Nona Etapa: ESTIVA (MG) a PARAISÓPOLIS (MG) – 44 quilômetros

Saí às 5 h, caminhando por ruas parcamente iluminadas, num abrupto descenso, em direção à saída da cidade. 

Embora fosse um horário inóspito, alguns trabalhadores rurais já aguardavam, devidamente paramentados, a condução que os levaria até seu local de labor.

Logo à frente, por sobre uma passarela, atravessei a Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo/SP à Belo Horizonte/MG. 

Já do outro lado, segui por uma estrada larga de terra batida, muito bem sinalizada. 

Providencialmente, uma lua brilhante, na fase cheia, iluminava os campos ao meu redor, auxiliando-me, sobremodo, a encontrar, quando necessário, as flechas indicativas.

Paraisópolis no horizonte

O Caminho seguiu plano e agradável, com leves oscilações de altitude, e, às 7 h, ultrapassava o Bairro Boa Vista, distrito de Estiva, sob o som de rotineira sinfonia diária: o cantar intermitente dos galos, intercalado com o mugido rouco dos bovinos.

Na pracinha da povoação virei à esquerda e iniciei breve descida. Ao final desta, após transpor um riacho, a estrada fragmentou-se em duas, deixando-me confuso quanto ao rumo a seguir, face à inexistência de sinalização.

Enquanto tentava localizar alguma flecha, pressuroso, um senhor apareceu, saindo de uma casa próxima, e indicou-me por onde eu deveria avançar. 

Segui pela esquerda, contrariando meus prognósticos a respeito da direção correta.

Prossegui, então, em leve ascensão, por um bom tempo, até que às 7 h chegava aos pés da famigerada Serra do Caçador.

Foram 40 minutos de ascensão por uma estrada íngreme e tortuosa, porém, a vista que se descortinou no cimo do morro, compensou minha obstinação. 

Além de enxergar Estiva ao longe, pude visualizar, também, inúmeros outros acidentes geográficos, e mais 3 cidades no horizonte, uma delas, Extrema (MG).

Mais à frente, um sitiante ao lado de uma porteira, aguardava-me transpor o local, para tanger seu gado, já ordenhado, pela estrada em que eu passava. Trocamos algumas palavras e alertou-me que a previsão do tempo para aquele dia, era de tempo chuvoso à tarde.

Dei-me conta, então, de que o sol havia desaparecido, o céu estava nublado, e um vento frio soprava do sul, carregado de maus presságios.

Estava eu no bairro Caçador, um local de clima ameno, vegetação densa e luxuriante, com paisagens de belezas indescritíveis. Caminhei aproximadamente 5 quilômetros pelo topo da serra, sempre em meio a grandes fazendas de gado leiteiro, extensas plantações de morango, e alguns cafezais.

Nesse trajeto, visualizei incontáveis pés de araucárias, também chamada de pinheiro-brasileiro. São enormes e majestosas árvores que proliferam com facilidade em regiões onde preponderam temperaturas amenas.

Depois de ultrapassar um bosquejo, por volta das 8 h, iniciei desabalado descenso. Numa das curvas, em vertiginosa descida, avistei a cidade de Consolação, mas ainda me restava 5 quilômetros para lá aportar. Já, no planalto, em uma bifurcação, encontrei uma placa indicando a cidade de Cambuí à direita.

Fleti, então, à esquerda, e logo abaixo, por larga e movimentada estrada de terra, passava defronte a Fábrica Artesanal de Polvilho, uma grande e esparramada construção, pintada em azul e branco. Algum tempo depois, alcançava a área urbana.

Consolação fica no sul de Minas, possui 1.700 habitantes, área de 91 km2, está a 1.100 m de altitude, tem o terceiro melhor clima da América do Sul, índice 0 (zero) de poluição do ar, e sua economia é baseada na agropecuária.

De seu solo extrai-se água mineral magnesiana, além disso, detém inúmeras belezas naturais, como cachoeiras, matas, rica fauna e flora variada. Também há que se ressaltar, o artesanato local, a cozinha típica da região, e seu povo simples e hospitaleiro.

Às 10 h, adentrei à Pousada Capivari e fui muito bem recebido pela Vanessa, a pessoa encarregada de administrar o estabelecimento, já que a proprietária, Sra. Sueli encontrava-se trabalhando na Prefeitura local.

Ali, tive minha credencial carimbada, tomei café, e descansei um pouco. Depois, desci em direção ao centro da pequena e simpática povoação. Antes de partir, ainda parei num bar para adquirir água e isotônico.

A saída para Paraisópolis se dá, em agudo descenso, por uma larga e movimentada estrada de terra, pois ela é a principal via de ligação entre as duas cidades. Após uns 4 quilômetros sob intensa poeira, finalmente, entrei à direita, e segui, então, por uma estradinha deserta, em meio a grandes árvores.

Logo à frente as flechas me direcionaram para um pasto à esquerda, em seguida, atravessei um encorpado riacho. Uma placa ali colocada informava que ao transpor a pinguela existente no local, eu deixava o município de Consolação, para adentrar no de Paraisópolis.

Seguindo a sinalização, deixei o pasto, para cair em outra via vicinal. Ali, obedeci às indicações, por isso fleti à esquerda e segui por uma estrada de terra. Pouco depois, ultrapassava o bairro dos Jacintos, a partir do qual iniciei breve, mas contínua ascensão.

