1º dia – SANTIAGO DE COMPOSTELA a NEGREIRA – 22 quilômetros

"Fico imensamente feliz que meu pé esquerdo coopere com meu pé direito, independente da diferença no modo como caminham."

Marco zero, localizado defronte à Catedral Compostelana.

A jornada seria curta e, salvo pequena elevação após Ponte Maceira, sem maiores dificuldades altimétricas.

Também, talvez por isso, não havia pressa na partida, de forma que, após as abluções matinais, desci para tomar o café da manhã num bar próximo.

Depois, tranquilamente me dirigi à Catedral Compostelana, onde assisti à missa das 7 h 30 min que, diariamente, é celebrada na Capela do Santíssimo Sacramento.

Então, alegre e bem-disposto, retornei à pensão onde estava hospedado, resgatei minha mochila e dei início à minha “viagem” em direção ao mar.

Para tanto, me dirigi à Praça do Obradoiro, depois, descendi pela Rua das Hortas, que se inicia entre o Hospital de los Reys Católicos e o Palácio de Rajoi.

Posteriormente, transitei pela Avenida das Hortas, rua Poza de Bar e rua de San Lorenzo de Trasouto, onde se localiza um antigo convento franciscano de origem medieval.

A bem da verdade, a parte urbana do percurso está um tanto deficiente em termos de sinalização, contudo o mapa contendo planta da cidade, que eu conseguira na Oficina de Turismo, mostrava o percurso a ser feito, de forma que não tive problemas para percorrer esse trajeto citadino.

Primeiro "monjón" do Caminho de Fisterra.

E logo encontrei o primeiro “monjón” desse Caminho, onde uma plaqueta inserta em seu bojo me avisava que eu estava distante 86.337 metros de Muxia.

O roteiro prosseguiu em descenso, até o local mais profundo do vale por onde discorre o rio Sarela, o qual transpus por uma pequena e primitiva ponte.

Para quem chega a Santiago pelo Caminho Francês, a saída da cidade é muito mais rápida que a entrada e, principalmente, bem mais sossegada em termos de trânsito e barulho.

Início da estrada de terra.

Ademais, eu estava preocupado com a sinalização desse roteiro, pois havia lido em algum lugar que ela estaria deficiente e confusa em alguns trechos.

Ledo engano, pois sua marcação se mostrou estupenda e, embora solitário, em nenhum momento tive dúvidas sobre o rumo a tomar.

Trilhas arejadas.

Seguindo adiante, após atravessar a Ponte Sarela, principiei a ascender por uma verdejante trilha que, em seu topo, localizado em Sarela de Baixo, me possibilitou contemplar, pela derradeira vez, as três torres da Catedral Compostela.

Infelizmente, a posição do sol naquele horário me impediu de conseguir uma foto nítida da maravilhosa paisagem que eu detinha, vez que meu equipamento fotográfico é bastante antigo.

Nesse local havia um casal de franceses e dois espanhóis, com os quais travei um breve diálogo.

Bosques silenciosos..

Prosseguindo, o caminho seguiu entre bosques de robles e, num trajeto silencioso e pleno de verde.

Depois, embrenhei numa paisagem baixa e frondosa, coberta de pinheiros e de abundantes ribeiras, regatos saltitantes e frondosos bosques.

Posteriormente, transitei dentro de extensos eucaliptais, num trajeto arejado e bucólico.

Locais belíssimos e ermos...

Na verdade, esse trecho comporta um labirinto de trilhas, mas é impossível se perder, tamanha a eficiência em sua sinalização.

Caminho muito bem sinalizado.

Percebe-se que o roteiro foi recentemente revitalizado, pois as sendas estão limpas e o entorno belíssimo.

Mais à frente, passei por Moas, minúsculo povoado, onde transitei em piso asfáltico.

Contudo, logo retornei aos caminhos de terra, novamente, por um denso bosque de eucaliptos.

Caminho pedregoso..

Em determinados trechos, encontrei bastante pedras no leito da senda.

As trilhas se sucederam, quase sempre planas, entremeando, de vez em quando, com pequenos ascensos e descensos.

Sete quilômetros percorridos, passei por Quintans e, na saída do povoado, cruzei o rio Roxo por uma pequena ponte medieval, depois, prossegui em direção ao Alto del Viento.

Nenhum peregrino a vista...

Novamente, houve uma sessão labiríntica de trilhas, sempre em leve ascenso, mas todas bem sinalizadas.

