4º dia -  DIVISA DOS ESTADOS DE MG/SP a GUARATINGUETÁ/SP – 59 quilômetros

4º dia - DIVISA DOS ESTADOS DE MG/SP a GUARATINGUETÁ/SP – 59 quilômetros

"Caminhe pelos campos e receba boas notícias. A paz da natureza fluirá para você como o sol encontra as árvores. Os ventos soprarão sua frescura sobre você e as tempestades, sua energia, enquanto as preocupações cairão por terra como folhas no inverno." (John Muir)

As planilhas da Estrada Real mensuram a distância entre as cidades de Passa Quatro/SP e Guaratinguetá/SP em 71 quilômetros, dividindo-a em duas etapas: Passa Quatro a Vila do Embaú (33 quilômetros) e Vila do Embaú a Guaratinguetá (38 quilômetros).

Como eu já havia percorrido 12 quilômetros no dia anterior e chegado até a divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo, restavam-me, aproximadamente, 21 quilômetros até a Vila do Embaú/SP.

Ocorre que nessa povoação não existe local de pernoite, portanto, o correto seria seguir até Cachoeira Paulista, onde há fartura de hotéis e pousadas.

Eu combinei com um motorista de táxi para ele me pegar às 5 h 30 min na Pousada São Rafael e, conforme a hora ajustada no dia anterior, eis que o veículo contratado estacionou do meu lado.

Quinze minutos depois ele me deixou na divisa dos Estados, local de minha partida nesse dia.

Surpreendentemente, chovia naquele horário e, após pagar o Sr. Domingos, rapidamente me abriguei sob a cobertura do bar ali existente, para embalar minha câmera fotográfica e o aparelho celular, como forma de protegê-los.

Depois, vesti minha capa de chuva e segui em direção à imagem de Nossa Senhora Aparecida fincada junto ao Mirante.

Com fervor, professei preces no local pedindo proteção em minha caminhada.

Então, com ânimo redobrado, dei início à jornada daquele dia.

O caminho é sempre em forte declive e, por sorte, a rodovia possui acostamento.

O trânsito de veículos naquele horário e, talvez, por estarmos num domingo, mostrou-se inexpressivo. 

Descendendo por asfalto, caminho insosso...

Caminhar sobre o asfalto e em franco descenso não é tarefa das mais agradáveis para um peregrino, contudo, em compensação, tinha a presença mágica da floresta ao meu redor e as paisagens deslumbrantes, com o vale ao fundo.

Nós que vivemos sob grande pressão nas cidades, à mercê da violência e de toda espécie de perigos, não temos o que reclamar.

Afinal, sempre que me disponho a entrar em contato com a natureza ela me acolhe com carinho, me revelando, imediatamente, a grande mãe que é.

E essa dose de aventura junto a ela é algo que busco sempre.

No entanto, de fato, há agruras no caminho, pois a descida faz inverter toda a musculatura das pernas, ocasionando uma maior pressão sobre os joelhos e tornozelos. 

Encontro com o totem 1231 da ER.

Assim, apesar das dificuldades, fui superando as distâncias e uma hora mais tarde, 7 quilômetros percorridos, junto ao totem nº 1231 da Estrada Real, me reencontrei com a trilha que provinha do morro à minha esquerda.

A partir dali o roteiro prosseguiu ainda pela rodovia, por mais 5 quilômetros.

Nesse trajeto passei diante de alguns estabelecimentos comerciais como um motel, um restaurante e uma pousada. 

Adentrando à direita, em direção ao bairro Brejaúva.

Então, mais adiante, numa pequena rotatória, eu deixei a rodovia SP-052 e adentrei à direita, na Estrada Municipal Passa Vinte, seguindo em direção ao bairro Brejaúva.

A chuva havia ficado para trás, eu já desvestira minha capa protetora, porém o clima prosseguiu nebuloso e hidratado.

Em determinado local, diante de um balneário, onde havia um bar, algumas pessoas bebiam junto aos seus veículos. 

Caminho plano e deserto.

Um casal me indagou para onde eu seguia e disse-lhe que ia em direção a Aparecida pagar uma promessa, como forma de me preservar.

Entretanto, não gostei da feição de outros dois indivíduos, que observavam minha equipagem com interesse e avidez.

Mais à frente, passei diante de alguns clubes, sedes de Sindicatos da região, e diversas chácaras, sempre sobre piso asfáltico. 

Roteiro belíssimo, mas com piso asfaltado.

