4º dia: CAMPOMANES à MIERES DEL CAMINHO

4º dia – CAMPOMANES à MIERES DEL CAMINO – 21 quilômetros

Levantei no horário costumeiro e, alegremente, verifiquei que a infecção que tanto turbava minha vista, havia melhorado consideravelmente, após o tratamento que iniciara.

Por sorte, ao abrir a janela interna, pude observar que a chuva cessara, restando apenas uma incipiente neblina a toldar as ruas citadinas.

Além disso, a boa noite de sono com que fora premiado, amenizara minhas mazelas físicas e eu me sentia integralmente retemperado.

Ademais, o percurso daquele dia discorreria por um terreno praticamente plano e, em termos quantitativos, de menor extensão que o anterior, qual seja, seria uma etapa de transição.

Tudo isto concorria para meu bom humor.

No entanto, como era um domingo, dia em que o comércio cerra suas portas mais cedo, resolvi me apressar, assim, às 6 h 30 min, eu deixei o local de pernoite e, animado, iniciei minha jornada.

Primeiramente, eu transpus a rodovia nacional e segui em frente, até atravessar uma ponte.

Na sequência, eu girei à esquerda, desci pequena escadaria e prossegui por um caminho cimentado, situado entre duas estilizadas cercas de madeira, tendo o belíssimo rio Pajares correndo à minha esquerda.

O trajeto fresco, plano e silencioso, me levou, depois de três quilômetros, a acessar uma estrada empedrada, à direita.

Após vencer uma íngreme, todavia, curta ladeira, eu passei defronte à decantada igreja de Santa Cristina.

Isolada no topo de uma colina de enquadramento absolutamente cenográfico, e com um vale verdejante aos seus pés, a pequena capela sobrepõe o seu rigor geométrico aos altos picos asturianos que, envoltos em nevoeiro, compõem o seu plano de fundo.

As origens dessa ermida remontam ao século VII, ainda que o templo que avistei tenha sido construído no ano 951, em estilo pré-romântico.

Declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, o monumento foi construído em estilo “ramirense”, cuja característica principal é sua iconoclastia: alguns arcos triplos, apoiados sobre colunas de mármore, que separam a capela-mor da área reservada aos fiéis.

Infelizmente, em face do horário extemporâneo, a graciosa capelinha se encontrava fechada, assim só me restou admirar e fotografar suas formas clássicas pelo lado externo.

Na sequência, acessei uma estrada asfaltada em brusco descenso e logo passava ao lado da estação de trem La Cobertoria.

Mais adiante, eu transpus a linha férrea por um túnel, ultrapassei a rodovia e o rio Pajares por uma ponte, venci uma grande rotatória e, em seguida, passei a caminhar em trecho urbano, já na cidade de Pola de Lena.

É uma povoação bem cuidada, cuja fundação ocorreu em 1266, pelo rei Alfonso X, “El Sábio”, tinha uma conotação estratégica, pois situava-se num local de passagem, para quem ia de Oviedo à León.

Atualmente, com 9 mil habitantes, a urbe conserva um claro caráter de núcleo residencial, graças à rede de transportes com que é privilegiada.

Ela se encontra “esparramada” ao lado da rodovia nacional e eu precisei transpô-la integralmente e, em seu final, junto à estação ferroviária, eu acessei a antiga “carretera” regional As-214, e por ela prossegui.

Na sequência, passei pelos minúsculos povoados de La Barraca e Villayana, onde não vi nenhum tipo de comércio, embora o horário não fosse favorável para se encontrar algum bar em funcionamento.

A estradinha, de traçado antigo, discorre espremida entre as montanhas e construções situadas à beira do rio Pajares, e como não possui acostamento, oferece sérios riscos aos caminhantes, pois o tráfego nesse trecho é bastante intenso.

O clima se mantinha frio e o dia permaneceu nublado e sem sol, o que me propiciou uma caminhada agradável e tranquila.

Depois de 4 quilômetros nessa toada, já na entrada do povoado de Ujo, as flechas me direcionaram para um caminho exclusivo de pedestres, situado à beira do mavioso rio Caudal, que é formado uma centena de metros antes, pela confluência dos rios Aller e Lena.

