4º dia: CARRANCAS à FAZENDA TRAITUBA – 31 quilômetros

4º dia: CARRANCAS à FAZENDA TRAITUBA – 31 quilômetros

"Outro dia glorioso. O ar delicioso preenchendo os pulmões, como néctar para a língua." (John Muir)

Quase todo o percurso está em ótimas condições de acesso, com estradas largas e alguns trechos com matas, agradável de ser percorrido. O viajante pode observar, durante a maior parte do tempo, a exuberante vista da serra de Carrancas. Na segunda 

metade, também é possível ver a serra de Traituba. Durante o percurso passa por um pequeno vilarejo chamado Vista Alegre, que podem ser pontos de apoio aos viajantes, devido a fazenda estar fechada para visitação. Contato do bar que os viajantes 

pernoitam no povoado (35) 3327-1040 que é do proprietário da Pousada Carranca. O fim do trecho é na fazenda de Traituba, erguida em 1827 para receber D. Pedro I. O curioso é que a visita não chegou a acontecer. (Fonte: 

http://www.institutoestradareal.com.br/roteiros/velho/37)”

A etapa seria de razoável dimensão, agravada pelo fato do calor reinante.

Infelizmente, a Pousada Roda Vida serve o café da manhã a partir das 7 horas e não consegui com o porteiro noturno, nem ao menos uma xícara de café puro.

Assim, forrei o estômago com as frutas e chocolate que havia adquirido no dia anterior e, exatamente, às 5 h 20 min, dei início ao meu périplo, seguindo por ruas escuras e vazias, envoltas por intensa nebulosidade.

Tendo em vista que eu pernoitaria novamente na Pousada, deixei meu equipamento lá guardado e, dentro de minha mochila de ataque, levei apenas água, protetor solar, frutas, chocolate, óculos de sol e um pequeno estojo de primeiros socorros.

Inicio da trilha, com entorno úmido e muita cerração.

O percurso inicial é bastante lógico, pois basta seguir as placas que indicam o Complexo da Zilda, e elas estão em todos os cruzamentos importantes.

Sem maiores dificuldades, deixei a cidade e passei a caminhar por locais planos, ladeado por pastagens, todos envoltos por forte cerração, sinal certo de que novamente o sol brilharia com intensidade naquele dia.

Estrada plana e arejada, ideal para caminhar.

A estrada levemente ascendente e úmida me levou a transitar por locais ermos e silenciosos, enquanto lentamente o dia raiava.

Depois de vencer pequeno ascenso, passei a caminhar pelo topo de uma elevação, a aproximadamente 1.000 m de altitude, ladeado por imensas pastagens e com visão ampla de todo o entorno.

Pequeno descenso, mas sem vegetal lateral.

Na verdade, andar a pé por esses caminhos é uma maneira peculiar que imaginei para se homenagear os bandeirantes.

Por isso gosto de caminhar, como eles, observando o mundo, que passa lentamente sob meus pés. 

Caminhando no topo do morro, com amplas vistas.

Creio que a maior diferença no cenário daquela época esteja na drástica redução das florestas.

O sol relutou um pouco em sair, envolto por grossa camada de nuvens, porém, pontualmente as 6 h 30 min, deu o ar da graça, deixando a paisagem mais nítida e brilhante.

O sol saiu e deixou tudo mais claro e colorido.

Nesse trecho passei próximo do complexo do Grão Mogol, que está situado numa antiga fazenda do século XVII, não preservada mas ainda em atividade.

A cachoeira existente nessa propriedade, de grande fama, está situada a 15 quilômetros da cidade, no córrego Grão Mogol, de águas limpas e claras.

Entrada para o Hotel Fazenda do Engenho.

Prosseguindo, iniciou-se um leve ascenso e, em sua metade, passei diante da entrada para a Fazenda do Engenho, que representa uma volta ao passado nos tempos de Brasil colônia.

Com mais de 255 anos, esse local era ponto de comércio e depósito de sal, vestígio esse deixado até hoje pela grande umidade que se encontra impregnado nas pedras do porão, e lá também existia uma grande área que servia para a compra e venda de escravos.

Atualmente, nessa histórica propriedade, funciona um imponente Hotel Fazenda.

Finalmente, no pico da elevação, percorridos pouco mais de 8 quilômetros, encontrei uma bifurcação: se seguisse a esquerda, aportaria ao Complexo da Zilda, talvez o mais famoso dentre os passeios oferecidos em Carracas, para os amantes de cachoeiras.

