6º dia - HOTEL SÃO FRANCISCO (CUNHA/SP) a CUNHA/SP – 24 quilômetros

6º dia - HOTEL SÃO FRANCISCO (CUNHA/SP) a CUNHA/SP – 24 quilômetros

"A peregrinação é uma escola de vida. A vida se simplifica, e se passa a valorizar as coisas pequenas e belas: a natureza, as pessoas, os caminhos e horizontes. E, o mais importante, a gente tem tempo e ambiente para perceber o sentido da vida; a diferenciar o essencial e o passageiro; a ser mais livre e autêntico." (Manuel Eduardo Iglesias) 

A jornada do dia seria relativamente curta, de forma que não havia tanta pressa na partida.

Preocupava-me, apenas, a parte inicial do roteiro, visto que os primeiros dez quilômetros seriam à beira da rodovia Paulo Virgínio.

Eu havia combinado com o taxista de partir às 5 h 30 min e no horário combinado o Wesley apareceu e eu embarquei em seu potente veículo.

Sempre em baixa velocidade, da forma que solicitei ao motorista, seguimos conversando animadamente, visto que ele se mostrou surpreso e interessado em minha aventura. 

Diante da entrada para o Hotel Fazenda São Francisco, início da jornada.

Trinta minutos mais tarde, aportamos na entrada para o Hotel Fazenda São Francisco, local onde eu havia encerrado a jornada anterior.

Prontamente eu apeei, paguei e me despedi do simpático condutor, não sem antes reprisar instruções quanto ao endereço a ser localizado, visto que ele seguiria até Cunha, para deixar minha mochila na Pousada onde eu havia feito reserva.

A manhã se apresentava fresca e neblinosa, sinal certo de que aquele seria mais um dia ensolarado.

Tranquilamente, conferi minha mochilinha de “ataque”, liguei o GPS inserto em meu celular, me persignei, depois segui em frente. 

Clima frio e neblinoso no início.

Esse primeiro tramo mostrou-se tranquilo, com trânsito ainda incipiente, face ao horário matutino.

Em alguns locais, pude observar crianças, acompanhadas de adultos, aguardando o transporte escolar para levá-las ao colégio onde estudariam.

E, enquanto me deslocava, aproveitei para colocar minhas orações em dia e, novamente, agradeci o dom de uma vida saudável. 

Ultrapassando o abençoado rio Paraitinga.

Cinco quilômetros percorridos quase sem sentir, por uma ponte, ultrapassei o rio Paraitinga, uma importante torrente líquida, de águas abençoadas.

Sua nascente localiza-se no município de Areias, a uma altitude de 1 800 metros, na Serra da Bocaina,

Ele é o principal formador do Rio Paraíba do Sul, que nasce em sua confluência com o rio Paraibuna, na altura da cidade homônima.

E, não por acaso, foi exatamente no rio Paraíba do Sul, na altura do porto Itaguaçu, na cidade de Aparecida, em meados de outubro de 1717, que a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi encontrada.

Fiquei a reflexionar sobre tal fato, ocorrido a quase 300 anos, que modificou a fé e a religião, de forma contundente, em nosso país.

Vivia um momento lindo... a madrugada silenciosa, ia se despedindo do dia, que vinha chegando sem pressa, enquanto eu observava a água do rio deslizando serena, rumo ao oceano.

Podia sentir a alma do mundo pulsando.

Tudo funcionava maravilhosamente, como uma orquestra.

Meu coração batia sem esforço, a vida se acalmava e meus pensamentos flutuavam. 

A nebulosidade ainda era intensa e a temperatura estava baixa quando prossegui adiante. 

Entrada para uma bela propriedade.

Sem maiores dificuldades, pois esse trecho é praticamente todo plano, passei diante da entrada de belíssimas propriedades.

Em algumas delas, vi pessoas aguardando o ônibus, para seguirem em direção à cidade de Guaratinguetá, possivelmente, a trabalho ou compras.

E não sentia inveja delas, porque, em plena segunda-feira, logo eu adentraria na natureza e poderia gozar o prazer de caminhar em locais de ar puro e silenciosos, distante da azáfama e do fragor produzidos pela civilização. 

Finalmente, 10 quilômetros superados, adentrando em estrada de terra.

Dez quilômetros superados sem muito esforço, finalmente, encontrei um totem da ER me remetendo à esquerda da rodovia, na direção de uma estrada de terra descendente e sem sombras. 

Descenso em meio a mata nativa.

