- Sonia
Hirsch, você agora é contra a soja?
Nunca fui a favor, a não ser nas formas
fermentadas: misso, shoyu, tempê, natô. Já no meu primeiro livro, Prato
feito, que é de 1983, aviso que a soja não deve ser consumida como
feijão.
- Mas seus livros dão muitas receitas de tofu.
Tofu é bom de vez em quando, porque parte da
acidez da soja sai no soro. O tofu é feito de leite de soja talhado.
Funciona muito bem para substituir o queijo quando a gente está querendo
parar de comer laticínios, mas não dá para abusar. O mundinho natural e
macrô adora, mas eu mesma como pouco, porque minha pele não gosta.
- E a carne de soja? Você dá uma receita de
picadinho de carne de soja no Prato feito.
Essa receita foi uma exceção, é a única que
você encontra em todo o meu trabalho. Está lá como uma homenagem ao
Bira, cozinheiro macrô que morou muito tempo no Rio e ficou famoso pelo
picadinho. Eu mesma já não gostava de carne de soja na época, início dos
anos 80; achava aquele negócio muito esquisito. Mas o Bira fez o
picadinho num evento do Circo Voador na Quinta da Boa Vista, a galera
gostou e eu pensei: vou botar a receita, afinal ele merece... Depois fiz
a autocrítica no próprio livro, a partir da décima edição. Demorou...
- Mas afinal, por que você está revoltada com a
soja?
Estou revoltada com o uso que estão fazendo
dela. Porque o consumo liberal de soja é muito prejudicial à saúde,
tanto em forma de comida e bebida quanto em fórmulas farmacêuticas para
suplementação hormonal.
- Prejudicial, como assim? A soja não é o
tesouro da Ásia?
O cultivo da soja na Ásia é muito antigo,
tanto que ela é um dos cinco grãos sagrados dos chineses, junto com
arroz, trigo, cevada e painço; mas não para fins alimentares. Seu dom é
agrícola. Por ser muito rica em proteínas, a soja, que é uma leguminosa
como todos os feijões, é também muito rica em nitrogênio, elemento
essencial para a fertilidade do solo. Plantar a soja entre as outras
culturas e cortá-la quando as favas de feijão se formam, deixando-a
apodrecer no solo, traz o maior benefício para a lavoura. Sem ela a
terra se esgotaria. Como alimento, porém, ela tem inúmeros
inconvenientes. Como todos os feijões, mas muito mais acentuados.
- Os feijões são inconvenientes?
Hipócrates já dizia que os feijões são tão
ricos em nutrientes que poderíamos viver só deles - se não fossem tão
tóxicos. Por isso, recomendava comer os feijões em pequena quantidade e
sempre acompanhados por algum cereal, para equilibrá-los. A uma pessoa
doente, Hipócrates proibia os feijões. O dr. Barcellos, médico, em sua
dieta contra o câncer e todas as alergias, proíbe os feijões todos.
Inclusive o amendoim e os feijões verdes, como a vagem, a ervilha
fresca, o petit-pois. Aponta como problema a qualidade extremamente
ácida e tóxica das proteínas dos feijões. E realmente, se você pára de
comer feijão as indisposições melhoram. Feijão é coisa para gente
saudável!
- Mas e a soja?
Então, a soja é o mais proteico de todos os
feijões, por isso o mais tóxico. Hoje existem muitos estudos
esclarecendo vários pontos. Um: a soja contém altos níveis de ácido
fítico, ou fitatos, que reduzem a assimilação de cálcio, magnésio,
cobre, ferro e zinco em adultos e crianças, prejudicando a saúde e o
crescimento. E os métodos convencionais, como deixar de molho, germinar
os grãos ou cozinhar longamente em fogo baixo, não neutralizam o ácido
fítico da soja; somente a fermentação tem esse poder. Dois: a soja
contém inibidores de tripsina que interferem na digestão das proteínas e
podem causar distúrbios pancreáticos e retardo no crescimento. Três:
desde 1953 é conhecido o impacto negativo das isoflavonas sobre a saúde
humana. A esse respeito, você encontra uma lista de 150 estudos
científicos que não podem ser ignorados em
www.westonaprice.org/soy/dangersisoflavones.html#studies .
- Mas as isoflavonas não são fitoestrógenos,
bons para reposição hormonal?