A estrada quase toda reta e localizada entre magníficas paisagens, estava agradável e deserta, porém, logo um carro me ultrapassou, seus ocupantes me observaram fixamente e, de repente, comecei a me sentir inseguro e vulnerável.

Afinal, eu carregava todos os meus pertences na mochila, além de documentos e um pouco de numerário.

Além disso portava aparelho celular, máquina fotográfica e botas novas.

Apreensivo, fiquei a matutar o que faria se fosse rapinado por algum malfeitor, porque ficaria sem roupas, dinheiro, além de me encontrar distante do lar. 

Caminho deserto, com risco de assaltos..

E isto me infundiu tamanha inquietude, que perdi o foco em minha caminhada e só pensava em me safar dali.

Qualquer ronco de motor que eu ouvia era motivo para estresse e apavoramento.

Eu reflexionava e concluí que estava desafiando minha sorte, pois bem existe um dito popular que afirma: “Não devemos dar sopa ao azar.”

A maioria das casas por onde transitei se encontravam desertas e não observei vivalma no entorno. 

Finalmente, adentrando em caminho de terra.

Diante disso, estuguei meus passos e respirei aliviado quando, depois de ultrapassar a entrada para o Balneário Recanto da Várzea, seguindo as instruções, eu adentrei à direita, numa estrada de terra.

A partir desse local o trajeto se tornou bucólico, mas minha motivação já desvanecera. 

Ultrapassando um rio por uma pinguela de madeira.

Em determinado local, atravessei um rio por uma pinguela, depois caminhei algum tempo ao lado de grandes pastagens. 

Caminho plano e sem sombras.

E, sem maiores sustos, graças ao bom Deus, depois de percorrer 21 quilômetros, cheguei a Vila do Embaú, cuja sede é Cachoeira Paulista. 

Uma leve garoa me apanhou nesse trecho..

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição, paróquia do bairro, um dia já foi matriz da cidade, só que não de Cachoeira Paulista, mas sim da não mais existente cidade do Embaú.

Este pequeno lugarejo, afastado da região central de sua sede, já foi uma cidade.

Na verdade, houve época em que ela chegou a ter status de Vila, porém com a decadência da era do café na região a cidade acabou por deixar de existir e passou a ser apenas um bairro.

Uma curiosidade é que a cidade de Cruzeiro surgiu em uma área que pertencia a extinta cidade do Embaú, que no século passado foi trocada com Cachoeira Paulista pela área onde hoje é o bairro do Itagaçaba.

A igreja e algumas construções do bairro ainda tem os traços arquitetônicos da época do seu auge. 

Transitando pela Vila do Embaú.

Em termos históricos, sabe-se que, exatamente aqui parou um dia, numa espécie de concentração, toda a expedição de Fernão Dias Paes, temerosa, cheia de expectativas.

Eram centenas de pessoas, uma multidão de gente corajosa.

Ele deve ter ficado algum tempo medindo de longe as montanhas, avaliando como seria feita a passagem pela Garganta do Embaú.

A partir deste exato local, a imaginação de todos os aventureiros daquela época começava a se povoar com imagens amedrontadoras.

Florestas impenetráveis, mosquitos que transmitiam febres letais, animais peçonhentos de toda a espécia, a fome, tudo envolto em denso nevoeiro que escondia, além desses, o perigo maior: o goianá, legítimo dono da terra, com suas flechas certeiras.

Com o experiente sertanista, que naquele ano de 1674 tomava o mesmo rumo de seus antecessores, seguiam também Manoel Borba Gato, seu genro; Garcia Rodrigues Paes, filho primogênito e José Dias, um filho bastardo.

O que terá passado na cabeça do bandeirante maior, comandando tantas pessoas, e tendo à sua frente tamanho desafio?

Que forças misteriosas serão essas, que movem tão diferentes pessoas a seguir em busca de seus sonhos?

O que terá levado os navegantes do século XV a desafiarem o “mar oceano” ou os astronautas a irem à lua?

Com certeza, alguma coisa muito maior que um punhado de pedras verdes ou uma pepita de ouro... 

Vila do Embaú, parte central.

Atualmente, nesse local há bares, mercadinhos e restaurantes, mas não há opção para pernoite.

Diante disso, resolvi dar por encerrada a etapa daquele dia e me postei diante de um abrigo para aguardar o ônibus que faz a linha bairro/cidade, que ali passa de hora em hora, para seguir à Cachoeira Paulista, onde pretendia pernoitar.