Contudo, logo adiante, o roteiro perpassou dentro de um grande e frondoso bosque, por onde segui ouvindo o barulho dos pássaros ao meu redor. 

Caminho oxigenado...

Ainda em descenso, um quilômetro à frente, passei diante da entrada do restaurante Toca do Peixe, cujas especialidades são traíra sem espinho, frango caipira, leitoa assada e truta na manteiga, todos assados no fogão à lenha. 

Entrada para o restaurante Toca do Peixe.

Esse estabelecimento é muito bem-conceituado e verifiquei pelos comentários inseridos na internet que os fregueses que ali se alimentaram, elogiaram muito o atendimento e sua localização privilegiada, junto à exuberante mata.

Defronte ao restaurante, há a entrada para a Pousada Seriema, também instalada em local de excelsa beleza.

Segundo li, em Cunha, até então, não havia uma opção de Camping, muitas vezes procurada por turistas.

Então, os proprietários dessa pousada viram nessa deficiência uma oportunidade de negócio e resolveram criar condições para quem curte acampar.

Para tanto, lá há uma série de platôs para barracas, tanque para lavagem das roupas, banheiros equipados com chuveiro, postes com luz e um rancho para a descontração e o café da manhã.

O local possui um lago com pesca esportiva e, além disso, a pousada está localizada em um sítio de 20 alqueires, contando com opções de trilhas, leite ao pé da vaca, piscina e estacionamento.

Prosseguindo, iniciou-se um extenso mas leve ascenso, localizado entre grandes áreas destinadas a pastagem de gado.

Em determinado local, parei para bater uma foto e no momento que apertei o disparador, senti ou, praticamente, visualizei uma sombra estranha passando em velocidade espantosa diante de mim. 

Foto, com a captura de algo estranho...

Foi tudo muito rápido mas que me causou arrepios, pois eu me encontrava num local ermo e silencioso.

Prontamente, verifiquei o que capturara e constatei uma mancha (?) lilás, do lado direito da fotografia.

Prossegui adiante e logo me esqueci do assunto, porém, quando baixei as fotos em casa, pude analisar com mais propriedade a imagem.

A sombra poderia ter sido causada pela refração ou isotropia da luz solar mas, se bem me lembro, o sol estava à minha retaguarda, então não causaria tal fenômeno.

De qualquer maneira, fica aí registrado esse fato, para mim, bastante intrigante. 

Caminho precioso..

O roteiro seguiu maravilhoso, com belas vistas em determinados trechos.

Mais adiante, passei a caminhar dentro de profundas valas, certamente causadas pelo desgaste das patas dos muares e equinos que por aí trafegaram em épocas passadas. 

Descendendo entre "cavas"...

Afinal, eu estava transitante pela Estrada Real e a passagem desses animais por esses locais era ininterrupto.

Mais abaixo, numa bifurcação, eu fleti à direita e por uma ponte eu ultrapassei o encorpado ribeirão Jacuí. 

Nesse retão sem fim enfrentei um pouco de poeira.

Segui depois por uma estrada plana e reta, que continha em seu leito bastante terra solta, que se transformou em grossa poeira, quando fui ultrapassado por um caminhão.

Ainda em descenso, transitei pelo bairro Ribeirão, onde pude fotografar uma bela igrejinha amarela.

Em seu frontispício está gravada a data de sua inauguração: 12/11/1966. 

Igrejinha localizada no bairro Ribeirão.

Prosseguindo, passei diante de belas e bem cuidadas chácaras, todas situadas em meio a farta vegetação.

Superei breve ascenso e, do lado oposto, girei à direita e passei a caminhar entre grandes fazendas de gado leiteiro. 

Caminho próximo de pastagens.

Num determinado local, avistei um burro velho, quase sem pelo, o couro bastante marcado por cicatrizes, a espinha descrevendo um arco negativo, mostrando suas saliências, sinal de muito trabalho e sofrimento.

Estava solto na estrada, mastigando restolhos de milho.

Magro, triste, cabisbaixo, encostou-se bem rente à cerca para eu passar, num gesto de humildade e submissão que muito me comoveram.

Caminhando lentamente, pude observar seu jeito “pensativo”, com vontade de indagar detalhes sobre sua sina.

Fiz um carinho nele como despedida, com vontade de ficar mais um pouco ao seu lado.

As moscas o perturbavam sem trégua, mas não tanto quanto já o haviam maltratado os homens.

O roteiro seguiu serpeante, arejado e deserto, embora, de quando em vez, eu passasse diante da sede de alguma fazenda. 

