4º dia: ITAPANHOACANGA a CÓRREGOS: 25 quilômetros

Como de costume, levantei-me cedo, tomei o café que a Érica já deixara preparado desde a noite anterior e, exatamente, às 5 h 30 min, sob intenso frio e densa cerração, deixei a pousada e, por ruas fracamente iluminadas, caminhei em direção à saída do povoado.

Logo encontrei o primeiro marco da Estrada Real e, ainda no escuro, segui em frente por uma estrada larga e cascalhada, amparado pela minha fiel lanterna. 

À claridade indecisa da madrugada, vi lentamente a paisagem difusa se desenhar, criar relevo, destacarem-se os troncos, recortar-se no cinza azulado do céu a copa das árvores. 

Pude, então, perceber, que estava trilhando, sempre em perene ascensão, numa área aberta e muito arborizada.

Que alegria sentia ao aspirar o ar fresco e embalsamado da floresta, enquanto uma fresca brisa me acariciava a fronte, ao mesmo tempo em que galgava, estoico, o contraforte de alcantilado morro.

Num pequeno platô, fui subitamente arrancado de minhas divagações, pois, uma perua escolar me alcançou e seu condutor sorrindo, gentilmente, me ofereceu uma carona, ao menos até o final das serras, como explicou, porquanto, segundo ele, eu ainda enfrentaria três colinas logo à frente.

Apesar da rudeza do trajeto e de já estar suando em bicas, agradeci-lhe a oferta, e ele seguiu em frente, algo contrafeito.

Assim, por cinco quilômetros, labutei para vencer íngremes ladeiras, porém, a paisagem que se delineava ao derredor era de encher os olhos, e a todo momento agradecia a Deus por estar ali, solitário, contemplando beleza inigualável.

No cume da última elevação, parei e retirei a blusa, pois, transpirava abundantemente e, apesar do ar gélido reinante, eu me sentia extremamente aquecido. 

Aproveitei, ainda, a pausa, e tomei água, ingeri algumas frutas, relaxei e pude apreciar a belíssima paisagem circundante.

 Depois, prossegui animado e, logo abaixo, deixei, à esquerda, a portentosa Serra de São José.

Mais adiante, no quilômetro sete, numa bifurcação, prossegui à esquerda, pois, o outro tronco seguia em direção à Escadinha, diminuta povoação que eu já avistava abaixo, ao longe, encravada no sopé da montanha.

A partir dali enfrentei novamente outra escarpada ladeira, num percurso silencioso, bruto, selvagem, deserto, e no final do nono quilômetro, a subida chegou ao fim e o cenário revelou-se majestoso. 

No horizonte, montanhas, vales, florestas.

 Efetivamente, dali se descortinava uma paisagem admirável, num giro de 360º, podendo-se avistar, ao longe, as serras do Espinhaço, do Intendente e a de São José, todas encobertas por um mar de nuvens. 

O visual, era, simplesmente, cinematográfico. 

Sem dúvida, uma imagem do paraíso na terra. 

A partir daquele marco, iniciou-se gradativa declividade, primeiramente, de maneira brusca, em acidentada ladeira. 

Depois, prossegui em suave descenso, por uma bucólica estradinha, em meio à abundante mata nativa que era recortada em toda sua imensidão, por inúmeros regatos encachoeirados e murmurantes.

A paisagem nesse trecho é deslumbrante, pois a mata nativa se exibe em seu estado original. 

O ambiente é mágico e o oxigênio ali inspirado, de tão puro, chegava a queimar os pulmões. 

Do meu lado direito, em certo ponto da descida, havia uma cascata cuja beleza atraiu meu olhar. 

Entre as gargantas de pedra ia decaindo, fazendo barulho, levando sua água fresca entre a fechada mata que cobria todo o morro.

Foi um percurso agradabilíssimo e quando atingi o plano, numa bifurcação, segui à esquerda, conforme determinava o tótem da ER ali fincado. 

E, às 8 h 30 min, adentrava ao pequeníssimo povoado de Santo Antonio do Norte, conhecido como Tapera.

Fiz rápida visita à igrejinha dedicada à Santo Antonio. 

Em seguida, comprei água num bar local, tomei informações e prossegui, pois, o sol inclemente, já principiava a incomodar.

Depois de ultrapassar um riacho sobre uma estreita ponte de madeira, acessei larga e pedregosa estrada, situada entre imensas fazendas de criação de gado, numa paisagem campestre e encantadora.

Mais adiante, encontrei grande plantação de café, a primeira que avistava desde minha saída de Diamantina. 

Alguns trabalhadores se dirigiam para a colheita desse fruto, assim, fui conversando com um deles sobre sua duríssima luta diária.

A estrada era integralmente plana, apesar de estar ladeada por alguns morros onde notei muito gado pastando. 

O cenário era tranquilo e a trilha passava macia sob meus pés, pontilhada por entradas de sítios e fazendas. 