Bifurcação: à esquerda, entrada para o Complexo da Zilda. A ER segue à direita.

Porém, observando à sinalização, fleti à direita e logo descortinou-se ainda sob minha vista uma paisagem aberta e plena de ondulações, com destaque para as pastagens.

Fiz ali uma pausa para fotos e hidratação, enquanto repensava meu périplo.

Tenho a certeza que para percorrer um longo caminho não basta ter pés fortes.

Junto com os pés o caminhante tem que possuir boas asas, como Mercúrio, aquele mito dos caminhos.

Estrada em descenso, com amplas vistas.

Afinal, o andarilho passa a maior parte do tempo observando o horizonte, onde a terra se encontra com o firmamento e, talvez seja essa incerta linha do horizonte responsável pela transformação que ele sofre.

Não há quem percorra um longo caminho e não se modifique, de alguma maneira, vez que os roteiros são sagrados.

Eles simplificam o universo, transformando-o em dois reinos apenas, e essa alquimia está diante dos nossos olhos o tempo todo: a terra, o céu; a trilha, o caminhante.

É incrível, apesar de caminhar escoteiro, não me sentia solitário, pois, quase sempre, ainda ganhava outras companhias.

Como naquele momento, quando passou no céu grande bando de maritacas fazendo alegre algazarra.

O descenso prossegue...

Minha sequência foi um fresco e arejado trajeto, e caminhei por alguns quilômetros com ampla visão de todo o entorno, sob um sol azul e sem nuvens, onde o astro-rei já brilhava com força total.

Travessia de pequeno córrego por uma ponte.

Por uma ponte, eu ultrapassei um pequeno córrego e depois principiei a ascender ainda entre fazendas de gado leiteiro.

Em sequência, já descendendo, avistei do lado esquerdo uma imensa plantação de milho que, como fiquei sabendo posteriormente, abrangia uma área de mais de 100 hectares.

Ao longe, imensa plantação de milho.

Algo efetivamente grandioso e que impressiona pela pujança e intrepidez dos proprietários dessas terras.

Do meu lado esquerdo, vista de um enorme milharal.

À beira da estrada existia uma casa simples onde, teoricamente, poderia conseguir água se precisasse, algo desnecessário naquele momento.

Ocorre que a habitação estava fechada, não vi ninguém nas imediações, e existiam 3 cães vira-latas guardando sua entrada, latiram bastante e até tentaram me morder quando por ali transitei.

Caminho úmido, silencioso e umbroso.

Depois de caminhar breve tempo por um caminho refrigerado e boscoso, acessei uma estrada reta, plana, que seguiu por um vale, tendo um rumorejante ribeirão correndo pelo meu lado direito.

Um renque de eucaliptos me acompanhou nesse trecho silencioso.

Nesse tramo, tive a agradável companhia de um renque de eucaliptos que concorreram para deixar meu caminho mais fresco e perfumado.

Foram mais de 2 quilômetros percorridos entre exuberante vegetação, onde aproveitei para colocar minhas orações em dia, pois o silêncio era total e nenhum veículo automotivo me ultrapassou nesse trecho..

Depois voltaram a me ladear imensos milharais situados numa área de estonteante beleza.

Nesse trecho, retornaram os milharais.

Numa sombra aconchegante, fiz uma pausa para hidratação, ingestão de uma barra de chocolates e, enquanto mastigava, vislumbrava, próximo dali, um grande capão de mata nativa.

E isto me fez repensar a odisseia dos “bravos” que pela primeira vez passaram por aqui, vez que ao penetrar as florestas naquela época, corria-se grande risco.

Quando mais se caminhava para o interior, mais mosquitos, mais índios bravios, mais animais ferozes ou peçonhentos, além da fome, que seguia junto das expedições.

Ao partirem, deixaram aqueles homens verdadeiros testamentos.

Era comum listarem tudo o que levavam, até mesmo agulhas, navalhas, guardanapos, deixando claro o grande medo que sentiam pelo sertão desconhecido.

Todos eles expressavam seu temor através de relatos como “...se Nossa Senhora da Conceição, o santo do meu nome e o anjo da minha guarda permitirem que eu volte, seu conseguir escapar das flechas empenadas dos cataguases que espreitam implacáveis em cada curva do caminho, voltarei para pagar ao fulano a quanto que devo...”

Local maravilhoso e arejado, onde fiz uma pausa para hidratação.

Hoje ainda existem riscos, mas são menores e diferentes daqueles.

A trilha não é só um sulco por onde vamos pisando, é o mundo, que vemos passar debaixo de nossos pés.