Trecho bucólico e plano.

Notei em várias delas, um número considerável de cavalos pastando em currais que, certamente, são utilizados no dia a dia da lida campestre.

Esse trecho derradeiro se mostrou bucólico e, em determinados locais, agradavelmente arborizado.

Por aqui passaram inúmeras expedições a cavalo, com tropas. 

Um capão de mata nativa.

Sobre essa “viagem”, historiadores contam o seguinte:

“De madrugada o madrinheiro acendia o fogo com a tempre para o café e o feijão. Enquanto isso recolhiam a madrinheira e as demais bestas, preparando a tropa para o seu destino, traçado na cadência dos sinos e dos cincerros.” 

Um belo trecho da estrada...

Então, após ultrapassar uma belíssima propriedade, onde avistei cães, porcos, galinhas, patos, marrecos e crianças, todos convivendo harmoniosamente num quintal, principiei a ascender.

Esse primeiro trecho, bastante empinado, está asfaltado, de modo a facilitar o trânsito de veículos, como nas demais serras de Cunha, fato que comprovei posteriormente.

Lentamente, fui vencendo a forte aclividade enquanto, observando à minha retaguarda, podia comprovar o progresso que fazia. 

No topo do morro, com amplas visões do entorno.

Por aqui passou o Conde de Azambuja, em 1751, que assim definiu seu périplo:

“Fui dormir ao Sítio de Piratinga, marchando todo dia morro abaixo, morro acima, que quase todos os cavalos aguaram, até os que iam a mão...”

De se lembra que “aguar”, em termos veterinários, quer dizer: “Doença dos animais domésticos que lhes tolhe o uso das pernas e que consiste na inflamação do tecido reticular do pé, como consequência de excesso de trabalho ou resfriamento.” 

Caminho arejado, ainda em leve ascenso.

Nesse mesmo ano, o Conde registrou outra particularidade relativamente à região: “...a existência de mil e trezentos condutores de tropas no trecho entre Facão (Cunha) e Guaratinguetá.”

Prossegui ainda em leve ascenso, em direção a um bosque de eucaliptos, enquanto o tráfego de veículos principiou a recrudescer, sinal de que eu já estava próximo da civilização

No cimo do morro a paisagem se abriu e passei a caminhar com amplas visões do entorno. 

A cidade de Cunha já aparece no horizonte.

Em determinado lugar, já em leve descenso, pude avistar a cidade de Cunha, ao longe, mas onde breve aportaria.

Antes, contudo, enfrentei um ríspido e “criminoso” descenso, por sorte, calçado por bloquetes.

Depois, já em zona urbana, defrontei terrível aclive, posto que o centro urbano foi edificado no cimo de um protuberante morro.

Cansado, mas feliz, logo me dirigi para a Pousada do Sossego, onde havia feito reserva.

Ali fui recebido pela sua proprietária, dona Maria Aparecida, uma pessoa alegre e extremamente comunicativa.

No local, por R$70,00, pude dispor de um excelente quarto individual.

Depois do banho e a necessária lavagem das roupas, fui almoçar. 

Local onde almocei nesse dia. Recomendo!

E, para tanto, utilizei os serviços do Restaurante Jeca Grill, que recomendo com efusão.

Nele, por R$14,00, pude ingerir à vontade, no sistema Self-Service, uma refeição da melhor qualidade.

Depois, como refrigério ao corpo, deitei para descansar. 

Uma das ruas centrais de Cunha.

A primeira incursão do homem branco na região de que se tem notícia ocorreu em 1597, quando partiu do Rio do Janeiro uma expedição chefiada por Martim Correia de Sá. A expedição, de cerca de 700 portugueses e dois mil índios, desembarcou em Paraty e galgou a Serra do Mar pela antiga Trilha dos Guaianás para combater os índios Tamoios, que estavam unidos com os franceses na luta contra os portugueses.

A Estância Climática de Cunha tem suas origens por volta de 1695. Nessa época, muitos aventureiros subiam a serra pela trilha dos Guaianás com destino ao Sertão de Minas Gerais, atraídos pela notícia de que havia ouro e pedras preciosas naquela região. Com isso, Cunha, que era conhecida como “Boca do Sertão”, tornou-se parada obrigatória para descanso e reabastecimento das tropas.

Já em 1730, os viajantes que se fixaram na região construíram um povoado onde a família portuguesa Falcão ergueu uma capela chamada Sagrada Família. Devido à contribuição desta família para o povoado, durante muito tempo a cidade foi chamada de Freguesia do Falcão.

