3ª Jornada - ZARAUTZ a DEBA

3ª Jornada – Zarautz a Deba - 22 quilômetros: “Uma etapa difícil!”

 A jornada não seria tão longa, no entanto, observando os mapas que portava, verifiquei que eu transitaria por locais extremamente acidentados.

 O primeiro trecho seria todo em área urbana, de forma que não teria problemas com a sinalização.

 Ciente desse facilitador, eu resolvi sair bem cedo, pois havia indicação de sol forte durante aquele dia, com possíveis pancadas de chuva no período vespertino.

 Desse modo, levantei às 5 h e deixei o hotel exatamente às 6 h, seguindo por calçamento urbano junto à rodovia N-634, que corta toda a cidade.

 Depois de ultrapassar a igreja de Santa Maria Real, segui à direita, agora por um calçadão de lajotas, construído ao lado de uma estrada asfaltada, e que segue bordeando a costa, por uma extensão de quatro quilômetros, onde se tem uma visão privilegiada do mar e arredores.

 Quase no início dessa via, passei junto ao pequeno porto de Zarauz, que alberga uma vintena de pequenas embarcações, e que, como pude visualizar, balouçavam de um lado para outro, no vaivém das águas.

 O caminho nesse local é extremamente belo, mas, também, bastante concorrido, pois é utilizado como área de lazer por pessoas que saem passear, caminhar ou correr, já que serve de ligação aos povoados.

Às 7 h, o dia amanhecia e, finalmente, cheguei à Getaria, um dos portos históricos de Guipúzcoa, lugar de nascimento de Juan Sebastián Elcano, piloto de Fernão de Magalhães, que completou a primeira volta ao mundo.

Em sua homenagem construiu-se um monumento, que se encontra fincado na “Plaza del Ayuntamento”.

Ali também nasceu Cristóbal Balenciaga Eizaguirre, filho de um pescador e uma costureira, um dos estilistas espanhóis mais conhecidos em todo mundo (1.895/1.972), pois chegou a dar aulas de moda a famosos como Oscar de la Renta, André Courréges, Emanuel Ungaro e Hubert de Givenchy.

Numa pequena elevação avistei a Igreja de San Salvador, um dos templos em estilo gótico vasco mais antigos dessa província.

Trata-se de uma construção do século XV, que previsivelmente se encontrava fechada naquele horário.

Essa simpática vila foi edificada em terreno irregular e se assenta, em seu “casco viejo”, sobre um istmo que forma o monte de Santo Antón, conhecido, popularmente, como “el Ratón del Getaria”, posto que visto à distância, se assemelha a esse nojento roedor.

Na sequência, ascendi por difícil elevação que se eleva paralela ao porto de Meagas.

Nesta zona as ladeiras estão ocupadas por grandes plantações da uva Txakoli, da qual se produz um vinho branco, seco e um pouco espumante, com alta taxa de acidez e baixo teor de álcool, muito consumido nessa região.

Ainda em ascensão, passei pelo bairro de Askizu, onde se destaca uma enorme igreja dedicada a San Martín de Tours, a rememorar a devoção dos caminhantes e peregrinos a esse santo.

Em seu interior, hospeda um calvário gótico de tamanho natural.

A partir desse trecho, já num plano mais baixo, passei pela empresa de agroturismo Agote Haundi e depois pelo bairro Mendi Txiki, onde peguei à direita, e logo avistei o mar, que me acompanhou a uns 200 m, se tanto, pelo lado direito.

Seguiu-se um descenso extenso e pronunciado, primeiramente sobre pedras soltas, um tormento para meu joelho inflamado, depois em cimento e, finalmente, por escadarias.

Aportei em lugar plano junto à foz do rio Urola, em Zumaia, berço do célebre pintor espanhol Ignácio Zuloaga (1.870/1.945), uma cidadezinha belíssima e hospitaleira, onde uma imensa marina abriga barcos e iates de todos os tamanhos e modelos, mostrando a pujança dessa povoação.

Prossegui por uma avenida até uma ponte, através da qual transpus o curso líquido que banha a cidade e, em seguida, cruzei perpendicularmente a urbe até sair próximo às escadarias da igreja de Arritokietako, que abriga o Convento das Carmelitas e o Museu Zuloaga.