A trilha é o chão, é o contato com a terra-mãe, mas é principalmente a rota, a passagem.

Quem viaja a pé tem a chance de saber essas coisas.

Com os pés na trilha, passo a passo, temos a oportunidade de ver movimentar-se, lentamente, a linha do horizonte.

Podemos, então, medir o mundo, penetrar sua alma e saber do quanto somos capazes.

Aí, não sei bem porque, nos sentimos donos de um certo poder.

Findas tais reflexões, mochila às costas, cajado nas mãos, voltei à luta.

Nesse local, o caminho flete radicalmente para a esquerda.

Prosseguindo, mais abaixo, empreendi uma grande curva à esquerda, depois segui em ascenso por um caminho aberto, em cujo leito transitava um rebanho de vacas que havia sido recentemente ordenhado e seguia para um pasto mais acima.

Uma manada de vacas segue a minha frente.

Já, no topo do morro, acabei por desaguar numa estrada larga que vinha pela direita e nela me reencontrei com os marcos do CRER que, nessa etapa, provém da Estação Carrancas.

Caminho agradável, longilíneo, mas sem sombras.

Ali prossegui a esquerda por um caminho bem delineado e plano, onde principiei a sentir a força dos raios solares, pois as sombras desapareceram.

As sombras desapareceram...

Depois de transitar por áreas de pastagem, passei ao lado de um projeto que visa o manejo sustentável da árvore Candeia, gerido pela Universidade Federal de Lavras/MG, cuja implantação ocorreu em 2002.

Projeto manejo sustentável da Candeia, pesquisa da UFL/MG

Trata-se de uma espécie vegetal de múltiplos usos, porém sua madeira é mais utilizada como moirão de cerca, pela sua durabilidade, e para a produção de óleo essencial, cujo principal componente, o alfabisabolol, possui propriedades antiflogísticas, antibacterianas, antimicóticas, dermatológicas e espasmódicas. 

Um grande bosque de Candeias me acompanha pelo lado direito.

Fazia um calor infernal, enquanto eu prosseguia meu périplo por estradas agradáveis porém sem sombras.

Meu estoque de água estava se findando e eu ansiava por encontrar alguma residência onde pudesse me reabastecer, porém elas inexistem nesse trecho.

Trecho a céu aberto, sol sol forte.

Quando ocorrem, fato raro, estão localizado longe do caminho, com portões fechados com cadeado e, quase sempre, guardadas por valentes cães.

Caminho belíssimo, porém, sem sombras.

Em determinado trecho, eu ultrapassei a linha férrea, girei à esquerda e, num local sombreado, parei para me hidratar e ingerir uma banana.

Enquanto ali estava, fui ultrapassado pelo cicloturista Eduardo Martins, um paulista que reside em Guararema/SP, e que iniciara o Caminho Velho/Estrada Real em Ouro Preto/MG.

O cicloturista Eduardo, a primeira pessoa com quem conversei nesse dia na trilha.

No dia anterior ele também se hospedara em Carrancas/MG, mas, por absoluta fatalidade, não nos encontramos na cidade.

Conversamos alguns minutos e ele me contou que estava percorrendo uma média de inimagináveis 100 quilômetros/dia, algo somente possível para pessoas jovens e bem treinadas como ele.

Uma foto para eternizar esse momento mágico.

Fizemos uma foto juntos para eternizar o momento, depois ele se foi, pois ainda pedalaria muito naquela data.

Três dias depois ele me mandou notícias, de que já havia chegado em Parati/RJ, sua meta.

Seguindo em frente, por sorte, transitei algum tempo por um local sombreado, algo me robusteceu e animou.

Finalmente, um pouco de sombras..

Prosseguindo, mais adiante, já num local aberto, pude divisar o famoso Pico do Traituba, bem a minha frente, localizado na Serra do Minduri, exatamente na direção para onde eu me dirigia.

Pico da Traituba à frente.

Logo adiante, passei próximo do povoado de Vista Alegre, porém as casas dessa minúscula vila estão situadas à esquerda e acima da linha férrea, de modo que segui olhando para a frente e não as avistei mais.

Foi uma pena, pois só vi o casarão amarelo, onde reside Dona Chiquinha na volta, dentro do táxi, e eu tinha muita curiosidade de conhecê-la, mormente, para perquiri-la sobre possível acolhimento aos caminhantes da Estrada Real, além de visitar as instalações disponíveis para tal.

Igrejinha situada no bairro Vista Alegre.