No início do século XVIII, a grande movimentação de tropas pelo local atraiu bandidos e saqueadores. Muito ouro que vinha de Minais Gerais para embarcar em Paraty, rumo a Portugal, foi desviado. Devido à necessidade de se criar um posto para vigiar o local, surgiu a Barreira do Taboão, localizada entre a Freguesia do Falcão e Paraty. Com o declínio do ciclo do ouro, muitos desbravadores acabaram ficando na região atraídos pelo clima e pela fertilidade do solo. Essa intensa movimentação gerou um rápido desenvolvimento local. 

Igreja do Rosário, em Cunha.

Em 15 de setembro de 1785 o povoado é elevado à vila, com o nome de Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha, em homenagem ao capitão general Francisco da Cunha Menezes, governador da Província de São Paulo. Nesse período as antigas trilhas foram calçadas e ampliadas para que as tropas pudessem transportar a maior riqueza do século XIX, o café. A autonomia política veio em 1858, ano em que foi elevada à categoria de cidade, e em 1883 tornou-se comarca. Logo a seguir em 1888, com a libertação dos escravos, veio o declínio do ouro negro na região.

Em 1932, Cunha foi palco de batalha na Revolução Constitucionalista, quando um batalhão da marinha composto de 400 praças subiu a Serra do Mar com a intenção de chegar a São Paulo pelo Vale do Paraíba. Os combates no município duraram três meses e nesse período a cidade conheceu seu herói e mártir, o lavrador Paulo Virgínio, que foi morto por não revelar a posição das tropas paulistas. Em homenagem a esse ilustre cidadão, foi construído um monumento às margens da estrada Cunha-Paraty.

Em 1945 a prefeitura entrou com pedido de transformação do município em Estância Climática e no dia 28 de outubro de 1948 foi promulgada pelo governador de São Paulo a lei nº. 182, convertendo a cidade de Cunha em Estância Climática. Em 1993, Cunha assumiu sua identidade turística e, através do seu Conselho de Desenvolvimento, realizou sua primeira Temporada de Inverno, com calendário de eventos e roteiro das atrações turísticas.

População atual: 22 mil habitantes.

Fonte: http://www.cunha.sp.gov.br/ 

Igreja matriz de Cunha.

Mais tarde, após conferir o local por onde deixaria a povoação na manhã sequente, fui dar uma volta pelo centro da cidade.

Onde, por sinal, a limpeza e a paz impressionam.

Antes, passei pelo original mercadinho de Cunha.

No seu interior existe um chafariz de bronze, doado por Dom Pedro II, em 1886, que até hoje é bastante utilizado. 

Cascata mostrando a pujança do município nesse item essencial para a vida: a água.

A maioria da população reside no campo e os sinais dessa vida ativa pude observar nas ruas centrais, onde encontrei pessoas calçadas de bota, chapéu de “cowboy” e várias lojas especializadas em materiais utilizados na lida com o cavalo, tudo como nos velhos tempos.

Há um capricho bonito de ver nessa pequena e histórica urbe.

Praticamente, não há pichações, as casas e ruas são extremamente limpas, conservadas.

Deve ser interessante viver num lugar assim, onde as pessoas são solidárias, respeitosas e vivem em paz, esta é a impressão que levarei daqui.

Próximo da igreja do Rosário, num promontório, pude observar o local onde transitaria na manhã seguinte. 

Local e direção por onde eu seguiria no dia seguinte...

Em volta dele, montanhas verdes, araucárias e céu azul.

Logo pensei: tudo a ver comigo!

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma etapa fresca e agradável, embora eu tenha caminhado 10 quilômetros sobre piso asfáltico. Mas o percurso em terra revelou-se esplendoroso e compensou, com folgas, o trajeto percorrido no início da jornada. No geral, uma etapa relativamente curta, que não oferece maiores dificuldades em termos altimétricos.

RESUMO DO DIA:

Tempo gasto, computado desde o acesso ao Hotel São Francisco (Cunha/SP) até a cidade de Cunha/SP: 5 h;

Clima: Nublado no início, depois ensolarado até o final da jornada.

Pernoite na Pousada Sossego, em Cunha: Apartamento individual excelente – Preço: R$70,00, com café da manhã;

Almoço no Restaurante Jeca Grill: Excelente! – Preço: R$14,00, pode-se comer à vontade no sistema Self-Service.

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