Logo alcancei um alegre senhor com quem troquei cumprimentos, depois seguimos conversando calmamente sobre política, ideologia religiosa, futebol, enfim, foi um papo descontraído e extremamente agradável.

 

Numa das pontes que transpõem o curso d’água, ele atravessou para o lado oposto do rio e seguiu em direção à sua residência, não sem antes nos despedirmos, efusivamente.

Conforme ele me contou durante o percurso, aquele belíssimo e plano “andadero” por onde transitávamos, havia se convertido em outras das chamadas “rotas do colesterol”, como lá são conhecidas, e que se tornaram moda em quase todas as povoações espanholas.

Por sinal, naquele dia havia inúmeros caminhantes naquele roteiro, mas notei que algumas pessoas eram um tanto inibidas ou acanhadas, pois não respondiam à minha saudação de “buenos dias”, sendo que algumas, inclusive, baixavam a cabeça ao cruzar comigo.

Uns dois quilômetros antes de aportar ao meu destino, passei a caminhar com outro senhor que seguia na mesma direção e que se mostrou bastante receptivo, quando soube que eu era peregrino.

Ao saber o lugar de minha hospedagem, contou-me que residia próximo do local e que me conduziria até meu destino, pois ele passava diariamente por ali quando retornava para casa.

Assim, acessei à Mieres del Caminho cruzando o rio pela famosa “Ponte de la Perra”, porque, segundo meu interlocutor, ela era a mais antiga que servia o município e nos velhos tempos era necessário pagar uma taxa para utilizá-la.

Guiado pelo meu circunstancial acompanhante, adentrei à cidade e, por belas ruas, planas e limpíssimas, nos dirigimos ao centro do município.

Próximo da praça que dá acesso ao mercado municipal, onde, por sinal, realizava uma concorrida feira dominical, ele me mostrou o Hostal Pachin, local de meu pernoite naquele dia.

Antes de para lá me dirigir, no entanto, me despedi dele, augurando-lhe sinceros agradecimentos por sua amabilidade, simpatia e desvelo para com minha pessoa.

Mieres é uma cidade belíssima, distante 20 quilômetros de sua capital Oviedo, e é a quinta povoação do Principado das Astúrias em termos populacionais, com 45 mil habitantes.

E está localizada em um vale ladeado por montanhas, ao longo das margens do rio Caudal e da Route 66, bem no centro da Província Asturiana.

         Essa importante urbe possui uma miscelânea de pequenos museus, centros culturais, galerias de arte e inúmeros restaurantes, bares, boutiques e lojas.

Porém, no momento se encontra em franca decadência, pelo fechamento da mineradora, o que obrigou a muitos de seus trabalhadores a migrar para outras localidades, mormente à Gijón, em busca de lavor.

Eu utilizei o próprio restaurante do hostal, onde me hospedara, para almoçar, depois mergulhei numa reparadora “siesta”.

Mais tarde, bem disposto, fui visitar a igreja de São João, o padroeiro dessa povoação.

Na sequência, segui as flechas amarelas por um bom tempo, com a finalidade de facilitar meu deslocamento pela urbe na manhã seguinte.

Ao retornar, passei novamente pela Praça de “San Juan Mieres”, também conhecida como Praça “del Requejo”, onde existem várias sidrerias, estabelecimentos que comercializam sidra, a bebida típica asturiana.

         Foi um importante centro de mineração de carvão a partir do século XIX, e até 1970 também acolheu uma grande indústria siderúrgica.

  O local estava bastante movimentado por ser um domingo à tarde, e pude ali fotografar uma obra do escultor Manuel Félix Magdalena, feita em homenagem aos fabricantes dessa enjoativa infusão.

  À noite, optei por tomar uma leve sopa num bar próximo ao local de meu pernoite, e logo fui dormir, pois o clima persistia frio e úmido, bem como porque no dia seguinte, para variar, necessitaria transpor algumas elevações.

  E, também, desejava aportar o mais cedo possível à Oviedo, a tempo de providenciar uma consulta médica com um oftalmologista, pois minha infecção ocular persistia renitente. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada tranquila, praticamente toda plana, sempre em meio a muito verde e belas paisagens. Todavia, vencida em toda sua extensão sobre piso asfáltico, o que magoa sensivelmente os pés daqueles que se utilizam de botas para caminhar, como no meu caso.