Notei, consternado, um cão que vinha trotando atrás de mim, o ar timidamente inquisitivo e pateticamente súplice de quem anda em busca de um dono, um amigo. Mesmo com o coração apertado, precisei dissuadi-lo de sua intenção, primeiramente, com palavras, depois, ante sua insistência, com pedras. Pois, não teria condições de fornecer-lhe guarida até meu destino final.
O percurso plano propiciou um ritmo uniforme e às 6 h, na Fazenda Boa Esperança, quilômetro 2, fiz uma pausa para admirar a sua sede, um imponente casarão datado do século XIX, que nos seus primórdios serviu de vivenda ao sanguinário Coronel Novaes. A edificação, toda forjada em taipa corrida, foi esmeradamente restaurada, cuidando-se de manter suas características originais.
Logo à frente, após atravessar pequena ponte, a estrada se bifurcou. Como não havia flechas indicativas no local, estaquei em dúvida para qual lado seguir. Salvou-me da indecisão um morador local que transitava numa bicicleta. Afirmou-me, cortesmente, que o correto era seguir à direita, beirando o rio, por onde prossegui, após agradecer-lhe a informação.
O caminho seguiu plano, bastante arborizado, sempre em meio a imensas áreas, onde se avistava, amiúde, inúmeros e variados rebanhos de gado bovino. Todavia, a trilha apresentava-se bastante escorregadia, devido à chuva derramada na noite anterior.
A paisagem, sempre verde, persistia quase imutável, proporcionando-me belo panorama das montanhas que pareciam formar, ao longe, um paredão intransponível.
Às margens da estrada sucediam-se incontáveis propriedades e, de vez em quando, avistava uma casinha branca, com portas e janelas pintadas de azul, como era tradição nas antigas fazendas.
O dia seguia ambivalente, céu ora azul, ora carregado de nuvens cor de chumbo, com garoas ocasionais, alternadas com súbitos acessos de sol.
Às 8 h, no quilômetro 10, num trevo localizado defronte à Fazenda Cláudio Machado, contrariando minhas expectativas, virei à esquerda no cruzamento, seguindo por uma estradinha enlameada, repleta de excrementos bovinos e de enormes poças de água.
Às 8 h 30 min, ultrapassei a Fazenda das Palmeiras, e logo depois iniciei a escalada da majestosa Serra dos Cristais, assim denominada devido à abundância de tal mineral, constituído por pedras lustrosas, brilhantes, de extrema transparência, alocadas no leito da e
A subida é bastante dificultosa, todavia, de pequena extensão. Quase no final, uma brisa fria e reconfortante, característica de alto do morro, principiou a soprar, infundindo-me novo ânimo. Próximo dali, um casal de papagaios cortou o céu em alegre algazarra.Às 9 h, já no cume da elevação, a 600 metros de altitude, pude ver ao longe a cidade de Carangola, meu objetivo naquele dia. Também consegui distinguir, embora a grande distância, uma extensa serra, que faria parte do traçado que eu percorreria na etapa seguinte. Enquanto fazia algumas anotações, notei que o céu, finalmente, se desanuviara e o sol brilhava intensamente.A partir dali iniciou-se uma grande declividade, prosseguindo, no final da serra, por uma estrada larga e plana que passa defronte a Fazenda São Pedro e, mais à frente, à beira do rio Carangola, em sentido contrário ao seu fluxo líquido.Às 10 h, no quilômetro 18, encontrei uma grande árvore, localizada no entroncamento do caminho pelo qual eu transitava, com a estrada municipal que liga Carangola até Caiana. Segui, então, à esquerda, caminhando em direção à cidade próxima, sobre uma via pedregosa, larga e bastante movimentada, mormente por caminhões e máquinas que trabalhavam açodadamente, em vista de iminente asfaltamento daquele leito.
Dois quilômetros depois adentrei a zona urbana. Pouco à vontade, procurei, então, afivelar uma das minhas canhestras máscaras mundanas.
Transitei a partir dali, sobre paralelepípedos, em meio a rústicas moradias, algumas desprovidas das mais elementares necessidades básicas. Porém, habitadas por um povo humilde, simples e, certamente, de boa índole, pois, todos me cumprimentaram efusivamente.
Em seqüência, atravessei defronte o Horto Florestal, depois, o campus da Universidade do Estado de MG, até atingir às 11 h, o Hotel Gran Palace, localizado na praça principal da urbe, onde fiquei hospedado.
Para quem passou a manhã no mato, em meio a muito verde, respirando ar puro do campo, a parte final do trajeto é realmente desgastante, pois, caminha-se por entre pedestres apressados, ruas movimentadas, carros que trafegam em alta velocidade, calçadas irregulares, além da azáfama natural de uma razoável “metrópole regional”, hoje próxima de 35 mil habitantes.
Depois de alojar-me e tomar refrescante banho, almocei próximo dali, no Restaurante Jurandai’s. Terminada a refeição, entrei em contato, via telefone, com o Sr. Albino Neves, o fundador do Caminho da Luz, pois tinha um imenso desejo de conhecê-lo pessoalmente.
Prontamente ele me atendeu e marcamos encontro para as 17 h. Logo após uma passeata que ocorreria à tarde. Tal manifestação, promovida por políticos e entidades de classe, tinha por objetivo apoiar o Prefeito Municipal em sua decisão de asfaltar uma estrada vicinal até o Laticínio Marília, motivo de acirrada polêmica entre a população e comércio local.
Após um descanso reparador, saí para conhecer os principais pontos turísticos da “Princesinha da Zona da Mata”, cognome pelo qual Carangola é nacionalmente conhecida. Pude então adentrar em sua igreja principal, cuja padroeira é Santa Luzia. Aproveitei, também, para fazer algumas compras num supermercado, sacar dinheiro e navegar na Internet.
Quando soaram 16 h no relógio da Matriz, as casas comerciais rapidamente cerraram suas portas. Havia no ar essa alegria nervosa e expectante que se nota nas proximidades das grandes expressões públicas de opiniões e sentimentos coletivos.
Iniciou-se, então, rumorosa carreata, seguida por populares, a pé, que bradavam inflamadas palavras de ordem. Houve ainda, barulho de rojões, carros de som, banda de música, discursos eloqüentes. Enfim, a manifestação foi ruidosa e movimentada. Toda ela orquestrada em arrimo à decisão do Alcaide.
Na hora aprazada retornei ao Hotel e, conforme combinado, lá já se encontrava o famoso Albino a me aguardar. De pronto, o que me saltou aos olhos foi sua privilegiada estatura física, bem como a veemência de suas palavras, ao falar do filho dileto: O Caminho da Luz. Que nasceu por conta de brilhante inspiração, durante uma de suas inúmeras “incursões” ao Pico da Bandeira.
Findas as apresentações de praxe, ficamos amistosamente a conversar, enquanto sorvíamos um delicioso café. Conforme pude observar, persistência, loquacidade e otimismo são outras características de sua marcante personalidade.
Jornalista, carioca de nascimento, mas, carangolense por opção, Albino é proprietário de um periódico de publicação quinzenal, denominado “Folha da Mata”, que circula na região desde 1.980.
Disse-me que durante a implementação do Caminho, sua maior preocupação era resguardar intocada a cultura regional, por isso, cuidou de preservar, a qualquer preço, as tradições locais.