Logo à frente, passei diante da igrejinha que sinaliza a localização do lugarejo, mas junto dela apenas existe uma escola que, pelo que visualizei, está desativada.

Seguindo adiante, uns 500 metros depois, subi em direção a antiga Estação Traituba, localizada a 1098 m de altitude, cuja inauguração ocorreu em 14-12-1903.

Porém atualmente, como pude comprovar in loco, ela se encontra abandonada e em ruínas.

Triste fim para quem em outras épocas serviu brilhantemente a antiga VFCO -Viação Férrea Centro-Oeste. 

Estação Traituba, hoje abandonada.

Hoje está sendo apenas local de passagem das grandes composições de minério de ferro e aço transportados pela VLI (VALE).

Essa pequena estação de trem me deu a impressão de que tudo foi desativado faz pouco tempo.

Que pena!

Restava no ar uma certa nostalgia, como se alguma coisa ainda estivesse viva por aqui: o trem de passageiros...

Próximo dali, fiz uma pausa na casa do Sr. Roberto, onde fui muito bem recepcionado.

Casa do Sr. Roberto, no bairro Vista Alegre.

Eu estava sedento e ele me forneceu água, bem como me convidou a adentrar em sua residência.

Emergencialmente, me contou que pode acolher caminhantes e, pelo que sei, ele cozinha muito bem.

Ocorre que as instalações se encontram bastante desgastadas, além do que, o local é ermo e isolado, pois somente ele vive ali, acompanhado de um sobrinho, e nada mais existe nas imediações.

O Sr. Roberto, pessoa simpática e que me recebeu muito bem.

De qualquer maneira, ele muito gentilmente permitiu que eu enchesse minhas garrafas com água, batesse uma foto dele na janela, depois do que nos despedimos.

Ainda restavam 4 quilômetros até o meu objetivo daquele dia, e com o sol a pino, segui adiante.

Nesse tramo derradeiro, ainda enfrentei 2 ascensos, um deles bastante rude, em face de meu estado físico já estiolado pela jornada vencida até aquele ponto.

No topo de um morro, instintivamente, um músculo se contorceu em meu estômago e deu um puxão na minha garganta: o açoite da fome.

Parei imediatamente, eu tinha tempo de sobra em relação ao combinado com o taxista; ingeri uma barra de cereais, e segui adiante.

A placa abaixo, marca a divisa dos municípios de Carranca e Cruzília.

Depois de grande descenso, passei diante de uma placa que anunciava que naquele lugar localiza-se a divisa dos municípios de Carrancas/MG e Cruzília/MG.

Então, atravessei um mata-burro e prossegui ainda em forte descenso por uma estrada cascalhada ao extremo, onde descendi com bastante cuidado, pois o risco de uma queda era iminente.

Descendendo sob sol forte.

Depois de um pequeno patamar, a estrada se transformou num piso compacto e pude seguir mais tranquilo.

Ainda assim, a descida foi longa e cheia de curvas.

Simplesmente, para facilitar, joguei o corpo para a frente e deixei a gravidade me levar. 

Céu azul, sol crestante.

É estranho observar que todo o esforço do nosso organismo se inverte na descida, pois os músculos dianteiros das coxas, joelhos e tornozelos são as partes mais sacrificadas do corpo.

E, finalmente, depois de 6 horas de caminhada, cheguei a minha meta para aquele dia: a Fazenda Traituba.

Tranquilamente fiz fotos do local, depois me sentei sob uma árvore para descansar.

Mas, foi por poucos minutos, visto que o táxi adredemente contratado aportou ao local e, 40 minutos depois, eu estava de volta a Carrancas, mais especificamente, na Pousada Roda Viva.

Após o banho e providências de praxe, desci para almoçar.

Finalmente, a sede da Fazenda Traituba.

“A primeira sede da Fazenda Traituba foi construída em 1758, por João Francisco Junqueira Filho, para morar com sua família.

Entre os anos 1827 e 1831, foi construída uma nova sede para receber Dom Pedro I, amigo da família, que sempre vinha caçar na região e hospedava-se na antiga sede. Antes de se concluir a construção, porém, Dom Pedro I abdicou-se do trono, voltando para Portugal sem visitar a fazenda.

A fazenda, desde então, é passada de geração a geração entre a tradicional família Junqueira.

Com o tempo, a tradição da criação de bons cavalos ficou bastante conhecida na Fazenda Traituba, sendo o local considerado como o berço do Cavalo Mangalarga Marchador: “(...) Tudo começou com o trabalho pioneiro de seleção feita por Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, na Fazenda Campo Alegre, Sul de Minas.

