4º dia: AIURUOCA à CACHOEIRA DOS GARCIAS – 14 quilômetros

4º dia: AIURUOCA à CACHOEIRA DOS GARCIAS – 14 quilômetros

Anjo do dia: NITH-HAIAH - Significado do nome: Generosidade de Deus”

Aparentemente, pela quilometragem do percurso do dia, seria uma jornada bastante tranquila.

Assim, resolvemos sair mais tarde que nas jornadas anteriores, com o dia claro.

Porém, como meu relógio biológico já está padronizado, levantei cedo e, preocupado, verifiquei que meu olho esquerdo se encontrava vermelho, lacrimejante e coçando muito.

Imediatamente, me veio à cabeça o diagnóstico: eu adquirira uma conjuntivite e, o pior, ficaria dois dias pernoitando em locais ermos e distantes de cidades.

Assim, o que fazer?

Igreja Matriz de Aiuruoca/MG.

Em princípio, o lógico seria esperar até 8 horas e, com o comércio aberto, ir até uma farmácia e adquirir colírio específico para debelar a infecção.

Ocorre, que tal medicamento exigiria prescrição médica, e consulta a um oftalmologista, o que naquela localidade estava fora de cogitação.

Como medida profilática, pinguei um colírio hidratante que havia levado em meu “kit” de primeiros socorros.

Mais tarde, enquanto tomávamos o café da manhã, expliquei à Célia o meu problema e pedi sua opinião sobre como deveríamos proceder.

Ela também se encontrava com os dois olhos congestionados, e apostou que a vermelhidão seria por conta da poeira que eu aspirara no dia anterior, e que também agredia a nossa visão.

Recomendou-me fazer compressas com água fria, providência que envidei na sequência.

Sentindo-me recuperado, resolvi apostar na presciência de minha amiga peregrina que, como confirmei à noite ao repetir o tratamento, se revelou correta.

Assim, determinados, deixamos o local de pernoite às 6 h 50 min, passando, logo em seguida, defronte à igreja matriz da cidade.

Seguindo as flechas verdes e amarelas, contornamos a praça central e acessamos a rua Antônio Guimarães, prosseguindo, agora, em constante ascenso.

Mais acima, passamos a caminhar sobre terra e, dois quilômetros vencidos, acabamos por sair na rodovia que segue em direção à Caxambu.

Observando à minha esquerda, já tinha uma visão privilegiada do imponente Pico do Papagaio, que iríamos ladear nesse dia, pela sua outra face.

Duzentos metros depois, adentrei à esquerda, numa estrada de terra que, por sorte, não apresentava nenhum movimento de veículos.

O Caminho prosseguiu sempre em leve ascensão, mas, fresco e com belas paisagens de ambos os lados.

Um banco de maritacas corta o céu azul, sobre minha cabeça.

No céu azul, muitos pássaros cruzavam sobre minha cabeça, alguns com estridência, como um bando de maritacas que consegui fotografar.

O aclive foi se acentuado e, vencidos 7 quilômetros, alcançamos o início do calçamento do Parque Estadual da Serra do Papagaio.

No local há uma bifurcação, mas, atento à sinalização segui à direita e, logo acima, fiz uma pausa para hidratação e descanso, enquanto aguardava pela chegada da Célia.

Novamente recuperados, iniciamos a ascensão que, em alguns trechos, é bastante íngreme.

De quando em vez, o caminho se aplainava, então, prosseguíamos em terra, vez que as pedras estão assentadas nos locais de maior inclinação.

No Caminho para a Pousada Canto da Bromélia, em Aiuruoca/MG, num trecho duríssimo de serra.

Pelo lado esquerdo, o Pico do Papagaio prosseguia a nos ladear.

Outra visão do Pico do Papagaio, agora já do seu lado esquerdo.

Observando à direita, a paisagem que se descortinava era de estonteante beleza.

Seguíamos lentamente, aspirando o ar puro da montanha, e desfrutando do verdejante entorno, um benesse oferecido gratuitamente a caminhantes destemidos e ousados.

Em determinado local, o caminho novamente se bifurcou, sendo que à esquerda ele segue em direção ao bairro de Joaquim Bernardo, um local pleno de atrações e moradias.

