HISTÓRIA
“Quem vai à Santiago e não ao Salvador, visita o criado, mas não o seu Senhor”.
Primeiro marco do Caminho San Salvador, em León, junto ao Parador de San Marcos
Diz a história, que quando os mouros invadiram a Península Ibérica através da Espanha, relíquias sagradas das comunidades cristãs no sul eram frequentemente enviadas para o norte, objetivando preservar a sua segurança.
Muitas delas acabaram sendo depositadas em Oviedo, nas Astúrias.
Segundo a tradição, esses objetos sacros foram coletados pelos cristãos em Jerusalém, e mantidos em uma caixa de madeira de cedro, de inestimável valor para a igreja católica, pois continha um conjunto de raridades relacionadas com a vida, paixão e morte de Cristo e de seus apóstolos.
Depois da conquista do norte da África, a expansão muçulmana forçou sua transferência para a Espanha, primeiro para Cartagena e mais tarde para Toledo.
A chegada dos conquistadores muçulmanos ao centro da Península novamente provocou sua mudança de local.
Desta vez o seu destino foi o Principado das Astúrias.
Praça del "Ayntamiento", em León
A última etapa desta emocionante história foi a chegada à Cadetral de Oviedo dessas preciosidades, e a pedido do rei Afonso II, contruiu-se um belo altar para abrigá-las e estar à altura de tão importante conteúdo.
A adoração a esses fragmentos históricos gerou uma intensa peregrinação que está intimamente relacionada com a do Apóstolo Santiago, ocorrida a partir do século XI.
Esta pode ser a origem da frase popularizada por um “viajor” francês: "Quem vai a Santiago e não ao Salvador vai visitar o servo e deixa o Senhor”.
Contudo, que razão poderia mover um peregrino para empreender a aventura de cruzar as montanhas da Cordilheira Cantábrica?
Sem dúvida, a religiosidade do homem da Idade Média explica o intenso desejo de caminhar em direção a locais sagrados.
Estátua em homenagem à Gaudi, em León
Porquanto, segundo a ideologia da época, ao atingir esse objetivo ele garantiria o perdão de seus pecados e a recompensa da vida eterna após a morte.
Com efeito, a reconquista da meseta espanhola a ritmo mais rápido nos dois primeiros séculos do segundo milênio, animou aos reis hispânicos a povoar as novas terras com núcleos favorecidos por foros e doações.
E uma de suas principais ferramentas foi o Caminho de Santiago.
Em consonância, o rei da Navarra, Sancho “El Mayor”, recomendou aos peregrinos que a partir da cidade de Pamplona, em lugar de se encaminhar até o País Vasco, deveriam seguir pelas novas terras reconquistadas, um roteiro que hoje corresponde ao famoso Caminho de Santiago Francês.
Porém, o culto desses ícones religiosos, uma explosão passional medieval para ver e tocar as relíquias sagradas, as “fotografias” de seus santos de devoção, converteram os lugares onde existiam essas preciosidades em grandes centros de peregrinação.
E a Catedral de San Salvador partia com vantagem, pois abrigava inúmeros objetos sacros, como o Santo Sudário de Cristo, as relíquias de Vera Cruz, o Cristo Nicodemus e, naturalmente, a Cruz da Vitória e a Cruz dos Anjos, símbolos atuais do Principado das Astúrias e Oviedo, respectivamente.
Dessa forma, em vista de acervo inestimável guardado em sua “Câmara Santa”, manteve-se em parada obrigatória dos caminhantes e se converteu em importante núcleo de atração de viajantes.
Praça central de León
Quase que obrigatoriamente, aqueles que iam ou voltavam de Santiago pelo Caminho do Norte, ao chegar a Gijón, abandonavam a Costa Cantábrica para dirigir-se à Oviedo.
Mas, havia também inúmeros peregrinos transitando pelo “roteiro” Francês que, ao aportar em León, giravam a oeste para atravessar o porto de Pajares e depois descender à Oviedo, pois como se dizia então:
“Quem ia a Santiago e não ao Salvador (de Oviedo), visitava o criado (o Santo Apóstolo), porém não o seu Senhor (Cristo).
Os peregrinos foram então encorajados a acreditar que a partir da cidade de León, deveriam primeiro visitar a Catedral de San Salvador, antes de seguir adiante, geralmente pelo Caminho Primitivo, em direção à Santiago.
Assim, surgiu o caminho de peregrinação de San Salvador, o do Salvador, que une León a Oviedo.
Trata-se de 126 quilômetros, um terço deles através de montanhas, àquela época, inóspitas, desafiadoras e solitárias, que deixavam os caminhantes expostos a todos os tipos de perigos.
Tanto que em 1501, foi notícia a viagem realizada pelo Senhor de Montigny e vários companheiros que escreveram a respeito desse roteiro:
“Muitos peregrinos temem usar essa rota para ir à Santiago, e com toda razão, porque ela é pouquíssima povoada e muito mais estéril e penosa que o Caminho Francês.”
Ainda hoje há boas razões para percorrer este roteiro, posto que Oviedo é uma cidade muito interessante, de inestimável valor histórico, e que vale a pena ser visitada.
Peregrinos não são vistos com frequência dessa Rota, por isso mesmo eles são tratados com respeito, alegria e extremo carinho pelos que residem ao largo do Caminho.
E o cenário é um dos mais espetaculares de toda a Espanha.