Como eu ainda aguardaria 15 minutos pelo coletivo, sentei num banco adiante para fazer pequeno curativo no pé esquerdo.

Um senhor se aproximou, perguntou sobre minha jornada, depois passou a discorrer sobre o trajeto da Estrada Real daquele local até Guaratinguetá, pois era nativo daquele povoado.

Uma parte daquilo que ele me contou eu já sabia, qual seja, eu caminharia cinco quilômetros pela rodovia, depois adentraria à direita em uma estrada vicinal de terra.

Ocorre que nos primeiros cinco quilômetros há intenso tráfego de caminhões, por conta da existência de um Porto de Areia junto ao rio Paraíba do Sul. 

Imagem de Nossa Senhora fincada na saída da Vila.

Posteriormente, eu transitaria pela periferia da cidade de Canas e de Lorena para, em seguida, adentrar em asfalto, passando por bairros que pertencem a Guaratinguetá.

Segundo sua visão, posto que tinha trabalhado a vida toda na região, eu seria uma presa fácil para um bandido.

E, infelizmente, havia muitos deles assaltando desavisados pelas redondezas.

As assertivas do Sr. Carlos eram coerentes, estribadas no bom juízo e eu ponderei seguir seus conselhos.

Dessa forma, resolvi abortar o trajeto sequente e como o ônibus que eu aguardava já havia passado pelo local, resolvi seguir adiante a pé mesmo. 

Igrejinha da Vila do Embaú, de 1787.

Despedi do bom amigo, depois atravessei a pequena vila, muito próximo da capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição, cuja inauguração ocorreu em 1787.

Mais adiante, acessei uma trilha inserta num pasto, num traçado retilíneo, fazendo-me evocar a história de que por ali já tinham passado bandeirantes como João Ramalho, Brás Cubas e Anhanguera, e aventureiros como Bento Rodrigues, Jacques Félix e Amador Bueno da Veiga. 

Caminho ermo nesse trecho final.

Um mil e quinhentos metros adiante eu acabei por confluir com a rodovia e pelo acostamento segui caminhando até Cachoeira Paulista. 

Ultrapassando o rio Paraíba e adentrando em Cachoeira Paulista.

Na rodoviária, embarquei num ônibus e uma hora mais tarde estava em Guaratinguetá.

Ali fiquei hospedado no Kafé Hotel, onde desembolsei R$120,00 por um excelente quarto individual.

Para almoçar, utilizei os serviços do Restaurante e Churrascaria Minuano, de qualidade superior tanto na refeição quanto no preço.

Pelos meus cálculos, nesse dia caminhei 29 quilômetros, desde a divisa dos estados até a cidade de Cachoeira Paulista/SP.

E, embora me sentisse de certa forma omisso e decepcionado com minha decisão de não percorrer o trecho compreendido entre as localidades de Vila do Embaú e Guaratinguetá, não me arrependi, em momento algum, desse ato, afinal, o que estava em jogo era a minha higidez e segurança.

Isto resolvido, e sem maiores delongas, passei a estudar a planilha da etapa sequente.

O município de Guaratinguetá é um dos mais importantes do Vale do Paraíba, possuindo importância turística, industrial e comercial, contando com 120 mil habitantes.

Guaratinguetá é uma palavra de origem tupi-guarani: guará=garça, tinga=branca, eta=muito, que significa “Muitas Garças Brancas”.

O dia 13 de junho de 1630, data dedicada ao Santo Padroeiro, marca a fundação de Guaratinguetá, pela construção da capela "erguida em palha e parede de mão".

Em 1717, a imagem enegrecida de Nossa Senhora da Conceição foi encontrada por pescadores nas águas do Rio Paraíba, dando origem à cidade de Aparecida.

Em 1739, nasce aquele que, em 25 de outubro de 1998, torna-se o primeiro santo brasileiro: Frei Antônio de Sant’Anna Galvão, canonizado em 11 de maio de 2007, pelo Papa Bento XVI.

Em 1844, Guaratinguetá é elevada à categoria de cidade.

Em 7 de julho de 1848, nasce Francisco de Paula Rodrigues Alves, futuro Conselheiro e Presidente da República (eleito duas vezes).

O ano 1885 marca o auge da produção cafeeira e 1877 torna-se marco divisor da história, com a chegada da Estrada de Ferro que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.