Depois de uma hora, sempre subindo, cheguei ao bairro de Pedra Branca, um local maravilhoso cercado por imensos morros verdes. A igrejinha nova, recém pintada, atestava o capricho e a religiosidade do povo do lugar.

Então, virei à esquerda, e segui quase uma hora caminhando por uma estrada larga e plana, em meio a imensos morros verdejantes, onde pontificam fazendas de gado leiteiro.

Às 13 h adentrei numa via vicinal à direita, e depois de ultrapassar uma porteira, continuei por uma senda pedregosa de uns 4 metros de largura, que se alonga entre as cercas que separam enormes pastagens.

Logo à frente, sob uma frondosa árvore avistei uma cobra esticada em sentido transversal à trilha, obstruindo minha passagem. O que fazer? De imediato, senti um arrepio percorrer a espinha.

Embora de cor verde, o réptil poderia ser venenoso, já que distância não me permitia qualificar sua espécie. Correr e tentar pular por cima estava fora de cogitação, pelo peso da mochila que carregava. Tentei enxotá-la com uma pedra. Depois, com outras. Inútil, porque fruto da adrenalina vivida naquele momento, errei o alvo.

Então, depois de uma pequena pausa e reflexão, muni-me de coragem, aproximei-me cuidadosamente, e cutuquei-a com o cajado, de mansinho. Ela, após um momento de tensa expectativa, vagarosamente, rastejou em direção ao pasto.

Eu, refeito do susto, pude prosseguir minha caminhada, trilhando, sempre, em contínua ascensão, tendo como pano de fundo, um enclave montanhoso de extraordinária beleza.

Nesse trecho deserto e descampado, outro fato curioso sucedeu-me, ou seja, por alguns quilômetros, o caminho resume-se a uma vereda estreita, espremida entre pastos, ladeada por cercas. Alguns bois haviam rompido o arame mais acima e desciam pela trilha. Quando me viram retornaram assustados.

Eu prossegui atrás, até que alguns deles, exauridos, deitaram numa curva, permitindo que eu, com toda a cautela, os ultrapassasse. O restante da manada prosseguiu correndo à minha frente. Todavia, minutos mais tarde, o gado que havia ficado para trás, resolveu se juntar novamente aos vanguardeiros.

Fiquei, então, literalmente ensanduichado entre os dois grupos, tendo que correr para não ser “atropelado” pelos que se encontravam à minha retaguarda. Com certeza, foram momentos tensos e de grande fadiga, até que, finalmente, no topo do morro, o rebanho dianteiro adentrou num pasto, por uma porteira caída, e, assim, pude seguir ileso e sem pressa.

Logo à frente, ao atingir o ápice da elevação, consegui visualizar a cidade de Paraisópolis, ao longe. Então, despenquei pela estrada, num declive contínuo e dolorido, passando, no final, ao lado do imponente morro do Machadão (1.691 m).

Uma constante nesse derradeiro trecho são as pequenas propriedades, sempre muito bem cuidadas, algumas com casas e piscinas recém construídas.

Às 15 h, após vencer longa e acidentada colina, adentrei a parte urbana da cidade, iniciando, logo depois, brusco descenso por uma larga e bem cuidada avenida, calçada em paralelepípedos.

Paraíso, como a cidade é chamada, faz jus ao seu nome, pois está situada entre montanhas e rios, onde a natureza é belíssima, com cachoeiras e muito verde. 

Oferece várias opções de passeios, como “rafting”, “bóia-cross”, rapel e vôo livre.

O povoado teve início no ano de 1.820 e sua história tem assento no ciclo do café. É, ainda, uma região cafeeira e conta com fazendas centenárias, onde é possível o turismo rural. Possui atualmente 20.000 habitantes, e está situada numa altitude média de 949 m.

A cidade, a mais bonita que vi em todo o trajeto, pareceu-me um presépio, com todas as casas pintadas recentemente, e em cores vistosas e alegres. O povo é educado e atencioso, isto se percebe ao caminhar pelas ruas, extremamente limpas e sem resquícios de pichações.

Passeei, também, por um calçadão central, local bastante movimentado e aprazível, que serve de ponto de encontro aos estudantes locais e aos aposentados.

Fiquei hospedado na Pousada da Praça, que como seu nome indica, está localizada ao lado da Igreja de São José, o Padroeiro da cidade, a qual foi construída defronte à praça principal da urbe. 

O Estabelecimento, de propriedade da Sra. Aidê, é decorado com extremo esmero e bom gosto, e impressionou-me pela sua plasticidade e limpeza.

O atendimento dispensado pela Aparecida, a gerente do estabelecimento, é de deixar qualquer peregrino com vontade de retornar àquele local, ainda que como turista. 

Para fazer minhas refeições, utilizei o Restaurante Choupana, bastante simples, no entanto, de indiscutível qualidade.

Como a referendar as previsões, à noite o tempo mudou e, além do frio reinante, iniciou-se uma garoa fina e intermitente, que prosseguiu madrugada afora, deixando o clima fresco e ventoso, propício para uma revigorante noite de sono.

AVALIAÇÃO PESSOAL:

Uma etapa bastante longa, com alguns acidentes geográficos importantes, como a escalada da Serra do Caçador. Todavia, de extrema beleza, a começar pela travessia do bairro Caçador. A última parte do trajeto, após o bairro da Pedra Branca, por ser desabitada e solitária, propicia, também, momentos de intensa introspecção pessoal, além de sublime comunhão com a deslumbrante natureza viva que nos rodeia.