6º dia - ENTRE RIOS DE MINAS à CASA GRANDE – 32 quilômetros

6º dia - ENTRE RIOS DE MINAS à CASA GRANDE – 32 quilômetros

O trajeto seria de razoável amplitude, dessa maneira, na noite anterior combinei com os proprietários da pousada, Sr. Eduardo e Dona Maria de Lourdes, que iria partir bem cedo.

Eles, então, ficaram de avisar o porteiro noturno de minha decisão, porquanto a porta de entrada permanecia trancada à noite e, de manhã, o funcionário iria abri-la.

Assim, levantei às 4 h e após as abluções matinais, segui em direção ao refeitório do estabelecimento, onde pude ingerir um energético café, acompanhado de algumas frutas. 

Depois, tive certa dificuldade para acordar o atendente, contudo, às 5 h deixava o local de pernoite, caminhando vagarosamente por ruas frias e silenciosas em direção ao trevo de acesso à cidade.

Apesar do horário, em alguns locais pessoas aguardavam o transporte, enquanto outras se deslocavam de motos ou em bicicletas, todas certamente indo para o trabalho.

Depois de percorrer 2 quilômetros, às 5 h 30 min, próximo de um posto de gasolina, encontrei o primeiro marco da Estrada Real. 

Assim, seguindo a sinalização, atravessei uma rotatória e acessei a MG – 383, seguindo pelo acostamento da rodovia no sentido da cidade de Lagoa Dourada. 

O trânsito de veículos era praticamente inexistente, de forma que eu utilizei a lanterna portátil para me orientar, posto que tudo persistia em densa escuridão.

Em determinado local, parei para tomar um fôlego e desliguei a luz. 

O silêncio tornou-se completo e angustiante. 

Não se ouvia piado de ave ou barulho de animais. 

Também, não havia estrelas no céu e reinava um angustiante negrume, tanto é que eu tinha a impressão de estar perdido num mundo desconhecido. 

Prossegui, atento, recordando das grandes metrópoles, como se isso pudesse atenuar o sentimento de profunda solidão, que me envolvia.

Mais dois quilômetros, em franca ascensão, encontrei um marco à esquerda e adentrei numa larga estrada de terra batida, agora já em grande descenso. 

A manhã principiava a clarear e quando percebi, caminhava em meio a uma exuberante vegetação. 

Nesse trecho passei defronte à entrada de inúmeras fazendas que se dedicam à criação de gado leiteiro.

O céu estava todo alvacento, toldado por um espesso nevoeiro. 

E a luz escassa do dia, naquela hora, dava à paisagem circundante uma coloração desmaiada, na qual se confundia os contornos, já que suas linhas se perdiam numa obscuridade vaga e ondulante.

No final de uma grande descida, depois de já ter percorrido 7 quilômetros, atravessei um caudaloso rio sobre uma ponte e, na sequência, fleti à direita, deixando do meu lado esquerdo uma bela propriedade, que se dedica à criação de avestruzes, sem dúvida, algo um tanto exótico para aquela região.

Em seguida, transitei por locais onde o forte era a criação de gado e plantações de milho. 

Num trecho ermo e descampado, cruzei com um grupo de vacas, capitaneado por um imenso touro branco, que me acompanhou desde longe, com olhar fixo, cabeça em pé, orelhas atentas.

De repente, quando cheguei mais perto, se assustou, e se pôs em alerta máximo, ameaçando me atacar.

O perigo era iminente, assim, tenso e sem saber o que fazer, me entreguei na mão de Deus e pedi proteção. 

Em seguida, cuidadosamente, deixei a trilha pela esquerda, e passei de mansinho por trás de uma grande moita, ganhando a estrada larga, mais à frente, novamente.

O macharrão, estático, olhos fixos em mim, parou até de mascar o capim que lhe manchava o canto da boca. 

Enquanto isso, aliviado, eu prosseguia adiante. 

Na verdade, o touro é animal bruto, que não foi castrado e como todo macho, cuida de seu rebanho e do território que lhe pertence. 

Então, vê-se que ele estava apenas defendendo seu espaço. 

Mas não deixei de agradecer ao meu anjo da guarda, pois, pensei: Ufa, desta me livrei por pouco!

Mais adiante, cruzei com um grande trator que levava à reboque, em direção à lide, um pessoal montado numa carroça de madeira. 

Também encontrei algumas pessoas a cavalo e em motocicletas, todas com a matula às costas, chapéus de abas largas, camisas de mangas compridas, se dirigindo à faina diária.

Todos, respeitosamente e sem exceção, me cumprimentaram, desejando um bom dia! 

Às 7 h, depois de 11 quilômetros percorridos, passei pelo bairro “Camapuã Acima” e parei para conversar com alguns moradores que, após a ordenha diária, aguardavam o caminhão de uma Cooperativa que recolhia o leite, para entregar o produto. 

