6º dia: CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO a MORRO DO PILAR: 28 quilômetros

Levantei-me no horário costumeiro, tomei o café que a hospedeira deixara preparado e, exatamente, às 5 h 30 min, saí da Pousada e caminhei para o centro da cidade.

Ali, passei ao lado do Chafariz da Praça Dom Joaquim e entrei, à esquerda, numa rua empedrada. 

Quatrocentos metros percorridos e encontrei o primeiro marco da ER, coincidindo com o início da rodovia MG-010 que, nesse trecho, liga Conceição do Mato Dentro a Belo Horizonte.

O clima se apresentava frígido e, como de praxe, uma espessa névoa úmida cobria todo o ambiente. 

Segui por asfalto, em aclive, utilizando-me tranquilamente do lado contrário ao fluxo de veículos, pois, não havia tráfego naquele horário.  

Em sequência, passei pela estação rodoviária da cidade e avistei um senhor caminhando à minha frente. 

Logo o alcancei e seguimos juntos conversando sobre nossas atividades para aquele dia.

O Sr. José Luiz era trabalhador rural e se dirigia à uma fazenda de criação de gado leiteiro, onde iria fazer a ordenha diária. 

Falou-me da dura labuta diária, filhos, política, planos, enfim, foi uma conversa muita interessante, ainda no escuro, pois o dia permanecia opaco e nebuloso.

Dois quilômetros depois, encontrei uma placa à esquerda, juntamente com outro marco da ER. 

Então, me despedi do amigo e adentrei em uma larga e muito bem conservada estrada de terra batida, ainda em acentuado aclive.

Assim que atingi o topo, principiei rapidamente a descer e, logo à frente, avistei um enorme caminhão encalhado, atravessado na estrada, obstruindo o trânsito de veículos. 

Porém, a pé, foi possível ultrapassá-lo, ainda que com muito cuidado.

Sozinho, em plena escuridão, tive um sobressalto, que me fez estacar emocionado. 

De longe, lá para a outra banda da estrada, vinha a música maravilhosa, saudosa, deliciosa, um som familiar, que me comoveu! 

Era o cantar de um galo solitário e madrugador, que saudava a aurora iminente. 

    Em surdina, recitei os versos do Catulo:

        “Coisa mais linda

              neste mundo não existe, 

                  do que ouvir-se um galo triste,

                      no sertão se faz luar...” 

Naquela solidão, minhas palavras soavam falso, como se outrem as pronunciasse, pois, embevecido, pensava não haver coisa mais singela do que o canto daquela ave, anunciando-me a existência, próximo dali, de algum lar acolhedor.

Foram momentos efêmeros, pois, a descida prosseguiu intermitente e o dia foi, lentamente, clareando, mostrando que eu caminhava por um roteiro intensamente arborizado, sendo, em alguns locais, de mata fechada.

Uma neblina muito leve velava a paisagem, adelgaçando-se aqui e ali, deixando ver os capões de mato ou as árvores maiores, contudo, adensando-se nas baixadas, impedindo a vista além de poucos metros.

Mais à frente, defronte uma fazenda, uma vaca extraviada no caminho me colocou de sobreaviso, então, cuidadosamente, consegui ultrapassá-la, ainda que com bastante receio, face a descomunal dimensão de seus chifres.

Bandos de baitacas, araçaris, periquitos e tuins, passavam em algazarra e pousavam em arvoredos próximos, enchendo de gritos e chiados agudos a mata circundante. 

 O dia tinha amanhecido de pouco, o orvalho gotejava das folhas, o ar era fino e a beatitude reinava em meu coração.

O caudaloso rio Santo Antonio me acompanhava pelo lado direito e, após grande declividade, consegui ultrapassá-lo, utilizando-me de moderna ponte de concreto.

A partir dali, iniciou-se severa ladeira, que lentamente fui vencendo, passo a passo e, finalmente, depois de cinco laboriosos quilômetros, principiei a descer. 

Em um ponto da estrada, pude admirar a grandiosidade do Cânion Bandeirinhas, situado no interior do Parque Estadual da Serra do Cipó. 

Em consonância com tal magnitude, a todo momento me surpreendia com as belezas naturais dessa região. 

