1- A COPA DO MUNDO DE 1.962 (*)

Transcorria o ano de 1962, meu primeiro e único ano no Seminário.

Vivíamos num mundo à parte, repleto de aulas, estudos, missas, lazer. 

Enfim, tudo seguia a regra de mente sã num corpo sadio. 

As notícias extramuros daquele Internato chegavam-nos com grande atraso e sempre cuidadosamente filtradas. 

Assim, soubemos apenas no final de novembro, da invasão dos EUA a Cuba, e, por conseqüência, a grave ameaça de eclosão da terceira guerra mundial, quando a URSS tomou o partido da ilha de Fidel.

Salvo raríssimas exceções, éramos todos loucos por futebol. 

O Campeonato Paulista tinha alguns jogos transmitidos pela TV, quase sempre à noite. 

Cheguei a assistir alguns num receptor instalado no quarto do Padre Ruy, onde por incrível que possa parecer, nossa fé fazia com que distinguíssemos a bola e os jogadores na tela preto e branco, apesar dos milhares de chuviscos que interferiam na imagem.

No dia-a-dia, além do temor normal que eu sentia quando via o Reitor Constantino, acompanhava os jogos dominicais que o primeiro quadro realizava, torcendo ferrenhamente pelos nossos craques, como o Niltão, Fanchini, Bruno, Careca, Cleirivan, e outros que não me recordo.

No plano internacional, o Brasil se preparava para disputar a Copa do Mundo no Chile, e tentava bisar o feito de Campeão Mundial conquistado em 1958, na Suécia. 

Soubemos que seríamos liberados das aulas nos horários dos jogos para “assistirmos” aos prélios. 

Um aparelho radiofônico de portentosas dimensões foi instalado num dos cantos do pátio de recreio, junto aos chuveiros e sala de jogos.

O Brasil levou para o Chile praticamente a mesma seleção de 1958, com alguns jogadores, à época, já no limite da idade útil para o futebol.  

Em compensação, tínhamos Pelé. 

Confiantes, ouvimos a estréia do Brasil contra o México, dia 30 de maio. 

Depois de uma contenda tépida e desenxabida, o Brasil ganhou por 2x0, gols de Zagallo e Pelé. 

Era uma calorenta tarde de quarta feira, e, apesar do Brasil não ter jogado bem, vibramos muito após o encerramento do “morno” combate.

Dia 2 de junho, um sábado, o Brasil enfrentou a Checoslováquia e logo aos 20 minutos Pelé se contundiu, vítima de uma distensão na coxa. 

Deixou o campo carregado, e se despediu definitivamente da Copa. 

O placar terminou 0x0, e o Brasil, ainda estupefato, ante a perda do seu jogador maior, levou um verdadeiro “sufoco” da equipe européia.

Veio o 6 de junho, uma quarta-feira, dia esse ainda indelevelmente gravado em minha memória. 

O jogo era contra a Espanha, e decisivo. 

Um empate eliminaria o Brasil. As aulas, como de praxe, foram interrompidas logo após o almoço e nos preparamos para vibrar uníssonos, pelo Brasil.

Eu, à época com 11 anos, meio alheado ao embate, jogava “ferrinho” no pátio, junto à cerca, com o Paulo Cimi. 

O jogo mal havia começado quando aos 10 minutos a Espanha fez 1x0, gol de Adelardo. 

Silêncio sepulcral! 

Brasil jogava pessimamente, e passava por maus momentos frente à equipe espanhola. 

Resolvemos, eu o Cimi, brincar de “Caça ao Tesouro” no morro que ficava por detrás do prédio. 

Porém, o clima tenso no ar impediu nossa concentração no folguedo e voltamos ao local da torcida.

Durante aqueles dramáticos momentos de decisão, vi que alguns companheiros já se postavam defronte a gruta, orando, olhos fixos na Virgem de Lourdes. 

Outros demandavam afoitamente, ao templo, no segundo piso. 

O primeiro tempo terminou e, como muitos haviam feito, no intervalo, também me encaminhei à capela-mór. 

Ali, supliquei fervorosamente para que o placar fosse revertido. 

Notei colegas com o semblante aflito, olhos cravados na Virgem da Conceição, que, como eu, rezavam pela mesma graça.

O segundo tempo teve início, e como por milagre, Amarildo, “o possesso”, resolveu jogar. 

Logo, aos 06 minutos o Brasil empatou. 

Uma festa, paletós e cadeiras voavam para o alto, gritos de “Deus Seja Louvado”, euforia geral, levada ao delírio extremo, quando aos 39 minutos Amarildo, novamente, fez o segundo gol. 

Muitos então se dirigiram às pressas à ermida, dessa vez para agradecer e pedir, com urgência, o encerramento da peleja. 

Ao final fomos todos convidados para um pequeno lanche no refeitório, situação essa que me lembro ser inusitada.

Após a dramática “batalha” com a Espanha, o Brasil criou confiança, triunfou sobre a Inglaterra (3x1), o Chile (4x2) e no domingo, dia 17 de junho, sagrou-se campeão ao vencer a Checoslováquia (3x1), com gols de Amarildo, Zito e Vavá.

Essas reminiscências me ocorrem no momento que o Brasil se prepara para disputar mais uma Copa do Mundo, desta vez, na Alemanha. 

Teríamos nós, companheiros do saudoso Ibaté, coragem para repetirmos o gesto de 1962? 

Não creio, isto porque, hoje, infelizmente, o futebol é movido muito mais pelo amor ao dinheiro, do que pelo prazer do divertimento e da disputa.

De qualquer forma, me sinto honrado, por ter sido mais um dos que ajudaram a “empurrar” a equipe brasileira ao pódio, naquele saudoso ano de Seminário, onde aprendemos acima de tudo, a respeitar nossos superiores, valorizar nossos companheiros de vocação, e, principalmente, amar e confiar em Maria.

 (*) Publicada no Echus nº 61,  Ano 10, de maio-junho de 2002