8ª Jornada - Mérida a Alcuéscar – 39 quilômetros – “Surpresa Agradável!”:
O roteiro de saída de Mérida foi modificado porque obras obstruíram o caminho antigo que seguia à esquerda, em direção a represa de Proserpina.
O proprietário do Hostal onde pernoitei me orientou resumidamente como deveria proceder na manhã do dia seguinte.
Assim, atualmente, deve-se seguir em direção à Avenida de La Plata, situada próxima ao antigo Aqueduto romano.
Nela tem início as marcações de solo, através dos conhecidos “monjóns” de granito.
Ao atingir a “rotonda” da N-630, seguindo as flechas, deve se tomar um caminho de terra à direita, nominado de “Via Pecuária”, que contorna a rotatória e depois transpõe uma rodovia por baixo.
Desse modo, observando as marcações, prossegui por uma estrada cascalhada, depois caminhei dentro de uma grande fazenda de gado, numa trilha em ascensão, tendo a rodovia “N-630” do meu lado esquerdo, à curta distância.
O roteiro é desértico, porém, interessante, vez que segui por um campo relvado, depois, no meio de bosques, até atingir um grande parque florestal, com bancos para descanso e mesas empedradas, onde podem ser feitos piqueniques e reuniões informais.
O caminho prossegue, então, por uma estrada vicinal asfaltada, atravessa sobre a rodovia “N-630”e, do outro lado, funde-se com o “tramo” do antigo roteiro.
Assim, até o acesso à El Carrascalejo, pequeníssima povoação que não oferece nenhum tipo de serviço ao peregrino, pude caminhar em meio a fazendas de criação de porcos e ovelhas, orladas por “matorrales” e “jaras”, na verdade, mirrados arbustos típicos dessa zona.
Ali cheguei às 10 h 15 min, após 15 quilômetros percorridos. Mais 3 quilômetros à frente em franco descenso e às 11 h adentrei em Aljucén, povoação que dispõe de um bom albergue e alguns bares.
Numa “tienda”, próxima da igreja matriz, dedicada à Nossa Senhora da Consolação, comprei água e frutas.
Aproveitei a cortesia da casa e experimentei o saboroso vinho de pitarra, um produto típico desta região.
Em seguida, pela avenida principal deixei a cidade e, sobre a rodovia “N-630”, cruzei o rio Aljucén, um belo e vigoroso curso d’água.
O Caminho deixa a “carretera” e segue à direita por uma estrada de terra e à esquerda vê-se um posto de combustível, onde também existe bar e uma loja de conveniência.
O trajeto seguiu agradável e fácil, por larga estrada de terra, em meio a inúmeras fazendas de criação de gado, sempre ladeado por alcornoques e encimas, árvores nativas da região.
Ali se encontra o Parque Natural de Cornalbo, área de preservação ambiental, conhecida naquela região como “Cordel del gato”.
Nesse trecho, as flechas estão pintadas nos troncos das árvores ou mourões que ladeiam o traçado.
Durante o trajeto, avistei muitos bichos como coelhos, veados, pássaros silvestres e inúmeras aves de rapina, em plena faina.
Foram 15 quilômetros solitários até encontrar a famosa Cruz de San Juan que alguns chamam da “Niño Muerto”.
Depois dela, segui à direita por uma dura estrada pedregosa, ladeada por belas chácaras e casas de veraneio.
Numa delas, um senhor idoso pressentiu minha presença pelo aviso dos cães, pois, me aguardava no portão e, quando passei, puxou conversa. Tratava-se de um “jubilado” residente em Mérida, mas que, quase todo o dia, vinha cuidar de sua propriedade campestre.
Foi uma grata conversa, contudo, eu estava cansado e logo nos despedimos.
Mais acima o caminho faz pequena curva e dali pude avistar Alcuéscar, povoação construída na ladeira sul do morro do Calvário, minha meta naquele dia.
Na cidade hospedei-me no albergue situado dentro do “Convento e Hospital de Esclavos de Maria y de los Pobres”, uma agradabilíssima surpresa, pois, Angel, o hospitaleiro, me acolheu como um irmão, na verdadeira tradição da hospitalidade peregrina.
Destinou-me um quarto individual e despojado, onde havia uma cama e um pequeno lavabo, sendo os banheiros coletivos, todos novos e bem aparelhados, divididos em masculino e feminino.
Mais tarde dei uma volta pela urbe. Naquela data comemorava-se a “Pascoela” e tudo se encontrava fechado, inclusive a igreja matriz dedicada a Nossa Senhora da Assunção.
Não encontrei nenhum bar aberto e não havia uma única “tienda” em funcionamento, que me possibilitasse adquirir água e provisões para a etapa do dia seguinte.
O jantar foi servido pontualmente às 20 h e estava estupendo.
O “menu” era composto de sopa de macarrão, salada mista, carne de frango, acompanhado por pão, vinho, frutas e chocolate como sobremesa.
Um verdadeiro banquete oferecido gratuitamente, visto que nada cobram pela hospedagem.
Em troca, aceitam apenas donativos, podendo cada qual ofertar aquilo que suas posses permitam.
Finda a refeição, colaboramos com uma grande faxina no local.
Depois, fomos para a cozinha e lavamos os pratos e talheres.
Enfim, deixamos tudo limpo e brilhando, em agradecimento ao dadivoso alimento recebido.
Consultando seus livros, Angel me informou que há mais de 6 meses não passava um brasileiro por aquele local.
Pelos seus registros, o último ali pernoitara em setembro/2007.
Curioso, indaguei-lhe como podiam oferecer tanto sem nada cobrar.
Em resposta, disse-me que ali praticam, literalmente, obra de caridade, nos moldes em que estudara durante a catequese, pois a doutrina prega que se deve sempre “dar pousada ao andarilho cansado”.
Então, concluiu, se não o fizermos, quem irá se encarregar disto?
Realmente, um local de gratíssima lembrança pelo carinho e atenção recebidos na ocasião, extensivo a todos os 13 peregrinos que pernoitaram ali naquele recinto.
Resumo: Tempo gasto: 9 h - Sinalização: Ótima - Clima: Ensolarado, com temperatura variando entre 5 e 14 graus.
Impressão pessoal: Trajeto agreste e plano, todo feito em chão de terra, por excelentes e bem cuidadas estradas rurais. Apenas os derradeiros 4 quilômetros são feitos por uma trilha pedregosa e acidentada. A distância é razoável, assim, há os que prefiram pernoitar em Aljucén, fracionando o trajeto em duas etapas.