Por sinal, ele faz divisa com o Vale do Matutu (“cabeceiras sagradas” em linguagem indígena), um dos locais mais famosos da região, que é abastecido pelo Ribeirão Água Preta, e nele já foram identificadas 293 espécies de aves.

Conta-se por lá que ainda existem onças e felinos menores.

As árvores nativas são a Araucária (em processo de replantio de 5 mil mudas ao ano), o guatambu, cedro, jacarandá, pitanga e ipê.

Antigamente o Caminho dos Anjos passava por lá.

Ele está situado no município de Aiuruoca, sul de minas, dentro da APA - Mantiqueira (Área de proteção ambiental).

Lá, encontra-se a fundação Matutu, uma comunidade praticamente auto sustentável, que tem uma proposta de vida harmônica com a natureza, criando condições para a realização espiritual, social e econômica de seus indivíduos e possibilita a multiplicação dessa iniciativa.

Abaixo, caminho que desce para o Vale do Matutu. Ao fundo o Pico do Papagaio.

A comunidade foi fundada em 1984 quando uma grande fazenda foi desmembrada para acolher pessoas movidas pelo mesmo ideal.

A área totaliza 3.000 ha e conta com cerca de 140 pessoas, conservando e preservando o meio ambiente.

Devido ao bom gerenciamento da área, a entidade conseguiu junto ao IBAMA, a criação da APA, que faz divisa com o Parque Estadual do Papagaio.

O papagaio nativo dessa região era o Cabeça Roxa, que não existe mais, contudo, o local ainda é habitado por inúmeros pássaros, transformando o amanhecer, o entardecer e quase todo o dia num redescobrir de pios e cantos infinito.

O PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO PAPAGAIO

Por suas características de geomorfologia, riqueza e diversidade biológica, a Serra do Papagaio abriga as principais fontes de água que alimentam as bacias hidrográficas dos rios Aiuruoca e Verde, contribuintes da bacia do Rio Grande.

Somando estes atributos ambientais à sua beleza cênica, a FEAM criou a Estação Ecológica do Papagaio em 1990, transformada pelo IEF em Parque Estadual pelo Decreto Estadual nº 39.793, de cinco de agosto de 1998.

O Parque Estadual da Serra do Papagaio, com uma área de 22.917 ha, localiza-se na região do rebordo ao norte do Maciço do Itatiaia, alto rio Grande, no sul de Minas Gerais, abrangendo os municípios de Aiuruoca, Alagoa, Itamonte, Pouso Alto e Baependi, estando inserido na APA da Mantiqueira.

Com altitudes que variam entre 1200 m e 2360 m, o Parque possui áreas remanescentes de mata atlântica e campos de altitude, estando inserida na zona núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.

A Serra do Papagaio, por estar situada no corredor sul da Mata Atlântica e por apresentar remanescentes florestais com alto grau de conectividade, representa uma importante matriz de espécies raras e endêmicas, sendo que muitos dos seus ecossistemas servem de abrigo para animais ameaçados de extinção como o papagaio-de-peito-roxo, o urubu-rei, a onça-pintada, o mono carvoeiro e o macaco sauá.

A região, formada pelas bacias hidrográficas dos rios Aiuruoca e Verde, caracteriza-se pela economia predominantemente rural tradicional, pouco diversificada e baseada na agropecuária, com padrões de renda e produtividade relativamente baixos.

A beleza e tranquilidade da região da Serra do Papagaio atraíram, nos últimos vinte anos, pessoas de origem predominantemente urbana que vieram viver ou instalar sítios de lazer.

Embora exista uma mentalidade conservacionista, a subdivisão das fazendas em sítios e a construção de novas residências e meios de hospedagem sem planejamento vêm causando o adensamento populacional e construtivo, gerando um novo tipo de pressão sobre os ecossistemas locais e modificando a paisagem da região.

O adensamento da ocupação humana e da visitação turística na região é uma tendência e uma realidade, e estes fatos, que se repetem por toda a região, trazem a necessidade premente de um planejamento ambiental e de um ordenamento territorial, a fim de garantir a integridade dos ecossistemas e da paisagem local, considerando-se sua inserção na APA da Mantiqueira, no interior e no entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio - PESP.

Por outro lado, a falta de novas opções econômicas e de programas educacionais direcionados, ocasiona a manutenção de práticas tradicionais como as queimadas nos campos de altitude, a caça e a retirada de produtos florestais na região do parque e suas imediações.