Os fitoestrógenos da soja atrapalham as
funções endócrinas, têm o potencial de causar infertilidade e de
promover câncer de seio em mulheres adultas. São poderosos agentes
inibidores da tiróide, causando hipotiroidismo e podendo provocar câncer
de tiróide.
- Nesse caso, as mulheres japonesas, que
consomem tanta soja, não deveriam estar mal de saúde?
Pra começar, elas não consomem tanta soja;
vivem muito mais de arroz, algas marinhas, vegetais, peixes e frutos do
mar. Da soja usam basicamente misso, que é a massa fermentada e salgada
de soja; shoyu ou tamari, que são molhos fermentados de soja; e nattô,
que é o próprio feijão de soja fermentado, com gosto e sabor
fortíssimos. Aqui, ao contrário, as pessoas estão usando qualquer coisa
de soja achando que é bom - leite de soja, tofu, proteína de soja,
extratos de soja. Uma japonesa obtém da soja uma média de 10 mg de
isoflavonas por dia. As brasileiras estão ingerindo por dia 150 mg de
isoflavonas (genisteína, genistina, daidzaína) em cápsulas, ou seja, dez
vezes mais do que a média das japoneses consome.
- Mas elas têm menos câncer de seios e ovários.
Sim, mas é porque a alimentação delas, como um
todo, é menos rica em estrogênio e seus análogos do que a dieta
ocidental, abundante demais em leite, laticínios, carne vermelha, frango
e ovos, todos conectadíssimos ao surgimento de doenças crônicas e
degenerativas.
- E os milhões de crianças que se alimentam de
leite de soja, correm algum risco?
Vários. Um deles é o desenvolvimento de
distúrbios na tiróide. Não sei se você notou que há uma epidemia de
problemas na tiróide hoje em dia. De onde vem isso? Do stress, mas
também da alimentação. Um estudo mostra que bastam 30 g de tofu por dia,
durante um mês, para causar problemas na tiróide.
- Um ponto positivo parece ser a presença de uma
forma de vitamina B12 na soja...
A vitamina B12 só existe nos organismos
animais. A gente produz B12 dentro do corpo. Nos vegetais você a
encontra em uma ou outra microalga, ou então em forma análoga. Acontece
que os análogos da vitamina B12 que a soja contém não são absorvidos e
ainda aumentam a necessidade de B12 no organismo. Pior: comidas à base
de soja aumentam também a necessidade de vitamina D.
- E a proteína da soja, serve para alguma coisa?
Não entendo por que alguém vai querer uma
proteína tão desnaturada, já que é processada em alta temperatura até
virar proteína isolada de soja, proteína vegetal texturizada. O
processamento da proteína de soja resulta na formação da tóxica
lisinoalanina e das altamente carcinogênicas nitrosaminas. Fora um
conteúdo extra de alumínio em grande quantidade - e o alumínio é tóxico
para o sistema nervoso, para os rins, para a medula óssea...
- Você tem mais algum horror pra contar sobre a
soja?
Só mais um: o ácido glutâmico livre, MSG, GMS,
glutamato monossódico ou simplesmente glutamato de sódio, é uma
poderosa neurotoxina formada naturalmente durante o processamento da
soja. Estimula a tal ponto nossos receptores de sabor no cérebro que
pode matar neurônios. São documentados os casos de morte súbita por
excitotoxinas, outro apelido dessas neurotoxinas, entre as quais se
inclui o aspartame. Ainda assim, esse derivado da soja está espalhado
por inúmeros produtos industrializados (bem como o aspartame). E nos
próprios alimentos à base de soja, mais glutamato é adicionado para
realçar o sabor sem que seja preciso avisar no rótulo, já que se trata
de um derivado "natural" da soja, então a lei dispensa.
- Como se pode evitar o consumo de glutamato?
Lendo os rótulos, evitando produtos
industrializados, preferindo comer o que está ainda na sua forma
natural. E, num restaurante japonês, pedindo missoshiro sem ajinomoto,
que é o próprio glutamato. Eles tentam recusar, porque a sopa de misso
já está pronta, mas você repete com firmeza e eles preparam outra na
hora. Não existe nada mais fácil, saudável e nutritivo do que uma
missoshiro: o lado maravilhoso da soja.
Sonia Hirsch*
* pesquisadora,
jornalista e escritora especializada em promoção da saúde
|
|