Logo, a fama daqueles animais de sela adquiridos pela Fazenda Mangalarga, no Estado do Rio, distinguia-se como modelo de conformação resistente para o trato rural e comodidade para o cavaleiro.

Bom para longas viagens, a sua difusão foi imediata.

Na sua trajetória, a raça se dividiu em duas: levado para uma região topograficamente diversa por um ramo da família Junqueira, o Planalto Paulista, com uma leve infusão de sangue de outras raças estrangeiras, surgiu o Mangalarga "Paulista", que passou a se caracterizar pela marcha trotada.

O Mangalarga Mineiro manteve o seu andamento original, a marcha batida ou picada, daí, Mangalarga Marchador.

A partir de um acompanhamento zootécnico realizado com rigor por criadores aficionados do Mangalarga Marchador, forma-se a primeira raça do continente americano, destacando-se como o mais brasileiro dos cavalos nacionais, por ter sido selecionado a mais de 150 anos, sem sofrer qualquer cruzamento com animais estrangeiros. 

A sede da Fazenda Traituba, um pouco mais próximo.

O legado do Barão de Alfenas aos seus descendentes, que se distribuíram pela região sul de Minas Gerais, foi consolidado através dos anos por cinco seculares fazendas, consideradas como pilares da raça Mangalarga Marchador.

Através do trabalho incansável de seleção dos plantéis por parte de seus proprietários, estas fazendas deram origem às principais linhagens que atualmente regem a raça.

O estágio de evolução atingindo pela raça está, portanto, estreitamente ligado à dedicação desses antigos fazendeiros de Minas, principalmente os filhos, netos e inúmeros descendentes da família Junqueira, que além de darem prosseguimento à atividade seletiva e aprimoramento dos rebanhos, preservaram em quase todos os seus aspectos as fazendas onde esse trabalho teve início.

São elas: Favacho, Angahy, Traituba, Engenho de Serra e Campo Lindo...” (Jn: Jornal "O Marchador", edição de novembro de 1983 e janeiro de 1984).

Em termos históricos, sabe-se que a revolta de Carrancas foi a maior insurreição de escravos ocorrida no Brasil, tendo como foco inicial o entorno da Fazenda Traituba.

Nessa fazenda também existe um jequitibá-rosa de dimensões excepcionais, já que são necessários 9 homens adultos para abraçá-lo.

A colossal árvore está situada próximo ao Pico da Traituba, e suas dimensões equivalem a 51 metros de altura, 4,50 m de diâmetro e com 15,20 metros de circunferência no DAP.

Realmente, uma árvore que surpreende todos aqueles que chegam aos seus pés, um lugar onde se esconde o maior e mais antigo vegetal do Estado de Minas Gerais.

Atualmente, a propriedade após ter sido transformada em Hotel - Fazenda, se encontrava desativada e fechada para visitação. 

Interior da igreja matriz de Carrancas/MG.

À tardezinha, após uma merecida soneca, retornei a matriz da cidade para assistir uma missa que ali se realizava.

Já do lado de fora, ao fazer mais uma foto da antiga igreja de pedra, matriz da cidade, notei que ela tem duas torres, mas uma diferente da outra.

Busquei informações com um simpático senhor aposentado que deixava o local e ele me contou que um raio caiu durante uma tempestade, destruindo uma delas.

Ao fazerem a restauração, ficou diferente.

As duas torres da igreja matriz de Carrancas/MG, são desiguais.

Depois, sentei num banco da simpática cidadezinha e, enquanto aguardava o sol se pôr, fiquei a repensar aquele memorável dia.

Porquanto, quando andamos 20, 30 quilômetros a pé, temos uma outra ideia do mundo.

Prova disso havia acontecido naquela manhã, quando embarquei num táxi, defronte à Fazenda Traituba e, em 40 minutos, estava de volta a Carrancas.

O chão passou depressa demais, posto que tudo se movimentou rapidamente, meus olhos se prenderam aos buracos da estrada, às sinuosas curvas que surgiam do nada.

E não tive tempo de ver as montanhas, as árvores, formigas passando apressadas, abelhas colhendo mel nas flores dos eucaliptos.

A trilha passou muito rápido na volta, de carro...

O barulho do carro não me deixou ouvir os sabiás, as maritacas, as seriemas.

Também não contemplei a nuvem avançando lenta pelo firmamento, pois, preocupado em me proteger do sol, não vi nada.