Um rapaz bem humorado, de nome Aparecido, me deu algumas informações sobre o local, bem como posou para uma foto de maneira bastante descontraída.

Na sequência, enquanto caminhava numa baixada, um cachorro latiu sem muito entusiasmo, numa casa próxima, o que me deixou em alerta. 

Logo ele apareceu na estrada e veio me fazer festas. 

Era um cão magro, cheio de bernes e tão repugnante, que não tive coragem de lhe fazer a carícia que implorava, sacudindo a cauda e fitando-me com a ternura de que eram capazes aqueles olhos ramelentos e lacrimejantes.

O percurso continuou bucólico e em alguns locais encontrei casas com pintura recente, mas fechadas e desertas, possivelmente, porque seus proprietários residem na cidade.

Numa grande bifurcação, obedecendo à sinalização, segui à esquerda e no quilômetro 14, atravessei uma ponte e após leve ascenso, passei em frente à capela dedicada à Santo Antônio do Madruga, que está situada no topo de um outeiro, inquiritoriamente, num local inóspito e desabitado.

Em seguida, após acessar o cume de um morro, passei a caminhar por uma grande planície bastante arborizada, num lugar ermo, desabitado e cercado por plantas agrestes. 

Ao longe, bem à minha frente, eu podia divisar a imponente serra do Camapuã.

Nesse local, existem alguns marcos fincados em lados invertidos ao que deveriam estar, conforme constava em destaque na minha planilha, contudo, especificamente para mim, não causaram preocupação e também não interferiram em meu rumo.

O que vi naquele intermeio, não eram bem pastos, mas mato, grandes áreas cobertas por macega, e ninguém por perto. 

Isso me preocupava, porquanto, em caso de emergência ou necessidade de alguma informação, a quem recorreria?

Nesse trecho, notei uma concentração, em maior escala de ninhos de “joão-graveto”, um pássaro de pequeno porte e extremamente comum no estado de Minas. 

Sua principal característica é a cor levemente amarronzada na testa, contrastando com a cabeça mais escura. 

Para se reproduzir, ele constrói ninhos enormes, utilizando gravetos relativamente grandes, se comparados ao seu diminuto tamanho.

Segundo o que foi observado pelos ornitólogos, o casal atua em parceria na construção da casa, a ser utilizada durante todo o ano pelos dois e pela ninhada (mesmo após voar) como local de abrigo. 

Ao terminar o primeiro ninho, o casal continua colocando material e construindo outros. 

Com isso, o galho de apoio começa a pender e a ficar coberto de material, destacando-se na paisagem. Em casos extremos, a “casa” chega a ter 2 m de comprimento. A câmara incubatória de formato esférico é forrada por grossa camada de penas, paina, etc...

O ninho geralmente localiza-se em árvores isoladas, na extremidade de galhos flexíveis, que acabam por vergar com o excesso de peso. 

Porém, sua habitação é a preferida para ser ocupada por outro pássaro, o joão-pinto, o qual depende de outros passarinhos para nidificar.

Além dessa espécime, as câmaras abrigam outras aves, pequenos mamíferos, répteis ou marimbondos. 

Em alguns casos, após disputas com os donos originais; em outros, são ocupadas depois de abandonadas.

Num lugar descampado e silencioso, fiz uma pausa para reflexão, hidratação e lanche. 

Depois prossegui em frente e no quilômetro 18 passei defronte à charmosa capela de Nossa Senhora da Lapa de Olhos d´Água que, antigamente, ficava dentro de uma fazenda de mesmo nome. 

Provavelmente, sua construção foi iniciada no ano de 1683, e recentemente, passou por um processo de restauração.

Mais à frente, acessei uma larga estrada e prossegui à esquerda, sempre em franco descenso. 

Mais adiante, iniciou-se uma descida bem forte, encascalhada. 

Nesses locais específicos, os joelhos tem a responsabilidade de nos manter eretos, considerando a mochila, suportando os trancos. 

Todo o peso do corpo recai sobre eles, comandados pelos músculos dianteiros das coxas, que se ressentem pelo trabalho forçado. 

O cajado, nessa hora, é essencial.

E, embora meu rumo fosse um tanto lógico, comecei a me sentir tenso e intrigado, pois já há algum tempo não encontrava mais totens de sinalização, diferentemente do que preconizava a planilha que portava.

Assim, para meu tranquilizar, no final de uma grande ladeira, suplantada após atravessar um riacho, solicitei informações ao motorista de uma perua escolar que transitava pelo local. 

Para meu conforto, ele confirmou que eu estava no rumo certo. Inclusive, me ofereceu carona.

Agradeci-lhe a gentileza, mas continuei a pé e no final de pequena, mas íngreme ladeira, avistei o distrito de Serra do Camapuã, que dista 22 quilômetros de sua Sede, a cidade de Entre Rios de Minas.

O pequeno povoado se encontrava praticamente deserto, salvo por algumas crianças que empinavam pipas num terreno acidentado. 