A apresentação de novas alternativas econômicas para a região, voltadas para o turismo sustentável, e até mesmo para a produção e aproveitamento econômico de novas espécies vegetais tradicionalmente utilizadas, poderão motivar positivamente estas comunidades, criando um entorno de proteção efetiva ao Parque.

Este direcionamento poderá criar um ambiente favorável para a consolidação e ampliação dessas iniciativas, atendendo à necessidade urgente de gerar uma nova perspectiva, no processo de instalação da Unidade de Conservação, junto às comunidades do entorno.

A aplicação das novas diretrizes de gestão ambiental em unidades de conservação por meio de parcerias têm, na região da Serra do Papagaio, um desafio e uma oportunidade para viabilizar alternativas de conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável em Minas Gerais.

(Fonte: www.serradopapagaio.org.br)

Prosseguindo, mais acima a estrada passou a ser plana, e com o sol já incomodando, fizemos outra pausa para hidratação.

E, às 10 horas, sem maiores complicações, chegamos à Pousada Canto das Bromélias, local de nosso almoço nesse dia.

Ali fomos recebidos efusivamente pela Ana, que logo retornou aos seus afazeres no fogão, nos garantindo que a refeição estava bem encaminhada e que seria servida, pontualmente, às 11 horas.

Para passar o tempo, dei um demorado giro por aquele local privilegiado, aproveitando para fotografar, com mais intensidade, o Pico do Papagaio que se delineava no horizonte, à minha frente.

Vista do Pico do Papagaio, desde a Pousada Canto da Bromélia, em Aiuruoca/MG.

Na verdade, assim que deixássemos aquele lugar abençoado, não o veríamos mais, pois ele ficaria sobreposto atrás da cadeia de montanhas que lhe faz companhia.

Naquele local, estávamos a 1640 metros de altitude, e um vento frio logo obrigou-me e vestir o casaco que havia tirado logo na chegada.

Meia hora mais tarde, chegou o Dadá, marido na Ana, que trabalha como guia nas montanhas e, passamos um bom tempo em agradável palestra.

O tema, como de se supor, girou em torno de natureza, conservação, ecologia, assuntos que ele bem conhece, pois além de viver naquele local privilegiado, se formou na Faculdade de Turismo de São Lourenço.

Vista do Pico do Papagaio, desde a Pousada Canto da Bromélia, em Aiuruoca/MG.

Segundo me contou o Alexandre Gaspar, o responsável pelo Caminho dos Anjos, futuramente o pouso dessa etapa poderá ser feito também nessa Pousada.

Que, por sinal, foi construída com muito esmero e possui decoração e móveis práticos e de muito bom gosto.

O Dadá é proprietário de alguns cavalos, e sempre está levando grupos de turistas até o cimo do Pico do Papagaio, montados nos animais.

Segundo ele, o trajeto tem 13 quilômetros e é vencido em aproximadamente 2 h 30 minutos.

Sinceramente, fiquei tentado pela aventura e, quiçá, num futuro próximo, não retorne à àquele paraíso ecológico para intentar tal passeio.

Com o Dadá e a Ana, os simpáticos proprietários da Pousada Canto da Bromélia, em Aiuruoca/MG.

O almoço foi supimpa e, finda a lauta refeição, nos despedimos do casal e prosseguimos nosso caminho.

Que, na verdade, seria pouco extenso, apenas 3 quilômetros, até a Pousada do Juninho, onde iríamos pernoitar nesse dia, uma casa verde que avistávamos de lá, ao longe, perdida no meio de extenso bosque, e colada a um paredão rochoso.

Ao longe e ao fundo, uma casinha verde, nosso destino nesse dia.

Para tanto, seguimos o roteiro sinalizado, porém, acolhendo a sugestão do Dadá, logo após uma porteira, nós derivamos à esquerda e prosseguimos por uma trilha bem demarcada, dentro de densa mata.

Foi um passeio agradável e logo avistamos a Cachoeira dos Garcias, uma cascata com 30 metros de altura, com bom poço para banho e muito visitada por turistas nos finais de semana.

Recentemente, ela foi eleita uma das cachoeiras mais bonitas do Brasil pelo Guia Quatro Rodas.

Ao fundo, a soberba Cachoeira dos Garcias.