Durante esse passeio urbano se tem um visual espetacular e está muito bem sinalizado, de forma que não tive dificuldades em encontrar o rumo a seguir.

Encontrei um bar já aberto e aproveitei do lugar para ingerir um espesso café, além de me prover de água, posto que o sol dardejava, num céu límpido e sem nuvens.

A partir desse local, a Rota diz “até logo” ao mar Cantábrico para remeter-se ao interior, em direção ao monte Arno, fronteira das Províncias de Guipúzcoa e Vizcaya, onde, segundo os guias, os peregrinos medievais passavam por mil perigos.

Alguns, na antiguidade, preferiam seguir beirando a costa, passando pelos povoados de Lekeitio e Bermeo, porém logo se deram conta de que o trajeto por Markina e Guernica, afastado da costa, era bem menos extenso nesse trecho, e que em seu final, retornava a beirar o mar, mas isto já em Bilbao.

Na sequência, ainda subindo por uma estrada asfaltada, entre muitas fazendas de gado, consegui chegar ao alto do morro, e ali encontrei o bairro de Elorriaga, onde existem algumas casas e apenas um bar, que por sinal ainda estava fechado.

Os registros dão conta que essa minúscula aldeia existe desde 1.391, portanto, é mais antiga que os povoados localizados junto à costa cantábrica, que lhe fazem divisa, inclusive a cidade de Zumaia, sua sede.

Um vento fortíssimo varria a campina naquele local, assim, resolvi prosseguir adiante e logo principiei a descer, até ultrapassar, já embaixo, a conhecida rodovia N-634.

Após um brusco ascenso pelo outro lado, ainda em asfalto, segui em direção à Sagardotegiak.

No topo do morro, girei à direita e prossegui adiante, agora em direção à Zubelzu Zar.

Mais abaixo, depois de um quilômetro, adentrei à direita numa trilha matosa e com bastante barro, que me conduziu entre grandes fazendas de gado e, após uns dois quilômetros, voltei novamente, à rodovia.

Ali, obedecendo à sinalização, segui caminhando pelo acostamento por uns 500 m, até entrar à direita, conforme remetiam as flechas amarelas.

Nesse local alcancei 5 peregrinos, dentre eles o meu amigo Javier, que carregava uma enorme mochila e alguns objetos pendentes.

Havia, ainda, um grande cantil, segundo ele, abastecido com um excelente vinho tinto.

Na sequência, conversando agradavelmente, caminhamos todos à beira de um regato, por um caminho bastante fresco e sombreado, vez que o sol já crestava forte.

 Mais acima, principiamos a subir e depois de superar um terrível “repecho” (encosta íngreme, em espanhol), acabamos por sair numa grande rotatória, já no alto de Gaintza, onde ocorre o cruzamento da “carretera” de Itsaspe com a N-634, um local de intenso trânsito de veículos pesados.

 Ali fiz uma pausa para descanso e ingestão de água, pois em face da altimetria vivenciada nesse trecho, o cansaço já me alquebrava.

 Enquanto me revitalizava, observei outros peregrinos caminhando adiante, agora por asfalto, ainda em grande ascensão em direção ao topo do morro.

 Como não havia outra solução, prossegui em frente por uma empinada ladeira, até seu cume, onde está fincada a cidade de Itzar, que se formou em torno do famoso Santuário de Santa Maria de Itziar, uma edificação do século XI.

 Junto à igreja, notei uma escultura interessante, nominada de “La Maternidad”, uma criação atribuída ao popular artista espanhol Jorge Oteiza.

 Esse pequeno povoado, um dos assentamentos mais antigos dessa comarca, foi fundado em 1.294.

 O templo se encontrava fechado como os demais encontrados nessa etapa, de forma que resolvi seguir adiante.

  E o fiz ainda subindo por uma pista empedrada que terminou no topo da elevação, defronte o cemitério local.

 Ali existiam bancos e pude ter uma bela vista do imenso vale de onde eu viera caminhando.

 Aproveitei o descanso para bater fotos, hidratar e ingerir um tablete de chocolate, pois meu relógio marcava 11 h 30 min, e meu estômago já estava a reclamar por algo consistente.

 Na sequência, prossegui por uma via vicinal asfaltada, de pouco tráfego, sempre em grande declive.

