4º dia: MUTUÍPE a JIQUIRIÇÁ – 25 quilômetros “O primeiro dos bens, depois da saúde, é a paz interior”. (François La Rochefoucauld)
Jiquiriçá – 270 metros de altitude. Contato: Pousada dos Prazeres – Gilson – (75) 3651-2095 De Mutuípe a Jiquiriçá são 26 quilômetros. Poucos pontos para abastecimento. No quilômetro 7, Fazenda de Josafá. Banho de rio. Chegando em Jiquiriçá, você terá que atravessar toda a cidade até encontrar a pousada. Aproveitar o banho na Cachoeira dos Prazeres. (Transcrito do folheto informativo que o peregrino recebe na Pousada do Bosque, em Amargosa, início do Caminho)
Embora a jornada fosse de média extensão, estávamos num domingo, dia que gosto de almoçar no horário costumeiro e também de dar notícias a minha família. Dessa forma, combinamos com a gerente do hotel, para que nosso da café da manhã fosse servido às 5 h 30 min. E, para nossa gáudio, cumpriu-se o aprazado. Após as despedidas, demos início à nossa jornada, exatamente, às 5 h 45 min. Havia chovido bastante durante a noite e a manhã se apresentava ventosa e fresca, ideal para caminhar. Seguimos por uma rua em ascensão, e passamos diante do cemitério municipal. Mais abaixo, giramos à esquerda e adentramos em uma larga estrada de terra, que seguiu beirando o majestoso rio Jiquiriçá. Caminho úmido, situado ao lado do rio Jiquiriçá. A manhã ia surgindo. Ainda não era dia, mas a luz das estrelas se apagava e o céu embranquecia. O piso se encontrava úmido e liso, por isso seguimos com muito cuidado para evitar quedas. Mais adiante, giramos à esquerda e, ainda em ascensão, seguimos em meio a extensas fazendas de gado leiteiro. Numa bifurcação, tomamos à direita e, mais acima, apesar do horário extemporâneo, encontramos um grupo de jovens motoqueiros reunidos junto a um campo de futebol, enquanto um senhor vistoriava o gramado. O local se encontrava extremamente alagado, como pudemos observar quando atingimos o topo da elevação, por isso não dá para sabermos se houve jogo ou não nesse dia. Prosseguindo, a paisagem se abriu e pudemos visualizar muita neblina sobre o vale por onde corre o rio Jiquiriçá. Seguimos depois em leve descenso, sempre em meio a muitas pastagens, onde o verde era a tônica para todos os lados que olhássemos. E, como sempre, também avistamos várias plantações de banana, a tônica nessa região. Era domingo, e havia uma sensação de quietude no ar, como se a natureza descansasse. A neblina aparecia no horizonte, em direção ao local para onde seguíamos, sinal de que o sol viria forte mais tarde. Depois de caminharmos aproximadamente 7 quilômetros, passamos diante da Fazenda de Josafá, cujo visual é belíssimo. O “descritivo” desse caminho fala em banho nesse local, mas nesse dia, com a temperatura ao redor de 18 graus, face ao horário em que por ali transitávamos, tal façanha seria impossível. O caminho prosseguiu com leves ascensos e outros tantos descensos, mas nada de grande magnitude. O entorno permanecia belíssimo, um colírio para nossos olhos. O verde estava para todos os lados e, no topo de pequena elevação, pude apreciar a estupenda paisagem que se desenhava pelo meu lado direito, já que minha companheira havia ficado uma centena de metros à minha retaguarda. Seguimos sempre em leve descenso numa estrada que apresentava inúmeras poças de água, sinal que a chuva naquela região fora torrencial. Após percorrermos 11 quilômetros, passamos pelo bairro Bom Jesus, onde uma placa datada de 1996, agradecia a eletrificação do local. A Marlene foi pedir informações a um senhor ali residente, o Damião, e ele prontamente nos intimou a tomar um café em sua casa. Convite difícil de ser recusado, visto que até aquele momento ainda não havíamos feito nenhuma pausa, nem ingerido qualquer alimento. Assim, adentramos em sua residência, onde pudemos conhecer sua esposa, a Eleni, um doce de pessoa. Foram momentos agradáveis, de boa e necessária prosa, mas o sol estava esquentando e, após 15 minutos de descanso, nos despedimos