6º dia: TAMBAÚ a CASA BRANCA - 30 quilômetros

6º dia: TAMBAÚ a CASA BRANCA - 30 quilômetros

"Ela é a Mãe, que nunca dorme e está em todos corações. É uma força universal, está no Céu e nos dá o perdão. Ela é o Amor, é a Salvação, é a alegria, é a nossa Vida. Ó Mãe querida, Nossa Senhora Aparecida."

O percurso seria de média extensão, e eu já conhecia de sobejo.

Assim, mais tranquilo, levantei às 5 h e, após as abluções matinais, ingeri frutas e uma barra de chocolate.

Às 6 horas, antes de partir, pude ingerir um copo de café espesso e cheiroso que o Marcos “Tarzan”, o proprietário de estabelecimento, havia preparado.

Então, após fraternais despedidas, pois, creio que é a 6º vez que me hospedo no hotel, deixei o local de pernoite, seguindo em direção ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida.

A previsão meteorológica para aquela data persistia imutável, com céu claro, sol e frio de manhã.

Mais acima, eu ultrapassei a rodovia que segue em direção ao túmulo do Padre Donizetti, e, observando às setas amarelas pintadas nos postes, logo passei a caminhar em terra, por um local deserto, onde existe um novo loteamento de terrenos. 

Outro dia nascendo...

Ali acabou a iluminação urbana, mas o dia já estava amanhecendo, de foma que pude prosseguir sem problemas. 

Seguindo as flechas, mais abaixo, eu passei próximo de um grande açude, onde, acredito, é feita a captação de água para a cidade.

Senti não ter às mãos um gravador, pois um bando de seriemas junto ao lago brindava com seu estridente canto o bucólico lugar.

Mais acima, numa bifurcação, as flechas me remeteram à esquerda.

Então, principiou-se um trajeto campestre e extremamente interessante, que mesclou trilhas com caminhos em terra, bem definidos.

A aurora já tingia o céu com as suas cores madreperoláceas, quando passei a caminhar em meio a exuberante vegetação, na maioria das vezes, constituída por extensos bosques de eucaliptos. 

A trilha que vai desaguar na estrada vicinal.

Porém, uma hora depois, 6 quilômetros percorridos, a sinalização me encaminhou para a estrada vicinal que liga Tambaú a Casa Branca.

Então, todo o encanto da jornada se desfez, porque encontrei um intenso tráfego de veículos, principalmente de treminhões, enormes carretas que transportam cana-de-açúcar, já que estávamos em plena safra dessa gramínea.

Apesar das chuvas recentes, o tráfego quase ininterrupto de veículos acabou por esfarelar a terra, deixando-a solta no piso.

Assim, como os veículos trafegavam quase sempre em alta velocidade, levantavam enormes nuvens vermelhas de pó. 

O dia seria de muito sol.

Lembrava-me bem que ingerira e aspirara muita poeira nesse trecho, quando nele transitei em 2012, provindo da cidade de São Carlos.

Por isso estava preparado, vez que trouxe na mochila, máscaras cirúrgicas para salvaguardar minha saúde.

Nesse dia, prudentemente, colocara uma no bolso da jaqueta, mas com esperança de não precisar utilizá-la.

Contudo, quando vi o estado da rodovia, coloquei a proteção sobre o nariz e a boca, me senti mais tranquilo, seguindo em frente. 

O sol finalmente aparece.

O sol, finalmente raiou, deixando tudo mais belo e brilhante.

Eu seguia tranquilo e aproveitei os momentos de silêncio, quando era possível, para externar minhas orações.

Em determinados tramos, por haver pedras no leito da estrada, a poeira era incipiente. 

Um cirurgião ou um homem-bomba? Nada disso, apenas um peregrino prevenido contra a poeira.

Infelizmente, nesse trecho, também encontrei muito entulho e sujeira à beira da estrada, quase sempre fruto do descarte desordenado e irresponsável dos apedeutas que se aproveitam do local ermo, onde não há fiscalização municipal.

Mas, por obra divina, não há mal que sempre dure.

Assim, uma hora depois, mais 6 quilômetros vencidos debaixo de muito sofrimento e desolação, a estrada passou a ser em asfalto, o que meus pulmões festejaram. 

Piso firme nesse trecho.