E, também, por duas mulheres que conversavam próximo de uma escola. Mais abaixo, defronte uma pequena praça, avistei um bar aberto.

A igreja local se encontrava fechada e num marco próximo, pude fotografar uma referência história à essa singela vila, cujo teor reproduzo: “Tradição na serra do Camapuã eram as chamadas “assembléias”: os idosos do lugarejo se reuniam defronte a igreja, todas as tardes, para uma boa prosa e um “causo” ajeitado.”

Um garoto passeava de moto e pude fazer-lhe algumas perguntas, bem como confirmar meu rumo a seguir. 

Assim, após ligeira pausa para hidratação, prossegui adiante e logo acessei uma estrada larga, levemente plana e bastante arborizada.

No topo de uma pequena elevação, encontrei o Sr. Juvenal que trabalhava num sítio próximo. 

Contou-me que sua principal atividade era a fabricação de carvão, obtido pela carbonização da madeira, que é utilizado como combustível para aquecedores, lareiras, churrasqueiras e fogões a lenha.

Na verdade, é uma forma de aproveitar a parte lenhosa das árvores e obter mais benefícios, porquanto o carvão alcança um preço mais elevado que a lenha e ocupa menos mão de obra, gerando melhor renda. 

No entanto, conforme ele me confidenciou, o trabalho nesse ramo era bruto, sujo e bastante perigoso, mas mesmo assim, ele mantinha a fé e o bom humor. 

Mais à frente, depois de já ter percorrido 25 quilômetros, fui alcançado pelo táxi que conduzia a minha mochila. 

O motorista, o Sr. Ricardo, parou para conversar, bater uma foto e, depois de verificar que estava tudo bem comigo, seguiu adiante.

O sol já estava bastante forte, de forma que fiz uma pausa para hidratação e repor o protetor solar. 

Na sequência, o roteiro seguiu em meio a muitas fazendas com plantações variadas, desde cana-de-açúcar até café e milho.

Numa bifurcação situada no 29º quilômetro, segui à esquerda, agora em franco descenso por uma estrada larga e bem sinalizada. 

E, às 11 h, eu aportava em Casa Grande, meu objetivo para aquele dia.

Na cidade, fiquei hospedado na Pensão de Dona Irene e Sr. Zeca, situada no interior de uma edificação bastante simples, porém limpa e agradável. 

E, ali, reprisei a rotina diária: desfazer-se da mochila e das botas, encostar o cajado em um canto, alongar os músculos, respirar. 

Que alívio! 

Depois, roupas para lavar, mapas e planilhas a estudar. 

Além do que, a atenção já fica concentrada na próxima etapa a vencer.

Para almoçar, utilizei a própria residência, pois minha anfitriã é uma ótima cozinheira, inclusive, diariamente, fornece refeições para mais de 20 pessoas que trabalham nas proximidades.

Segundo a história, por volta do século XVII, o território do município teve como primeiros habitantes alguns portugueses que acamparam no local para exploração de ouro, ainda na época do Brasil Colônia. 

A mineração era feita, via de regra, nos riachos existentes na região.

Crescia o interesse por esse metal, provocando a vinda de outros moradores. 

O fundador da povoação, Bento Correia, mandou construir uma casa de grandes proporções, dividida de tal modo que 15 famílias (cerca de 60 pessoas) nela abrigadas não se comunicassem internamente. 

Dessa imensa edificação ainda existem os alicerces. 

Ao se esgotaram os veios auríferos, as pessoas recém-chegadas, com espírito mais empreendedor, se voltaram para a agricultura e depois para a pecuária leiteira, atividades que contribuíram para a evolução da localidade e representam ainda hoje as mais importantes fontes de economia municipal.

O topônimo Casa Grande teve sua origem naquele enorme casarão, ponto inicial de formação da cidade, que conta atualmente com 2.500 habitantes.

À tarde, após uma boa sesta, fui dar uma volta pela simpática vila, aproveitando para conhecer sua igreja matriz, cujo padroeiro é São Sebastião, numa construção datada do século XVII.

À noite, depois do jantar, fiquei na sala conversando com meus hospedeiros sobre outros caminhantes pretéritos que ali tinham feito parada, até que sono me bateu e fui dormir.

IMPRESSÃO PESSOAL – Um percurso de razoável amplitude, porém, afora os primeiros 4 quilômetros feitos em asfalto, um trajeto agradável, razoavelmente arborizado, de grande beleza e, em alguns trechos, integramente desabitado. A estrada é de fácil acesso, com poucas subidas e descidas íngremes. E, quase sempre em terra batida e com pouco cascalho. É de se destacar a bela paisagem da Serra de Camapuã que acompanha o caminhante nesse roteiro, quase sempre pelo seu lado esquerdo. 

07º dia – CASA GRANDE à LAGOA DOURADA – 29 quilômetros