Seu caudal é abastecido pelo Ribeirão do Papagaio, que forma, em sequência, várias outras cachoeiras, como a do Zé Pedro, Esperança, Tiziu, e Poço do Joaquim Bernardo (todas interligadas por trilhas).

Prosseguimos ladeando um profundo cânion, por onde corre a água do rio e, logo adiante, obtivemos uma visão privilegiada, bem de perto, da famosa queda d'água.

A Cachoeira dos Garcias, numa visão mais próxima.

E, após transpor uma ponte, chegamos à Pousada do Juninho, sendo muito bem recebidos pela Renilda, sua esposa.

Ele chegou um pouco mais tarde, em seu potente Jipe Troller, vez que tinha ido buscar nossas mochilas em Aiuruoca.

Convidou-nos a conhecer a cachoeira de perto, oferecendo-se para nos guiar por uma trilha até o local de sua queda, para um mergulho, porém, naquele dia eu já esgotara minha cota de aclives e declives, de forma que optei por descansar.

Além do mais, a água deveria estar frigíssima, pois estávamos no final do mês de junho.

Assim, optei por um cochilo e quando acordei, fui dar um giro pelas imediações, e pude respirar um ar puríssimo, vez que aquele paraíso verde está situado a 1750 metros de altitude.

Por algum motivo, comecei a me divertir com um pensamento absurdo.

Pousada onde pernoitamos nesse dia.

Muito além daqueles morros e rios existia um mundo “real” de burocratas, presidentes, chanceleres, mercados de ações, semáforos, alta-costura, lançamentos de filmes, novidades gastronômicas.

Por mais que tenhamos passado nossa vida toda nesse espaço, por mais intensamente que nos tenhamos adestrado em seus ritmos vertiginosos, naquele santuário ecológico onde eu me encontrava, ele não era mais que uma abstração.

Fora de alcance, pois já não me atingia mais.

E para quem está a mais tempo que eu nos Caminhos, certamente essa é também uma realidade incompreensível.

Local de expressiva beleza, cercado por mata nativa por todos os lados.

Mais tarde, o Juninho ligou o gerador, movido a gasolina, e foi possível tomar banho quente, bem como carregar a bateria do celular.

O jantar foi servido mais tarde, à luz de velas, pois naquele lugar não existe ainda luz elétrica.

A casa é simples, mas acolhedora, e foi edificada num platô, ao lado da extensa floresta nativa.

Pousada onde pernoitamos nesse dia.

Para se movimentar no quarto ou banheiro, é necessário acender velas.

No meu caso, por sorte, tinha a lanterna para auxiliar.

Ainda ficamos um tempo ao redor do fogão de lenha, colocando a conversa em dia, trocando informações.

Porém, logo o sono e o frio bateu forte e fui dormir, decisão também tomada pelos demais.

Comida preparada no fogão à lenha e jantar a luz de velas.

Não sem antes me cobrir com 3 cobertores, pois a temperatura deveria estar na marca de 10 graus e prometia cair mais durante a noite.

Antes de conciliar o sono ainda fiquei um bom tempo a repensar minha estadia naquele local, distante de todas as mazelas da civilização.

Ali eu tinha o privilégio de poder ouvir o nada ou tudo o que a natureza quisesse que eu escutasse, como o vento, os pássaros e os ruídos não identificados, que vinham de dentro da mata fechada, e que certamente eram causados por seus próprios moradores: os animais selvagens.

O importante em uma travessia como esta, é que você começa a valorizar as coisas comuns.

Não se lembra dos problemas e consegue superar todas as dificuldades do caminho que, por sinal, nesse roteiro, não são poucas.

Isso tudo, sem falar das pessoas que vamos conhecendo ao longo da travessia, como os casais que nos acolheram nesse dia, pessoas de excepcionais qualidades e de simpatia ímpar.

Nessa Pousada ainda não existe luz elétrica.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma jornada de pequena extensão e, apesar do forte aclive a ser superado a partir do calçamento do Parque Estadual, foi provavelmente a mais fácil de todas. Além disso, pudemos conhecer a natureza exuberante e preservada, bem como pernoitar num local ermo, tranquilo e integralmente rodeados pela magnífica mata nativa.

5º dia: CACHOEIRA DOS GARCIAS à ESPRAIADO DO GAMARRA – 25 quilômetros