Então, depois de atingir o topo do morro, a 200 m de altitude, passei a descender por um calçadão existente ao lado da rodovia e, nesse trecho, passei pelas aldeias de Ventosa e Lombão.

Descendendo em direção a Augapesada.

Nesse lugar, vi um bar à beira da rodovia e nele, uns 8 peregrinos tomando café e lanchando

No final de uma reta, ainda em forte descenso, adentrei em Augapesada, um pueblo onde residem 135 almas.

Porém, 70 metros do local onde a rodovia faz uma grande curva, eu atravessei o asfalto e tomei um caminho localizado à esquerda.

Em seguida, transitei por um minúsculo povoado para, depois, já em ascenso, cruzar a “carretera” novamente.

Então, teve início o único aclive importante dessa etapa.

Longo ascenso, mas, sempre por locais maravilhosos.

Nesse tramo específico, o caminho segue em terra, porém, em pequenos trechos, entremeia com piso empedrado.

Embora o ascenso exija algum esforço físico, a vegetação desse trecho é exuberante e plena de sombras, o que minoriza eventual cansaço.

São apenas 3 quilômetros de percurso, porém é necessário superar um forte ascenso para atingir o cimo da montanha.

No entanto, o percurso é belíssimo e pleno de bosques silenciosos.

Nesse tramo, passei por um grupo de 5 peregrinos espanhóis, que fizeram uma pausa para descanso e hidratação.

Também, pude ver que em minha retaguarda caminhavam pelo menos 10 pessoas, a maior parte, de forma solitária.

Ainda, o piso de terra socada e a cobertura umbrosa permitiram que eu mantivesse um ritmo constante e, sem grandes problemas, desse modo, atingi o topo do morro, num local conhecido como “Alto do Mar de Ovellas”.

De se lembrar que no derradeiro tramo, eu caminhei sobre piso asfáltico, através de uma rodovia vicinal.

No topo do “Alto do Mar de Ovellas”.

Nesse ponto, eu estava a 260 metros de altitude.

Ali, do lado direito, existe uma fonte de água potável nominada “Fuente de Santa María Trasmonte”.

Ainda pela rodovia vicinal, teve início uma suave declividade que me direcionou ao vale do rio Tambre.

Para tanto, transitei pela vila de Susavilla do Carballo, antes de chegar a Transmonte.

Em descenso para Ponte Maceira.

Mais dois quilômetros em descenso e cheguei ao ponto alto, em termos históricos dessa etapa.

Trata-se de Ponte Maceira, um povoado da época medieval, onde residem umas 50 pessoas, uma das localidades de maior interesse cultural e paisagístico, dentre aquelas que fazem parte do Caminho de Finisterra.

A fantástica Ponte Maceira sobre o rio Tambre.

Ali, por uma famosa ponte construída no século XIII, que aproveitou os pilares de uma edificação romana anterior, composta de cinco arcos, eu atravessei o rio Tambre.

Igreja de San Blás.

O local é de esplendora beleza, onde ainda pude fotografar a igreja romântica de San Blás, construída em meados do século XII, embora tenha sofrido reforma em épocas posteriores.

Sua nave é de planta retangular e só tem uma torre, a da esquerda, já que a da direita, não foi construída.

Nesse local, também existe uma pequena cascata, onde o rio flui com grande ímpeto e volume, num entorno idílico.

Enquanto admirava a beleza do conjunto arquitetônico do lugar, aproveitei para fazer uma pausa para hidratação.

Prosseguindo, transitei por uma rodovia vicinal de escasso tráfego, onde ultrapassei alguns peregrinos retardatários, que seguiam sem pressa, por conta do horário, visto que os albergues só abririam após as 14 horas.

Peregrinos à frente...

Num determinado local, encontrei um brasileiro descansando, fato que muito me alegrou.

Tratava-se do Padre Paulo, pároco da igreja matriz de Bilac (SP), que estava percorrendo esse Caminho com um casal de amigos italianos, pai e filha.

Foi uma conversa proveitosa, mas logo me despedi, certo de que não mais iria vê-los, pois, por conta da limitação da idade do senhor ítalo (83 anos), motivo pelo qual percorriam pequenos trechos diariamente.

Quis o destino que eu fizesse um prejulgamento totalmente errôneo, porquanto, os reencontrei novamente quase na chegada de Muxía.