Ainda assim, me sentia feliz e em paz, porque dei as mãos ao mundo, agradeci as árvores por suas sombras, ouvi o vento passar, e, ainda, vi o céu, a mata, o ribeirão correndo livre, sem aqueles canaletes de concreto, cheios de esgoto.

O mundo assim é mais bonito.

Dessa forma, eu me sentia muito melhor que de manhã, quando partira para o desconhecido e, disso, eu tinha a mais absoluta certeza.

Dentro do carro, no retorno, não ouvi os sábias e nem as maritacas... Foi tudo muito rápido...

Posteriormente, me debruçando sobre a história local, fiquei sabendo que da imensidão das terras que compunham Carrancas, desmembraram-se, mais tarde, várias outras povoações como Abade, Ingaí, Itumirim, Itutinga, Lavras, Luminárias, Minduri, Três Pontas, São Bento, São Tomé das Letras e São Vicente de Minas.

Por sinal, foi por aqui, nos primeiros anos do século XX, que teve início a indústria do laticínio no Brasil, com a chegada dos dinamarqueses Poul Partholdy, Hans Norremose, Lief Kay Godfredsen e Thovard Niiesen, que liderava o grupo.

Iniciaram o trabalho na Fazenda Campo Lindo, propriedade da família Junqueira, em Cruzília.

Nielsen trouxe da Dinamarca as fórmulas e as técnicas de produção de queijos Dambo, Fymbo e Tybo, iniciando o processo da fabricação.

Partholdy fundou a Laticínios Campo Lindo, instalando pequenos pontos de produção nas fazendas vizinhas, onde fazia os queijos Prato, Etep e Goulda.

Em Minduri, Hans Norremose fundou a Laticínios Dana, e foi ele quem produziu o primeiro queijo Camber na América Latina.

Os produtos Dana eram vendidos no Rio de Janeiro, onde tinham boa aceitação.

Queijos, em Carrancas/MG

Mais tarde Hans criou a Luna, para atender o mercado de São Paulo., instalando ainda outras pequenas indústrias nas fazendas do Engenho, Jabuticabas e Cachoeira, no município de Carrancas,

Já naquele tempo ele usava, como transporte, um pequeno avião monomotor para se locomover entre os locais de seu interesse.

No início, Godfredsen, que ficou conhecido por Godofredo, trabalhava com Nielsen.

Depois montou sua própria fábrica, na Fazenda do Favacho, em Minduri.

Sua empresa mais importante, a Laticínios Skandia, foi instalada em Seritinga, perto de Caxambu.

Ali foi produzido o primeiro queijo Rockefort.

Para se fabricar queijos como o Prato, Goulda, Gruiev e Ementhal é necessário que a matéria-prima, o leite, contenha elementos especiais, conseguidos apenas em lugares com topografias, clima e solo corretos, como em Carrancas.

Muitas empresas importantes, que não só continuaram a produção desses queijos especiais, mas aperfeiçoaram sua qualidade, são comandadas ainda hoje por descendentes desses pioneiros.

(Fonte: História do Queijo no Brasil)

Totem da ER fincado na praça central de Carrancas/MG.

Mais tarde, ingeri um singelo lanche num bar situado próximo do meu local de pernoite e logo me recolhi, porquanto a jornada sequente seria de grande extensão, e também sob sol forte.

AVALIAÇÃO PESSOALUma etapa de razoável extensão, e com algumas variações altimétricas importantes. Nela, também transitei por locais ermos, silenciosos e com exuberante vegetação. No trajeto existem inúmeras fazendas centenárias, onde o foco é o turismo ecológico. O forte nesse trecho são as fazendas de gado, mas também encontrei imensas plantações de milho e eucalipto. A partir da metade da jornada o cenário se expandiu e caminhei por locais sem sombra, sob sol crestante e terrível calor. No global, um percurso dificultoso, mormente porque em face da soalheira, minha água acabou e tive dificuldades em consegui-la, o que motivou um desgaste físico além do normal.

RESUMO DO DIA:

Tempo gasto, computado desde a Pousada Roda Viva, em Carrancas/MG, até a Fazenda Traituba, em Cruzília/MG: 6 h;

Clima: frio e nublado de manhã; depois das 7 horas, calor e sol forte, até o final da jornada.

Pernoite na Pousada Roda Viva: Apartamento individual – Muito bom! – Preço: R$80,00.

Almoço no Restaurante da Pousada Roda Viva: Excelente! – Preço: R$35,00 o kg, no Self-Service.

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