Eu prossegui enlevado, marchando com passos firmes, sobre o mesmo chão socado, que um dia pisaram os bandeirantes com destino às pedras preciosas e ao ouro de Minas Gerais. 

O trecho todo está muito bem sinalizado e apresenta poucas alterações altimétricas, de forma que caminhei durante todo o trajeto num ritmo constante e confortável.

Finalmente, às 10 h 30 min, atravessei uma grande ponte sobre o caudaloso rio Santo Antônio e, minutos depois, adentrava em perímetro urbano.

Logo avistei a graciosa igrejinha dedicada a Nossa Senhora Aparecida, cuja construção data de 1.745 e, em sequência, me hospedei na Pousada Estrada Real, que, apesar de estar situada numa diminuta povoação, apresenta estrutura de cidade grande.

Curiosamente, sua sólida edificação disponibiliza 18 quartos para pernoite, além de oferecer sauna e piscina aos hóspedes, um luxo, se compararmos a outros estabelecimentos do gênero que vivenciei em localidades de mesmo porte.

No entanto, comecei a me preocupar, pois, o mototaxista contratado para trazer minha mochila, ainda não havia aparecido. 

Qual seria o motivo? 

Inconscientemente, meus pensamentos entravam em devaneios sem encontrar uma justificativa para seu atraso.

Enquanto raciocinava sobre qual providência tomar, eis que ele, esbaforido, chegou. 

Desculpou-se e disse que havia passado por maus bocados no cume da montanha, pois, em alguns locais precisou desmontar e empurrar cuidadosamente sua moto, em face da precariedade das trilhas, coisa que eu já sabia, porquanto vira aquilo, “in loco”. 

Córregos é considerado o distrito mais antigo do município de Conceição do Mato Dentro. 

Fundado por bandeirantes em 1702, o velho povoado serviu como núcleo de mineração do ouro e do diamante no início de sua formação. 

Situado num vale, seu casario tipicamente colonial é distribuído em uma pequena praça e apenas uma rua empedrada, com calçadas toscas, onde sobressaem estruturas de madeira, próprias para amarrar animais. 

De ambos os lados, avultam casas térreas, algumas assobradadas, porém, todas simples e antigas. 

Pelas informações obtidas, sua população está estimada em 500 pessoas e se mantêm hoje, da atividade agrícola, principalmente do cultivo de cereais.

 Na Pousada fui atendido por dona Gleice, pois, o proprietário, Sr. Francisco, se encontrava em Belo Horizonte. 

Ela me preparou as refeições e, posso afirmar gratificado, que estavam deliciosas.

Mais à tarde, saí providenciar a compra de água e frutas. 

Depois, fui conhecer o local por onde deixaria a povoação no dia seguinte, pois, pretendia partir bem cedo.

Enquanto lá estava, próximo ao cemitério local, observei um cortejo fúnebre que vinha naquela direção, com inúmeras pessoas se revezando no transporte do ataúde, porquanto, pelo que fiquei sabendo, o falecido fora pessoa muito benquista na comunidade local. 

E, embora estivesse residindo em Belo Horizonte, deixara consignado à família que gostaria de ser sepultado naquele distrito.

Num bar local, parei para experimentar a famosa “branquinha” da região. 

E, mais uma vez, fui agraciado com o carinho e a hospitalidade do povo mineiro, pois, todos queriam conversar comigo, saber minha procedência, família, notícias.

 Enfim, passei uma hora bastante agradável, mais, ainda, porque tive como companhia a cachorrinha “Pimenta”, que pertence ao Sr. José, o proprietário daquele estabelecimento.

Já na Pousada, fui premiado com um excelente jantar e, logo em seguida, me recolhi, pois, estava deveras cansado, porquanto vivenciara um dia de grandes superações, além de conquistar imorredouras amizades.

IMPRESSÃO PESSOALUma jornada que merece atenta reflexão, pelo primeiro trecho entre Itapanhoacanga e Tapera. Sem dúvida, foi o mais bruto e silencioso de todo o Caminho. Inicialmente, pelo sensível aclive a ser vencido até o quinto quilômetro. Na sequência, após deixar o povoado de Escadinha, à direita, no sétimo quilômetro, o roteiro se torna selvagem, deserto e extremamente acidentado. Enquanto estive nesse trajeto, não vi pessoas ou animais, bem como nenhum veículo motorizado me ultrapassou. Ainda, meu aparelho celular estava mudo, assim, se eventualmente sofresse algum acidente ou necessitasse de ajuda, teria que aguardar, pacientemente, até alguém aparecer. Nesse contexto, recomendo, que não seja esse percurso percorrido por um caminhante inexperiente ou, então, por pessoa despreparada física ou emocionalmente. Quanto à segunda etapa, mais especificamente, de Tapera a Córregos, nada a acrescentar além do relatado, qual seja, tranquilo e plano, um dos mais fáceis e agradáveis de todo o Caminho.

5º dia: CÓRREGOS a CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO: 24 quilômetros