O trecho final, praticamente todo plano, é agradável e pleno de muito verde.

Em determinado local eu passei sob a Autovia Nacional, transitei pela minúscula vila de Barca, e logo adentrava em zona urbana.

O caminho passa sob a Autovia Nacional.

Em Negreira me hospedei na Pensão La Mezquita, onde paguei 30 Euros por um excelente quarto individual.

Para almoçar, utilizei o restaurante existente no piso térreo do estabelecimento, onde despendi 10 Euros por um excelente “menu del dia”.

A vega do rio Tambre foi um lugar de assentamento de tribos prerromanas e já, na época romana, Negreira era passagem da via Nicraria Tamara, uma calçada com 23 milhas de extensão, que unia Caldas de Rei com as minas de prata de Brandomil.

No escudo da povoação aparece Ponte Maceira partida em dois, aludindo à lenda do translado do corpo do Apóstolo Tiago – contada no Livro III, do Codex Calixtinus – que narra como, depois da passagem os discípulos, a ponte afundou e arrastou em suas águas os soldados que lhes perseguiam.

Após a dominação do povo suevo, nos séculos V e VI, em toda a Galícia, Negreira foi concedida, como feudo em 876, à igreja compostelana e foi arrasada um século depois pelos piratas normandos.

Reconstruída em 1113, deixou de ser feudo de Santiago durante o reinado dos Reis Católicos e se emancipou como Foro Real, situação confirmada em 1520 pelo Imperador Carlos V.

Atual capital de Barcala, é uma vila com uma localização privilegiada, posto que dista, tão somente, 20 quilômetros da capital da Galícia.

Sua economia é baseada na agricultura e na criação do gado.

Monumento ao peregrino, na entrada da cidade.

Negreira é uma referência quanto à música, sobretudo no âmbito de ensiná-la, já que oferece uma escola dessa magnífica arte, onde estudam, a cada ano, mais de 150 alunos.

Ademais, conta com 2 bandas e uma Charanga Juvenil.

De se recordar a noite de 31 de outubro de 2007, quando o povoado bateu o recorde do “Guiness Book” relativamente à atuação ininterrupta de uma orquestra, a cargo da Orquesta Negreiresa Olympus, que tocou durante 24 horas seguidas.

Um ano depois, na mesma data, a orquestra quebrou o seu próprio recorde, ao oferecer outra grande atuação, com mais de 24 horas ininterruptas, contando com a presença de artistas conhecidos a nível nacional e internacional.

Em face da melhoria nas vias de transporte que servem a cidade, é cada vez mais frequente o aporte de pessoas que, mesmo trabalhando em Santiago, optaram por residir nesse povoado, o que favoreceu a construções de inúmeras vivendas e a consequente expansão de sua zona urbana.

População atual: 7.000 habitantes, que não para de crescer.

À tarde, dei um breve giro pela cidadezinha, priorizando conhecer o local por onde deixaria a cidade na manhã seguinte porque, como de praxe, em face do longo percurso a ser vencido, pretendia madrugar.

Na pequena vila se destacam o “Passo de Cotón” e a Capela de São Mauro, junto aos quais é feita todo domingo do ano a feira ambulante, ali presente desde o século XVIII.

Pelo que li, o primeiro núcleo dessa povoação se fixou do outro lado do rio Barcala, onde se encontra o Albergue de Peregrina da Xunta da Galícia e a igreja matriz da cidade, cujo padroeiro é Xan Xúlian.

Contudo, a vila cresceu, a partir do século XIX, no entorno do Paso e do campo da feira.

Mais tarde, estive conversando com um peregrino espanhol que fazia esse percurso pela 5ª vez.

O hostal/albergue onde me hospedei em Negreira.

Aceitei o seu convite e adentramos a um bar para beber um copo de vinho tinto, enquanto discorríamos sobre nossas experiências peregrinas, expectativas e futuros caminhos.

Mais tarde, após as despedidas, fui adquirir víveres num supermercado e logo me recolhi.

Sobre Negreira, e pelo que pude pesquisar, funcionam 6 albergues na cidade, com capacidade para alojar mais de 240 peregrinos, sendo que um deles é municipal.

Existe, ainda, uma Pensão e um hotel que, atualmente, disponibilizam 69 habitações aos turistas.

Portanto, mesmo em alta temporada, entendo que nenhum peregrino pernoitará ao relento nessa localidade.