Na verdade, todo esse “inferno” que passei, não existia no traçado anterior, pois se tratava de um trajeto que cortava propriedades privadas, num percurso integralmente silencioso em meio à exuberante natureza.

Porém, segundo fiquei sabendo, os proprietários acabaram por fechar o roteiro, revoltados contra os falsos e inescrupulosos peregrinos, que se aproveitavam para desbastar os pés de árvores frutíferas existentes ao longo desse percurso.

Assim, a Prefeitura Municipal de Tambaú precisou “improvisar”, ou melhor, sinalizar um novo trajeto, infelizmente, este pelo qual eu seguia. 

Trecho bucólico..

Por sinal, extremamente perigoso e desagradável.

Bem, mais adiante, depois que atravessei uma ponte sobre as vias férreas, as flechas me direcionaram para a esquerda, quando acessei outra larga estrada de terra.

Até aquele local eu já havia percorrido 9.500 metros e prosseguia com ótimo ânimo. 

Trajeto arejado e sem sombras.

Então, gratificado, passei a caminhar em meio a imensas fazendas de criação de gado, alternando com áreas recentemente lavradas, que estavam apenas aguardando a benfazeja chuva primaveril para ser novamente semeadas.

Um quilômetro à frente, junto a uma grande árvore, onde existe uma casa amarela, 3 cães vira-latas saíram em disparada na minha direção, dentes à mostra, tentando me morder.

Pego de surpresa, me defendi como pude, utilizando o cajado que empunhava.

Na verdade, tais ataques não são a tônica nos caminhos que percorro, ocorrem muito esporadicamente. 

Muito cuidado nesse local, onde fui atacado por 3 cães.

Tenho o maior respeito por esses nobres animais e não gosto de agredi-los, mas precisava me proteger, de forma que num lance de sorte, pespeguei uma certeira cacetada no dorso do cão negro, o mais agressivo dentre os três.

Ele saiu ganindo e, por conta disso, os outros arrefeceram seus ânimos, me dando tempo de apanhar algumas pedras e atirar em meus algozes, espantando-os em definitivo. 

Essa igrejinha fica muito próximo da casa amarela.

O mais interessante de tudo é que os cães estavam soltos na estrada, havia pessoas na casa amarela, pois vi o varal cheio de roupas recém-lavadas, ouvia-se barulho de música radiofônica e, do outro lado da estrada, numa cocheira, havia pessoas ordenhando as vacas.

E, apesar do alarido infernal que os brutamontes fizeram ao me acuar, além de gritos de defesa que dei para espantá-los, ninguém apareceu para ralhar com os animais, muito menos para me proteger.

Assim, deixo um alerta para os futuros peregrinos, no sentido de seguirem com cuidado e atenção nesse trecho, talvez, se o caso, armarem-se de pedras antecipadamente. 

Trecho agradável, pois o sol ainda não havia dado as caras.

Prosseguindo, nesse percurso praticamente não encontrei tráfego de veículos, de maneira que pude seguir tranquilo, refazer minhas orações, e desfrutar do entorno, por sinal bastante agreste, com belas visões se delineando no horizonte.

O conteúdo do entorno, no entanto, não se modificou, pois a cana também dá as cartas nesse trecho.

Em determinado local, observando a sinalização, fleti radicalmente à esquerda, e prossegui em leve descenso.

Mais abaixo, por uma ponte, atravessei encorpado córrego, depois segui em ascendência. 

Entrada para a Fazenda Benfica.

Depois de três horas caminhando, passei diante da entrada que segue para a Fazenda Benfica, uma referência nesse trecho, por conter uma imensa área destinada ao plantio de cana e milho.

Até aquele local, eu já havia percorrido 14 quilômetros, praticamente, a metade da jornada. 

Trecho arejado.

Prossegui em ascenso, por uma estrada larga e com excelente piso.

Nesse trecho, nenhum veículo me ultrapassou e pude curtir o entorno e fotografar com tranquilidade. 

O caminho é belíssimo nesse tramo.

No final de um perene aclive, passei em meio a um extenso laranjal, onde os pés se encontravam extremamente carregados, e as frutas maduras eram uma tentação a amenizar a sede.

A partir desse ponto, passei a transitar por estradas largas e vazias, que possuíam árvores a ladeá-las, o que amenizou bastante o ataque do “astro-rei”. 

Muita sombra e silêncio.

