ou quatro das finas, e três ou quatro das grossas.
A Mochila
A escolha de uma boa mochila é fundamental
para que você tenha uma boa caminhada. Antes de mais nada, ela deverá ser
confortável e bem acabada. Lembre-se de que a mochila será sua companheira
durante muitas horas, e procure um tipo anatômico, com cinturões grossos, bem
firmes e acolchoados no peito e nos quadris. É na cintura e não nos ombros que o
peso da mochila deve ser transmitido, evitando dores e incômodos. Jamais viaje
com uma mochila que se apóie nos ombros.
Na hora de comprar a mochila , lembre-se : Não compre uma
mochila gigante. A capacidade ideal da mochila deverá variar entre 60 e 80
litros. Você só precisa do essencial. Veja se ela possui tiras de ajuste. As
melhores mochilas são aquelas que podem ser modeladas ao corpo do peregrino,
principalmente quando estão meio vazias. A mochila deverá ser, além de
confortável, alta e estreita. Mochilas baixas e largas são incômodas e pouco
práticas. Outra boa idéia é comprar uma mochila com capa para proteção de seu
conteúdo contra a chuva. Caso você não encontre uma, guarde o que não pode ser
molhado em sacos plásticos. Sempre compre em lojas especializadas.
Para acomodar a carga no interior da mochila, coloque primeiro
o saco de dormir na base, protegido por um plástico. O restante segue um
princípio muito simples: o mais pesado deve ficar em baixo e mais próximo às
costas. O mais leve na parte de cima da mochila e mais longe das costas. Nunca
deixe a mochila pender para um lado. O peso dentro dela deve ser bem distribuído
para que a mochila possa ficar sempre na vertical.
Bolsos e
Bolsas
Utilize os bolsos laterais da mochila para
guardar os utensílios de uso mais freqüente e de pouco volume. O bolso superior
é um bom lugar para o guia, credencial, documentos, etc. Pode-se utilizar também
uma bolsa de cintura (as "pochettes") para guardar o passaporte, a passagem
aérea de volta, o cartão de crédito e o dinheiro. Um colete cheio de bolsos,
como o de pescadores, é também uma opção útil e confortável.
O Cantil
Outro item importante que o
tradicionalmente o peregrino carrega, desde a Idade Média, é a água. Um cantil é
indispensável, e de preferência de plástico. Existem cantis de alumínio, mas
além de serem mais caros deixam um gosto horrível na água. O de plástico é mais
leve e a água não adquire gostos estranhos. Um cantil com capacidade para um
litro é o mais aconselhável, pois poderemos repor a água durante o Caminho sem
carregar um peso excessivo. Lembre-se que cada litro de água pesa 1 kg. Um
modelo bastante usado é um de plástico verde-oliva, com tampa de rosca, fácil de
ser encontrado nas lojas de equipamento. Pode-se optar também por um modelo
denominado como "dromedário", feito de plástico ou couro mole, parecido com
aquelas antigas bolsas d’água. A vantagem deste modelo é moldar-se à carga da
mochila, principalmente quando não está totalmente cheio.
Tanto o cantil como a máquina fotográfica devem ter uma alça de
tira larga, que não machuque o pescoço ou os ombros. Uma alça estreita ou um
cordão, mesmo sustentando um peso pequeno, após algumas horas transforma-se em
tortura, e pode causar feridas.
O "Sleeping"
O saco de dormir, ou sleeping-bag é
indispensável. Em muitos refúgios não há roupa de cama, e em alguns deles nem
mesmo há a cama. Da mesma forma que a bota e a mochila, compre também o
sleeping em lojas especializadas. Leve em consideração além da qualidade,
o peso e a temperatura que suporta, e não pense muito no preço, pois vai ser
caro. A economia feita com um mau sleeping não valerá a pena. O saco de
dormir ideal para o Caminho deve pesar no máximo 1 kg, ocupar pouco volume na
mochila, e deve deixar você aquecido até temperaturas externas de 5 graus
negativos. Durante a viagem, sempre que possível, deixe-o secar durante o dia.
Estenda-o ao sol para que a umidade evapore e as fibras relaxem um pouco. Com
esses cuidados a durabilidade do equipamento será bem maior.
Não leve barraca. Elas pesam muito e com certeza são inúteis no
Caminho de Santiago. Os refúgios de peregrinos estão dispostos por toda a rota
de maneira que nunca precisaremos dormir ao relento. Caso não seja possível
chegar até o próximo refúgio, o que é muito raro para quem antes se certifica da
existência deles, o melhor é procurar uma pensão ou hotel. Como última hipótese,
dormir sob um lindo e aconchegante pórtico de igreja será uma experiência
inesquecível.