Localizada às margens da Rodovia Presidente Dutra, a 163 km da Capital de São Paulo e a 237 km da Capital do Rio de Janeiro, o município é servido ainda por uma malha de modernas estradas que dão opções de acesso à capital paulista e também levam a portos, a aeroportos, à Serra da Mantiqueira (como Campos do Jordão) e às praias do Litoral Norte.

A cidade ainda possui um aeroporto próprio, o Edu Chaves, administrado pela Escola de Especialistas de Aeronáutica, localizada na cidade.

Além disso, a cidade é cortada pela Rede Ferroviária Federal e disponibiliza um ramal da linha férrea no Distrito Industrial, no bairro Engenheiro Neiva, para atender as empresas instaladas no município.

 

Igreja matriz de Guaratinguetá.

Após uma soneca retemperadora, fui visitar e fotografar a igreja matriz da cidade, cujo padroeiro é Santo Antônio.

De se lembrar que nela foi batizado São Frei Galvão, nascido na cidade, onde celebrou sua primeira missa, em 1762.

A belíssima Catedral tem estilo arquitetônico predominantemente barroco, e seu perfil externo é recortado por coruchéus em forma piramidal.

Tratando-se do monumento mais antigo da cidade, seu tombamento se deu pela Lei Municipal n.º 177, de 26 de junho de 1952, que a declara “obra de valor histórico como monumento da fundação de Guaratinguetá”.

Visita à casa e museu de Frei Galvão.

Na sequência, fui visitar a casa de Frei Galvão, que eu já conhecia, porque nela estivera no encerramento do Caminho de Frei Galvão, cujo trajeto eu percorri em dezembro de 2011.

Em visita ao Museu Frei Galvão, observei uma folha emitida pela coletoria, onde consta a taxa que uma senhora pagou por possuir dois escravos. 

Visita à casa e museu de Frei Galvão.

Vi também uma telha francesa original, de 1890, onde se pode ler: Arnaud Etiene & Cie. - Marselle – France.

Uma pedra-pilão, com soquete e tudo, usada pelos índios Puri, procedente do sítio arqueológico da região de Roseira, onde foram encontrados vários objetos indígenas, a maioria em pedra, como machadinhas e pontas de lança. 

Visita à casa e museu de Frei Galvão.

Há grande quantidade de cachimbos e outros objetos em cerâmica, encontrados ao longo do rio Paraíba, incluindo uma urna funerária indígena.

Em uma vitrine há farto material remanescente da Revolução de 1932, a exemplo do que ocorre em Cunha. 

Visita à casa e museu de Frei Galvão.

São rifles, capacetes, munição, uniformes, bandeiras, certificado de doação de ouro, faixas, cintos de couro, bolsas, dinheiro da época, fotos de famílias e até um aparelho “laminador de ouro”, movido a mão.

Visita à casa e museu de Frei Galvão.

Pelas planilhas disponibilizadas pelo Instituto da ER, a distância entre Guaratinguetá e Cunha seria de 52 quilômetros, qual seja, muito extensa para ser percorrida numa única pernada.

Mormente, para quem quer fotografar e desfrutar do roteiro, como no meu caso.

Dessa forma, resolvi dividi-la em duas etapas, finalizando a primeira delas no Hotel São Francisco e, depois, retornando a Guará.

Como desconhecia se havia transporte público ligando as duas cidades, contratei um taxista para ir me buscar, assim que lá aportasse.

Tudo resolvido, ingeri um frugal lanche numa padaria e, depois, como de hábito, me recolhi cedo.

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma etapa tensa e desgastante, principalmente, no plano mental, pelo risco que corri em termos de assalto. Foi frustrante não conhecer a trilha que desce a serra da Mantiqueira, mas preferi abortar tal trânsito, por conta dos riscos físicos inerentes. Nesse dia, dos 29 quilômetros percorridos, 24 deles foram sobre piso asfáltico, um tormento para os pés do caminhante. No global, uma etapa decepcionante, porque, praticamente, toda urbanizada, envolvendo riscos de violência e atropelamentos.

RESUMO DO DIA:

Tempo gasto, computado desde a divisa dos Estados de MG e SP até Cachoeira Paulista/SP: 7 h;

Clima: Chuvoso no início, depois ensolarado até o final da jornada.

Pernoite no Kafé Hotel, em Guaratinguetá: Apartamento individual, excelente – Preço: R$120,00, com café da manhã;

Almoço no Restaurante e Churrascaria Minuano: Espetacular! O melhor de todos! – Preço: R$65,00 o quilo, no sistema Self-Service.

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