 Na verdade, esse trecho corresponde ao traçado do antigo caminho medieval que unia as vilas da região.

 Mais abaixo passei defronte à igreja de São Roque e logo enfrentei terrível e perigoso descenso, que magoaram profundamente meus pés e quase destroçaram meus joelhos, pois essa ladeira se apresenta, perdão da palavra, quase como um crime para os estafados andarilhos.

 Já no plano, percebi que estava sobre uma grande platibanda, de forma que para decair ao nível da urbe eu necessitaria descer por uma escadaria ou tomar um elevador, cujo acesso estava localizado junto ao patamar superior.

Prudentemente, e com os pés em brasa, utilizei a segunda opção.

Deba é uma pequena cidade com cerca de 5.000 pessoas, e sua ocupação iniciou-se a partir do ano de 1.300, como colônia de pescadores, sendo oficialmente fundada em 1.343, com o nome Monreal de Deba.        

Seus habitantes, à época, dedicavam-se à pesca, agricultura, indústria e ao comércio.

Como os demais habitantes do litoral, empregavam o seu maior esforço na pesca da baleia, sendo que as ferrarias constituíam a base industrial, e se localizavam junto aos riachos, uma vez que utilizavam a força hidráulica.

O comércio desenvolveu-se bastante pelo tráfego de lãs, que através de seu porto, eram exportadas a outros países da Europa, mas decaíram por conta de pouco calado da baía costeira, bem como pelo desenvolvimento da siderurgia nessa região.

Nasceu então o interesse turístico no século XIX com a presença de veranistas.

Os banhos de mar ganharam importância e a cidade, com sua praia, tornou-se um excelente lugar para descanso, sendo muito frequentada por visitantes, que concorreram para desenvolver a indústria hoteleira.

Atualmente, uma cidade moderna e com intensa vida no verão, conserva alguns edifícios antigos e dentre todos se destaca a igreja de Santa María la Real.

Trata-se de um grande templo gótico vasco, edificado no século XIV, possuindo três naves e um claustro, além de uma grande fachada monumental, recentemente restaurada.

Na cidade fiquei hospedado no Hotel Aisia, onde também almocei.

O belo edifício se localiza fronteiriço ao mar, e mais tarde pude dar um passeio pelo calçadão existente junto à praia, porém, em face do frio reinante, pouquíssimas pessoas se aventuravam a, sequer, caminhar na areia.

Já à tardezinha, resolvi “sellar” minha credencial na Oficina de Turismo da cidade, porém, como era Semana Santa, todas as repartições públicas trabalhavam meio expediente, de forma que encontrei o local fechado.

Então, imitei outros quatro peregrinos alemães que chegavam naquele instante à cidade: fomos todos ao prédio da Polícia Civil, e ali obtivemos o carimbo tão obsequiado.

O sargento de plantão, muito simpático, respondeu a algumas de minhas indagações sobre a jornada seguinte, bem como me deu o endereço de um supermercado próximo e, ainda, informou o local onde funcionava uma “lan-house”, onde pude dar notícias à família.

Depois, tentei fazer reserva no único hotel existente na cidade de Markina, onde pretendia pernoitar no dia seguinte, contudo, sem sucesso, pois o telefone estava sempre ocupado.

Alguma coisa estava errada, pensei frustrado, porém o motivo eu só fui descobrir quando lá aportei.

À noite, optei por um singelo lanche no próprio quarto do hotel e, em seguida, fui dormir, porquanto, estudando os mapas que eu portava, me pareceu que a etapa seguinte seria bastante complicada.

Como de fato ocorreu!

AVALIAÇÃO PESSOAL - Uma jornada dura e difícil, mormente pelos “tramos” em asfalto que enfrentei (aproximadamente, 15 quilômetros). Ainda, existem três íngremes ascensos a vencer, um logo após a passagem pela cidade de Getária, outro depois de Zumaia e, o mais terrível de todos, o aclive em direção ao povoado de Itzar. Sem falar no descenso brusco em direção à Zumaia e outro, terrivelmente agressivo, na chegada à Deba. No geral, percurso relativamente curto, no entanto, de gradações consideráveis.

 4ª Jornada - DEBA a ZENARRUZA