O Canivete
Evite o ridículo e deixe as facas e facões
em casa. O peregrino não precisa mais do que um canivete, com uma lâmina que
possa ser travada depois de aberta. Cuidado com aqueles canivetes com dezenas de
utilidades, eles pesam muito. Os benefícios das utilidades são menores do que o
incômodo de carregá-los. Bússolas são também desnecessárias, pois o trajeto é
bem sinalizado, e o Caminho não avança em linha reta, de modo que há trechos em
todas as direções, e guiar-se pela bússola, com certeza, poderia até
atrapalhar.
A Lanterna
Uma lanterna de bolso será útil. Quando a
luz de seu quarto for apagada por algum peregrino, não é aconselhável acendê-la
novamente. Quem a apagou deve estar cansado e o descanso é sagrado no Caminho.
Ao retornar de um passeio noturno, aquela lanterna com pilhas "palito" pode
representar o único meio de você encontrar novamente a sua cama.
Outros
Itens
Use o bom senso. Leve o estritamente
necessário e nada mais. Lembre-se de que você terá que carregar todo o seu
equipamento durante muitos quilômetros e a experiência nos ensina que a
sobrecarga na mochila acabará minando suas energias e prejudicando seu corpo. Os
postos dos correios, por todo o Caminho de Santiago, são as maiores testemunhas
do número de pacotes que os peregrinos enviam para suas casas para aliviarem o
excesso de peso. Caso você acabe levando algo a mais, não deixe que um peso sem
utilidade comprometa seu Caminho. Muitas coisas "essenciais" passarão a ser
"supérfluas" após você ter que carregá-las por alguns dias. Envie de volta para
casa tudo aquilo que você não precisar. Distribua ou troque o desnecessário pelo
essencial. Nada que é indispensável tem peso excessivo, porém tudo o que é
supérfluo sempre pesa demais. Se esta é uma das lições mais belas do Caminho e
também uma das mais duras.
Apresentamos aqui uma lista com exemplos de tudo o que pode ser
levado, ou seja, o aconselhável para que você realize o Caminho na melhor época,
sem que lhe falte nada, e com a menor probabilidade de enfrentar problemas
físicos por excesso de carga. Vale ressaltar que o equipamento relacionado é o
máximo, podendo ser reduzido, na medida do possível, com prudência.
O ideal seria que carregássemos o equivalente a cerca de dez
por cento de nosso próprio peso, limite que às vezes pode ser difícil de
cumprir. Assim, como peso máximo, recomendamos 6 a 7 kg para mulheres e 7 a 9 kg
para os homens. Não se esqueça: antes de embarcar, pese sua mochila e verifique
se ela não passou do peso recomendado. Caso sua mochila supere esta marca,
elimine o possível e talvez até o impossível. Acredite nestas palavras e não
carregue um peso excessivo.
Além dos itens já explicados acima, e recapitulando alguns
deles, recomenda-se levar:
Roupas
BOTA DE TREKKING, apenas uma. MEIAS GROSSAS,
quatro pares. Usar por cima das meias finas. Trocar diariamente. MEIAS FINAS
de algodão, sem costura, quatro pares. Trocar diariamente. ROUPAS DE BAIXO
com elásticos que não apertem demasiadamente. BERMUDAS de tecido cômodo para
caminhada. CAMISETAS DE MANGA CURTA, três. CAMISETA DE MANGA COMPRIDA, uma
(ou duas, se você não for no verão). CALÇA COMPRIDA de moleton ou flanela,
confortável. CALÇA JEANS, se for sua opção, deve ser confortável. Lembre-se
que ela pesa mais e demora para secar. AGASALHO que pese pouco mas mantenha o
corpo quente, principalmente à noite e em locais altos e frios. COLETE de
tecido leve e cheio de bolsos, como o de pescadores, é uma opção útil e
prática. CHAPÉU, BONÉ OU LENÇO para se proteger do sol. O ideal é chapéu de
aba larga. CHINELO, SANDÁLIA OU SAPATO LEVE para usar quando chegar ao
refúgio. SHORTS, ou roupa leve e limpa, para dormir. Lembre-se que os
albergues são mistos. LUVA, CACHECOL, GORRO, se você for em uma época mais
fria do ano. Não vá no inverno.
