3ª Jornada - Castilblanco de los Arroyos a Almadén de la Plata - 30 quilômetros: “Despedidas!”
Sabia que a primeira parte do percurso coincidia com a “SE-185”, uma rodovia asfaltada e com pouco movimento.
Assim, levantei-me às 4 h 30 min e, em seguida, acordei Fran, que ressonava com dificuldade.
Meu confrade, depois de completar sua higiene matutina, foi sincero e sucinto.
Disse-me que por conta das dores, tinha plena consciência de que não conseguiria completar a etapa daquele dia.
Ademais, seu joelho piorara e ele sabia que se persistisse no Caminho seria mais um estorvo que boa companhia.
Diante disto, relatou-me aos prantos que ponderara muito durante a noite e resolvera desistir.
Assim, decisão sacramentada, iria tomar um ônibus de volta à Sevilha e, incontinenti, regressar ao Brasil.
Então, quando lá aportasse, mandaria notícias via Internet.
Confesso, sua súbita resolução me apanhou de surpresa e me causou um grande choque.
Porém, raciocinei, me sentia bem e com saúde, o que me permitia prosseguir sozinho.
Assim, após emocionada despedida, às 5 h 30 min, lanterna na mão, iniciei minha solitária jornada.
A lua cheia ainda brilhava no céu, o clima estava frio e propício para caminhar.
Assim, fui progredindo em ritmo lento e uniforme, embora o trajeto fosse sempre em constante ascensão.
Aos poucos, a noite se desvaneceu em tênue claridade e ganhou luminosidade à medida que os minutos iam avançando.
Na verdade, o clima persistia úmido e o dia se apresentava enfarruscado, com nuvens baixas e escuras.
Em ambos os lados da “carretera”, existem várias fazendas e, numa delas, avistei uma grande manada de “cerdos de pata negra”, famosos pelo excelente salame produzido com suas carnes.
O roteiro por onde passei segue entre inúmeras “fincas alambradas”, às vezes, são duplamente, destinadas à reprodução e criação de gado.
À esquerda, as mais importantes nesse mister são as fazendas “El Piquillo” e “El Tinajar”, esta última propriedade da sociedade “Campo Amor”, fundada em 1910, por José Vega e destina-se a “preparar” bois bravios, especificamente, para participar de “corridas” e touradas.
Entrada Parque Florestal El Berrocal e "Casa da Guarda"
Depois de 16 quilômetros ininterruptos de marcha, exatamente, às 9 h, deixei a rodovia e, fletindo à direita, adentrei no Parque Florestal de El Berrocal.
Caía uma fina, porém, intermitente garoa, de forma que parei junto à "Casa da Guarda" e vesti minha capa de chuva.
Apesar disso, a paisagem tornou-se bastante agradável e interessante, com bosques e campos floridos se sucedendo.
Alguns cervos pastavam e, embora o trajeto seja feito no início por uma estrada asfaltada, o silêncio reinante somente era quebrado pelo perene canto dos pássaros.
Observei, ainda, que toda a extensão do Parque era muito bem cuidada e protegida.
Numa curva do caminho, surpreendi uma corça e seu filhote bebendo água em uma nascente.
Mais à frente acessei uma estradinha de terra e, depois, prossegui por uma senda ascendente entre fazendas de criação de gado, até culminar no sopé do "Cerro del Calvário”.
O monte faz juz ao nome, porquanto, sua subida é terrivelmente íngreme, ainda que o trajeto seja de pequena extensão.
No alto, a 400 m de altura, há um mirante, de onde é possível divisar todo o Parque, bem como as adjacências, numa visão única e recompensadora.
Alguns peregrinos com os quais conversei a respeito da terrível “escalada” do Calvário, utilizaram expressões eloqüentes, como: “estar fazendo as estações”, numa alusão irônica à “Via Crucis” que Jesus enfrentou em Jerusalém, tal é o grau de dificuldade que o “Cerro” oferece.
A descida foi brusca e acidentada pelo lado oposto do morro e, sob chuvisco frio e vento forte, adentrei à simpática Almadén de la Plata, minha meta naquele dia.
A história diz que os romanos exploraram as minas dessa cidade, os árabes a conquistaram e os Cavaleiros da Ordem de Santiago a devolveram aos cristãos.
As providenciais flechas amarelas me encaminharam para um albergue particular, de excelente qualidade, onde, por 5 Euros, pude desfrutar de cama limpa, com travesseiro/fronha, cobertor, chuveiro aquecido, calefação e grande cozinha.
A hospitaleira, dona Manuela, pessoa simples e simpática, recepcionou-me muito bem e esmera-se no trato com os brasileiros e todos “viajantes”.
Depois de tomar um merecido banho e lavar as roupas, dei uma breve volta pelo povoado, onde tive a oportunidade de admirar em sua parte central, a “Torre del Relojio” e a “Iglesia de Santa Maria del Gracia”, do século XVI.
Durante o passeio começou a cair uma garoa fina e contínua, obrigando-me a retornar para buscar minha capa de chuva.
Em seguida, numa sortida “tienda”, comprei água e mantimentos para a etapa seguinte.
Para almoçar utilizei os serviços do Bar Concha (10 Euros) e à noite houve uma ceia comunitária, no próprio albergue, que nesse dia abrigou 17 peregrinos, sendo 6 deles ciclistas.
Mais tarde, a chuva que ameaçara à tarde toda, precipitou-se com força incomum e não deu trégua à noite inteira.
Resumo: Tempo gasto: 7 h - Sinalização: Muito Boa - Clima: Nublado, depois chuvoso, com temperatura variando entre 4 e 12 graus.
Impressão pessoal: Trajeto ascendente, de considerável dificuldade, sendo, no global, 20 quilômetros em asfalto, o restante por estradas de terra. Há de se considerar, ainda, a escalada do “Cerro del Calvário” no final da jornada, quando o peregrino já se encontra exaurido pela razoável quilometragem percorrida.