Por diversas vezes, fiquei emocionado e emudecido diante da natureza exuberante do lugar.     

A vegetação que margeava o caminho continuava soberba, com passagens onde o mato era tão denso, que não me permitia ver nem ao menos o horizonte. 

Sem dúvida, um dos trajetos mais agradáveis de todo o meu roteiro. 

De quando em vez, avistava alguma fazenda, porém, apesar das áreas destinadas à pastagem, ainda havia grandes capões de mata preservada, que davam o tom à paisagem reinante. 

A topografia da região que em nenhum momento deixa de ser admirável e surpreendente, foi me levando, ora para cima ora para baixo, numa exposição sem fim de cenários maravilhosos.

No quilômetro 20, próximo a uma grande ponte de concreto, parei para lanchar sob frondosa árvore, bem defronte à entrada das fazendas Mata Cavalo e Salvador, num lugar lindo e aprazível.

Prosseguindo, depois de vencer uma pequena ladeira, comecei lentamente a decrescer, sempre em meio a muito verde. 

Mais à frente, encontrei alguns equinos caminhando em sentido contrário na estrada, contudo, temerosos ante minha presença, eles adentraram à direita, numa clareira.

Quando já havia vencido, aproximadamente, 25 quilômetros, o mototaxista que trazia minha mochila, finalmente, me alcançou.

 

Perguntou sobre meu estado físico, entregou-me algumas frutas que Dona Marília enviara, bateu uma foto e seguiu em frente.

Logo depois, no alto de uma ladeira, avistei a pequena vila de Monte do Pilar, minha meta para aquele dia.

Mais alguns quilômetros cumpridos em pronunciado descenso e, às 10 h 15 min, eu adentrava em perímetro urbano.

 Segundo o historiador local, Monsenhor Matos, a origem do município deu-se por volta de 1.701, com a descoberta de ouro na região.

Nessa época, conta-se que Gaspar Soares avistou o Alto da Canga e para lá se dirigiu.

 Instalou-se ali, então, um pequeno arraial denominado Morro de Gaspar Soares, hoje somente Morro do Pilar. 

Em 1809, o intendente Câmara (Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá) deu início à primeira fábrica de ferro do Brasil. 

Em 1814, consegue fabricar ferro líquido, dando ao município o título de "Berço da Siderurgia Nacional". 

As remanescentes ruínas da Real Fábrica de Ferro ainda documentam, de modo expressivo, o passado arrojado de industrialização. 

Esta iniciativa marcaria o empreendimento siderúrgico em terras mineiras, e teria, com a fundação da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira em 1921, a sua maior expressão.

A população desse município soma 3.800 habitantes e nos dias atuais, se ocupam, além do turismo, também, da produção de cana-de-açúcar, laranja, banana, mandioca e milho. 

Além de indústria de transformação, mineração, e cultivo de uma extensa área reservada ao reflorestamento de eucaliptos.

Ali, fiquei hospedado na Pousada das Pedras, cuja proprietária, dona Didica, é uma figura ímpar e referência no povoado. 

Infelizmente, as instalações que me foram destinadas, deixaram muito a desejar. 

Assim, dos locais em que me hospedei, foi o mais precário de todos, ensejando, com urgência, oferta de melhores opções para os caminhantes e turistas.

À tarde, visitei ao belíssimo templo dedicado à Nossa Senhora do Pilar, cuja primeira capela foi edificada em 1.701. 

Depois, aproveitei para acessar a internet e enviar notícias, bem como conhecer a saída para Itambé, local por onde seguiria na manhã seguinte.

À noite, meu programa foi degustar salgadinhos fritos na hora, por Dona Geralda, uma morrense simpaticíssima e batalhadora, pois, sozinha, atende a todos com alegria e prestatividade, em uma barraca armada ao lado da igreja matriz.

Já no quarto, pus-me a estudar o roteiro da próxima etapa. 

O sono, porém, bateu forte e me derrubou.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma jornada das mais agradáveis, com paisagens circundantes ornadas de muito verde, em quase todo o trajeto. No geral, um percurso de razoável dificuldade, pois, é necessário sobrepujar íngremes ladeiras, numa ascensão total de 600 m.

 7º dia: MORRO DO PILAR a ITAMBÉ DO MATO DENTRO – 36 quilômetros