Material de
Higiene
Toalha de banho pequena e com grande
capacidade de absorção. Escova de dente, Pasta de dente, Fio
dental. Sabonete líquido ou sólido, Sabão para lavar roupa, Saboneteira
plástica pequena. Pente ou escova, Cortador de unha, Filtro
solar. Absorvente para as peregrinas, Papel higiênico. Gilete e creme de
barbear (considere a hipótese de dispensá-los).
Primeiros Socorros
ATADURA de crepe ou algodão (útil também
para remendar a mochila). ESPARADRAPO DE PAPEL (MICROPORE), daqueles que não
arrancam a pele junto ao serem retirados. BAND-AIDS, vários. ANTISSÉPTICO,
Povidine ou similar, frasco pequeno. AGULHA E LINHA de algodão para cuidar
das bolhas. MEDICAMENTOS ÚTEIS como analgésicos, descongestionantes,
anti-alérgicos, anti-diarréicos, colírios, anti-inflamatórios, etc. A lista é
longa e varia conforme a pessoa. Converse com um médico sobre seus usos,
indicações e contra-indicações e doses. MEDICAMENTOS PESSOAIS DE USO
CONSTANTE, lembre-se de levá-los em quantidade suficiente. ÓCULOS DE RESERVA,
se você precisa deles, sempre leve mais um. SEGURO-SAÚDE - Por um valor
relativamente pequeno, o viajante poderá receber atendimento médico completo em
qualquer país do mundo. Consulte seu banco ou seu agente de
viagens.
Equipamentos e
Utensílios
GUIA do peregrino. MOCHILA especial para
longas caminhadas. BOLSA "POCHETTE", para a cintura. CANTIL com capacidade
para 1 litro. SACO DE DORMIR que pese o mínimo possível. ESTEIRA, isolante
térmica para proteção contra o frio e umidade se você dormir diretamente no
solo. CAPA DE CHUVA, levada em local acessível, que não o faça desmontar toda
a mochila para encontrá-la. ISQUEIRO OU FÓSFOROS podem eventualmente ser
úteis. CANIVETE com trava para prevenir acidentes. LANTERNA pequena, muito
pequena mesmo. AGULHA E LINHA para pequenas costuras de emergência. SACOS
PLÁSTICOS, para proteção da carga contra chuva, e para separar lixo ou roupa
suja. PREGADORES DE ROUPA, dois ou três, para deixar alguma peça de roupa
secando, até na própria mochila enquanto você anda. ÓCULOS ESCUROS, opcional
mas aconselhável, pois você estará caminhando na direção do pôr-do-sol o que
dificulta bastante a visão principalmente no fim da tarde. CANETA E CADERNO,
pequeno, pautado, para diário e anotações. MÁQUINA FOTOGRÁFICA. Tenha sempre
filme e pilha de reserva. CONCHA DE PEREGRINO, conhecida na Espanha como
vieira, é o símbolo que identifica os peregrinos. CAJADO, de madeira leve e
firme, de comprimento correto para sua altura. COMIDA, tenha sempre algum
alimento na mochila, para eventuais emergências.
A Época do
Ano
É uma tarefa impossível prever o clima que
o peregrino vai enfrentar. Não só o tempo de viagem é muito longo, como o
território a ser percorrido é muito extenso. Há montanhas nevadas e planícies
ensolaradas, florestas e descampados, e provavelmente haverá dias quentes e dias
frios em qualquer época do ano. E pode estar certo que, a não ser que você tenha
muita sorte, haverá um ou mais dias de chuva durante sua caminhada. Entretanto é
bom que se saiba que não é recomendado fazer a viagem durante o inverno, pois o
frio pode ser intenso, e pode haver menos recursos disponíveis, e alguns
albergues poderão estar fechados. O verão pode ser muito quente, difícil de
suportar principalmente nos longos trechos sem árvores e sem sombras na
província de León. No entanto é a época mais procurada pelos peregrinos. Pois
tradicionalmente muitos procuram chegar em Compostela próximo ao dia 25 de
Julho, dia de São Tiago.
O caminho é, portanto, mais freqüentado durante o verão, e o
peregrino nesta época tem mais oportunidade de encontrar pessoas de todos os
tipos, compartilhando sua aventura. A desvantagem é que os albergues podem estar
lotados, e nem sempre é fácil encontrar acomodação ou privacidade nos locais de
repouso. Durante a primavera ou o outono, o Caminho é mais deserto. A
desvantagem é que os contatos com outros andarilhos são menos intensos. Porém os
albergues estão mais livres, a hospitalidade menos diluída, e os momentos de paz
são mais freqüentes. Conversando com quem já fez o Caminho, você descobrirá que
todos acham que a época do ano em que ele foi, é ,sem dúvida, a
melhor.