e reiniciamos nossa odisseia. Que seguiu em leve ascenso, em meio a fazendas de gado. (Créditos: Marlene Araújo Arruda) Pastos verdejantes nos ladeavam nesse trecho, e foi intensamente gratificante caminhar por locais tão bucólicos e arejados. Passamos a descender e inúmeras estradas se abriam no horizonte. Para que lado seguiríamos? Ao longe, uma serra nos aguardava. Iríamos transpô-la naquele dia? Se fosse verdade, em qual local, exatamente? Essas dúvidas que permeavam nossas cabeças seriam infundadas, porquanto logo girávamos à direita, na direção sul. Após ultrapassarmos graciosa cachoeira, dobramos à direita e seguimos por um grande planalto, tendo um verdejante bosque nos acompanhando pelo lado esquerdo. Um quilômetro adiante, num cruzamento, obedecendo à sinalização, giramos bruscamente à direita e iniciamos o mais difícil aclive do dia. Ali, uma placa, afixada num poste, nos avisava que ainda restavam 10 quilômetros até nosso objetivo. O sol já estava a pino e fazia um calor infernal. Lentamente e bravamente, com a Marlene à minha retaguarda, fomos sobrepujando a extensa ladeira. Nesse trecho, passamos por inúmeras fazendas onde a cultura do cacau era a tônica, embora houvesse muito gado nas pastagens do entorno. Finalmente, no topo da elevação, fizemos uma pausa para respirar e observar o horizonte. O sol prosseguia refulgindo ferozmente sobre nossas cabeças, num céu de parcas nuvens. A grande serra que avistáramos prosseguia a nos ladear pelo lado esquerdo e, em nossas deambulações, persistia a dúvida se iríamos defrontá-la naquele dia. No topo da montanha, a bucólica imagem que se desenhava a nossa frente era, realmente, de dilatar nossas pupilas, tamanha a beleza estampada naquilo que vislumbrávamos no vale, à nossa esquerda. Prosseguimos descendendo até que, num cruzamento, fletimos bruscamente à nossa esquerda. Ali existia um bar e a Marlene aproveitou a ocasião, para adquirir mais uma garrafa de água, já que o sol nos agredia com força. Ultrapassado o riacho por uma ponte de madeira, teve início a derradeira elevação desse dia, que fui vencendo com galhardia, tendo a Marlene me seguindo alguns metros atrás. A paisagem que se descortinava a minha direita era algo de tirar o chapéu. O caminho, de terra batida e sem poeira estava bastante movimentado, sinal de civilização próxima. Ainda em ascenso, passei por locais arborizados, em meio a muitas chácaras, onde o pessoal aproveitava o domingo para relaxar e curtir música em alto volume. Após vencer a derradeira e curta elevação, encontrei uma senhora que varria a calçada de sua residência e me acolheu com um sorriso. Como meu estoque de água estava praticamente no final, pedi um copo desse precioso líquido, no que fui atendido de imediato. Ali fiquei por alguns instantes conversando com dona Célia, até a Marlene chegar. Após despedidas, prosseguimos adiantes e logo adentramos em zona urbana. Teve início uma extensa declividade que fomos vencendo passo a passo, sobre um calçamento de paralelepípedos. Na maior parte dessa avenida não havia calçadas, de forma que seguimos com muito cuidado, porque estávamos num domingo, e o trânsito de veículos era intenso. Finalmente, já no plano, passamos diante da igreja matriz da cidade, cujo padroeiro é Nosso Senhor do Bonfim. Cruzamos a praça central e ali tomei informações com um senhor, para saber a direção a seguir, já que nas ruas dessa cidade, ao revés das outras, não encontramos setas sinalizados do Caminho da Paz. Seguimos por uma rua que não terminava nunca, passando por inúmeros bairros residenciais bastante movimentados. Finalmente, aportamos na Pousada Cachoeira dos Prazeres, onde havíamos feito reserva. Ali, por R$45,00, pudemos desfrutar de um quarto individual, de razoável qualidade. Para almoçar, utilizamos o Restaurante Nossa Casa, onde dona Angélica, a proprietária, nos proporcionou uma suculenta refeição. Enquanto a Marlene lia um livro que levara, me recolhi para descansar. Cachoeira