Os Cães
Os cães são um dos muitos mitos do Caminho.
Muita coisa se ouve sobre o perigo que eles representam para o pobre peregrino.
Naturalmente há cães na Espanha. Seria impossível, em qualquer lugar do mundo,
caminhar trinta dias sem cruzar com cães grandes e pequenos, amigáveis e
mal-humorados. Há, é verdade, histórias de peregrinos atacados por cães, e que
precisaram correr ou defender-se com seu cajado. Porém estes episódios são
bastante raros, e mais raros ainda são os casos em que o viajante foi realmente
mordido por algum cão feroz. Em resumo, não dê ouvidos a sensacionalismos, não
transforme seu medo em obsessão, mas fique atento e tome cuidado.
A Compostella
Ao final do Caminho, poderá o peregrino
solicitar sua Compostella , isto é, seu certificado ou "diploma", na
Oficina de Peregrinos da Catedral de Santiago. Trata-se de um documento
em latim oferecido àqueles que percorreram o Caminho por motivos espirituais.
Para que você possa obtê-lo é necessária a apresentação da Credencial com todos
os carimbos, comprovando a peregrinação tradicional e a realização do Caminho
"devotionis affectu", isto é, por sentimento de fé.
Importante: para se obter a Compostella, é necessário
ter percorrido a pé pelo menos os últimos cem quilômetros antes da Catedral, ou
de bicicleta os últimos duzentos quilômetros.
Os Albergues
Em todo o Caminho de Santiago os albergues
são conhecidos também por refúgios. Iremos encontrar refúgios dos mais variados
estilos, porém, todos eles mantêm a austeridade que faz parte do espírito
peregrino. Poucos são particulares e pagos. A maioria deles são paroquiais ou
municipais e não contam com nenhum tipo de subvenção, sendo mantidos pela
contribuição voluntária dos peregrinos ou das "Associações de Amigos do Caminho"
de todo o mundo. Embora a maioria dos refúgios seja mantida para a utilização
gratuita e exclusiva dos peregrinos que portam a Credencial, há uma série de
gastos com limpeza, eletricidade, manutenção, etc., que para serem enfrentados
necessitam de pequenas contribuições. De acordo com nossas possibilidades,
devemos auxiliar na manutenção dos refúgios, pensando que assim estaremos
favorecendo a todos aqueles que virão depois de nós.
Consta nos guias a relação dos povoados onde existem refúgios.
Esta relação é variável de acordo com a época do ano de maior afluência de
peregrinos. Antes de partir para uma nova etapa, verifique quais os próximos
refúgios que se encontram abertos. A prudência sempre evita contratempos e
aborrecimentos.
Nos refúgios não existem reservas e as camas devem ser ocupadas
por ordem de chegada. Lembre-se que a prioridade do alojamento é dada aos
peregrinos tradicionais que caminham a pé com a mochila nas costas. Os
peregrinos que percorrem o Caminho de bicicleta também têm direito aos
albergues, desde que haja vagas não ocupadas pelos andarilhos. Em terceiro lugar
vêm os peregrinos que por algum motivo utilizam-se de "carro de apoio", isto é,
mandam suas mochilas de carro e caminham sem elas. Estes, às vezes, caminhando
sem carregar absolutamente nada, ao chegarem no refúgio esperam encontrar suas
camas guardadas por suas mochilas que chegaram bem antes com o carro. Isto é um
absurdo que fere o espírito de solidariedade da peregrinação. Não é justo que
uma pessoa muito mais descansada, que não sente nos ombros o peso de suas
necessidades materiais, ocupe a cama de um peregrino que superou com muito
esforço os obstáculos do Caminho. Albergues com poucos leitos ficam logo
ocupados e certamente é mais difícil, para quem está a pé, percorrer mais um
trecho para encontrar lugar para dormir. É aconselhável que os que andam sem
mochila, e os ciclistas procurem pernoitar em determinados albergues que possuam
maior capacidade de acolhida, ou que procurem hospedarias ou hotéis
particulares.
O espírito de solidariedade que envolve os peregrinos não deve
jamais ser esquecido, mesmo nas pequenas coisas. Evite fumar dentro dos
albergues, pois nem todos que ali estão são fumantes, e devem ser respeitados.
Ao usar os banheiros, deixe tudo o mais limpo possível, como você gostaria de
encontrar ao chegar de uma longa jornada. Se há algum peregrino dormindo, não
acenda a luz e não faça barulho. Lembre-se que os momentos de repouso são
sagrados durante a viagem.
Faz parte deste espírito manter limpo o próprio Caminho e a
Natureza que o rodeia. Nunca, mas nunca mesmo, jogue lixo pelas trilhas. Isto
inclui pedaços de papel, embalagens de comida, latas, garrafas, e tudo o mais
que você possa imaginar. Cuidado especial com o fogo: em vários trechos do
Caminho existem campos e plantações de trigo onde um simples cigarro ou uma
fogueira mal apagada podem causar enormes catástrofes.
O Espírito do
Caminho
Há muita desinformação sobre o Caminho,
sobre o que ele realmente é, o que ele representa, a quem ele está disponível e
o que ele tem a oferecer. Dizer em poucas palavras o que é o Caminho, certamente
é uma tarefa impossível. Talvez seja mais fácil dizer o que o Caminho não é.
O Caminho não
é uma viagem esotérica através de lugares mágicos,
repletos de sinais ocultos, que só poderão ser completamente apreendidos por
iniciados de alguma seita mística. Ser peregrino não é um ritual de passagem
desta ou daquela sociedade secreta, reservado a poucos eleitos. Não pense o
peregrino que encontrará anjos ou demônios, fadas ou gnomos, mensagens cifradas
e runas ao longo da caminhada. Encontrará na verdade muito mais do que isso,
pois o Caminho situa-se acima de todas as crenças e sem dúvida o lado místico ou
espiritual de seu coração crescerá muito além de qualquer apelo comercial ou
modismo passageiro.
O Caminho não
é uma simples viagem de turismo que deva ser realizada
pelo estrangeiro desejoso de conhecer os pontos interessantes do norte da
Espanha. Não pense o peregrino que haverá tempo ou energia para fazer
tour pelas cidades e seus arredores, visitas a museus ou outro tipo de
turismo convencional. O peregrino na verdade verá muito mais. Viverá lugares,
pessoas, cenas e experiências que as melhores companhias turísticas do mundo não
podem vender.
O Caminho não
é um exercício físico puro e simples, um mero treino de
trekking ou jogging por atalhos rústicos, destinado apenas a jovens esportistas
e musculosos atletas. Não pense o peregrino que haverá tempo ou energia sobrando
para sua ginástica matinal. Nem tente correr para terminar a viagem em tempo
recorde. Quem tem este objetivo não aproveitará o que há de mais belo na
caminhada. O verdadeiro peregrino andará lado a lado com pessoas que
compartilham as mesmas dores e os mesmos encantos. Trocará idéias e emoções com
todos, fracos e idosos, sem qualquer espírito de competição, sem qualquer
sensação de superioridade.
O Caminho não
é uma peregrinação religiosa destinada apenas aos que
viajam para cumprir promessas, para obter o perdão de seus pecados, para
demonstrar sua fé nos milagres do apóstolo Tiago, ou por julgar a caminhada um
dever de sacrifício religioso para ganhar um lugar no céu. O Caminho na verdade
está aberto a todos, cristãos ou não, aos crentes e aos agnósticos, aos que
sabem e aos que não sabem porque caminham. Pois todos estarão dormindo e comendo
juntos, em igrejas e em mosteiros de um Deus que está acima de qualquer
religião, de um Deus que crê em todos os homens, sejam fiéis ou sejam ateus,
quer creiam nele, quer não.
O Caminho é um universo em si mesmo. Suas facetas
religiosas, místicas, turísticas e físicas são apenas algumas dentre infinitas
outras, talvez ainda mais amplas e mais belas. Claro que cada peregrino, de
acordo com seu estado de espírito, volta seu olhos mais para um ou outro aspecto
do Caminho. Porém ele deve ter sempre em mente que nenhuma faceta é a única, e
que aquela que ele vê e sente não é necessariamente a mais importante para os
que o precederam ou talvez não seja a mais bela para os que o seguirão.
Lembre-se o peregrino de que nada deve pedir ao Caminho, e que nada deve
esperar. Mas saiba também que dele receberá muito mais do que algum dia já
sonhou. Você pode estar certo que voltará de Santiago maior do que foi. E pode
estar certo que o Caminho também será maior por você ter ido. E que a partir de
então, você será, pelo resto de sua vida, um eterno Peregrino.
Boa sorte!
Talvez ser poeta e ser peregrino não sejam mais que duas faces
de uma mesma moeda.
Nosso texto iniciou-se com um poema, e com outro poema irá se
encerrar. Este, no entanto, é moderno, escrito no século XX por um
poeta-peregrino em um muro nos arredores de Nájera, na província de La Rioja,
para que todos o leiam: |