dos Prazeres, em Jiquiriçá/BA. O povoado teve início em 1860, em um local conhecido como “velhas”, pertencente ao município de São Vicente Férrer D’Areia. Nasceu como local de pouso para os tropeiros que viajavam conduzindo cargas entre Nazaré e Aratuípe, até Vitória da Conquista. Foi elevado à categoria de freguesia em 16 de setembro de 1878, passando a chamar-se Senhor do Bonfim da Capela Nova, em decorrência da existência de uma capela no povoado dedicada a esse Santo. Em 1891, através do ato estadual datado de 31 de janeiro, desmembrando-se de São Vicente Férrer D’Areia, tornou-se município, com o nome de Capela Nova de Jiquiriçá. Em 1904, pela lei estadual nº 570, de 15 de setembro de 1904 seu nome foi simplificado para Jiquiriçá - palavra indígena que quer dizer instrumento de pesca (Jiquir) de rio (Içá). A Lei Estadual 1882 de 16 de julho de 1926 desmembrou do município o distrito de Mutum, que mais tarde originaria o município de Mutuípe. Em 1943, o município de Jiquiriçá foi extinto e anexado ao município de Mutuípe, só sendo restaurado um ano mais tarde, em 1º de junho de 1944. Rico em recursos hídricos até algumas décadas atrás, Jiquiriçá ainda possui algumas belas cachoeiras, dentre elas, a cachoeira dos Prazeres, a de Guigó, e a de Clóvis. Porém como sofrem com a escassez de água durante a maior parte do ano, algumas chegam a ter sua vazão reduzida em mais de 50%. Mesmo assim, algumas destas ainda são de grande importância para o turismo local. Sua população atual é de 15 mil habitantes. (Fonte: Wikipédia) Cachoeira dos Prazeres, em Jiquiriçá/BA. Mais tarde, após merecida soneca, fomos conhecer a atração mais famosa da cidade: a Cachoeira dos Prazeres, de efetiva beleza. Antigamente, ela era a responsável pela forte afluência de turistas na região que ali aportavam em grande número, quase sempre em ônibus de excursão. Porém, a intensa movimentação de pessoas pelo local acabou por degradar o ambiente, forçando o Ministério Público da Bahia a entrar com uma ação judicial, com vistas á preservação do local. O acesso às quedas d'água foi restringido, mas gerou muitos protestos da população, que viu seus ganhos com o turismo minguarem. De acordo com o que foi estabelecido pela decisão judicial, a Área de Proteção Permanente (APP) deve ser cercada em faixa marginal com largura mínima de trinta metros, ficando proibida a entrada de turistas e banhistas em período de interdição, até que um estudo seja feito para analisar a viabilidade de exploração turística da área. A ação civil pública foi ajuizada após laudo técnico emitido pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e estudos da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), que, entre outras causas, constataram danos ambientais decorrentes da superlotação por turistas, de forma predatória e desordenada, problemas de segurança e lançamento de esgoto de barracas e quiosques na área. Caso a ordem seja descumprida, prevê-se uma multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais). Tal decisão ocorreu em fevereiro de 2014 e não foi revogada até o momento. Lá pelas 16 horas, Marlene e eu demos uma grande volta pelo local, fotografamos e retornarmos ao Restaurante de dona Angélica para jantar um singelo pão com ovo. Jantar desse dia. (Créditos: Marlene Araújo Arruda) Como o tempo mudara para chuva e o percurso de maior extensão, estava previsto para o amanhã seguinte, recolhemo-nos mais cedo. Lentamente o dia se vai. No céu já estão presentes a lua e Vênus. IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada agradável e de média extensão. Nela existe praticamente dois ascensos importantes. O restante do trajeto é plano, e transcorre sempre em meio a verdejante vegetação. A travessia pela cidade de Jiquiriçá é sofrida, porque é longa e, quase sempre, por ruas que não têm calçadas. Porém, a visita à Cachoeira dos Prazeres, de inaudita beleza, compensa todo o esforço.
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