Na verdade, o sol brilhava com intensidade num céu azul e quase sem nuvens.

Porém, a temperatura se mantinha na casa de 15/16 °C, bastante agradável para caminhar.

Mais adiante, a paisagem se abriu e caminhei um bom tempo ao lado de imensos canaviais, agora em leve descenso. 

Trecho aberto e sem sombras.

Então, mais abaixo, o caminho fez uma curva à esquerda, e prosseguiu em ascenso constante.

Mais acima, transitei do lado de um milharal, recentemente colhido.

Centenas de pássaros devoravam os restos que haviam ficado no solo e, assustados, empreenderam uma espetacular revoada que se transformou em uma nuvem de penas em direção ao firmamento, quando por ali passei. 

Muita terra solta no piso..

Minha preocupação, na sequência, foi um trecho em que o piso da estrada fora recentemente revolvido por máquinas de terraplanagem e havia muita terra solta no solo.

Assim, quando havia trânsito de algum veículo, eu necessitava lançar mão imediatamente de minha máscara protetora. 

Mais ameaça de poeira no piso.

Infelizmente, também, nesse trecho, a presença dos enormes treminhões, lotados de cana recém-cortadas, foi uma presença constante. 

Locais belíssimos..

No trajeto sequente, transitei algum tempo sob a guarida de um frondoso bosque. 

Mergulhando em outro frondoso bosque.

Contudo, quando dele emergi, passei a ascender sem tréguas, embora, de maneira parcimoniosa. 

Só restam 400 quilômetros..

Mais acima, junto a um milharal, ultrapassei o marco dos 400 quilômetros restantes até Aparecida.

E isto me infundiu um novo ânimo, pois me recordei de minha partida de Sertãozinho, até aquele local, e eu já havia percorrido 171 quilômetros em 6 dias e meio.

Ainda, em ascenso, depois de percorrer 22 quilômetros, passei diante do Sítio Quiri onde, do lado oposto, existe uma grande torre de telefonia.

O trecho sequente prosseguiu razoavelmente plano, sem grande declividade, porém atravessando muitas lavouras sazonais, predominando as de cana-de-açúcar, agora, tendo como companhia do lado esquerdo, um frondoso renque de eucaliptos, que me proporcionava benéficas sombras. 

No trecho final, encontrei bastante sombra.

Depois retornaram os campos abertos e, flagelo singular, um piso com muita terra solta, sinal certo de poeira. 

Trecho aberto e com ameaça de poeira.

Por sorte, nesse tramo final, o tráfego de veículos se manteve ameno e pude seguir sem grandes sustos.

Depois de vencer um trecho localizado em meio a um grande bosque de eucaliptos, acabei por sair no asfalto novamente, quando estava a 3 quilômetros de aportar à cidade de Casa Branca, minha meta para aquele dia. 

Quase chegando ao asfalto..

Segui caminhando à beira da rodovia e em determinado local, próximo de uma lombada, cruzei com um trator, cujo condutor fez questão de parar a máquina para perguntar se eu me dirigia a Aparecida.

Ante minha aquiescência, o Sr. João Carlos, este o seu nome, pediu encarecidamente orações por sua saúde, pois, segundo me contou, estava todo entrevado e quase não conseguia mais se manter em pé.

Prometi me lembrar dele quando estivesse diante da Mãe Maria, em sua Basílica, e isto o deixou bastante feliz.

Prosseguindo, diante de uma construção, 2 pedreiros largaram seus afazeres para vir conversar comigo e saber mais de minha peregrinação.

Conversamos alguns minutos e, segundo eles, estavam admirados de minha coragem, por seguir totalmente solitário.

Ao que lhes redargui, como de praxe: caminhávamos, no mínimo, em quatro: Deus, Nossa Senhora, meu Anjo Protetor e eu, por isso seguia intimorato.

Isto acabou por lhes causar admiração e respeitosamente me desejaram boa viagem, sob as bençãos da Mãe Aparecida.

São momentos como estes que nós peregrinos nunca esquecemos, pois neles somos reverenciados por nossa intrepidez e determinação.

Logo adentrava em zona urbana e me dirigi ao Alfonso’s Hotel, onde fiquei muito bem acomodado.

Mais tarde, após um relaxante banho, fui almoçar no restaurante Cia de Minas, onde ingeri uma refeição maravilhosa, no sistema self-service, ao custo de R$32,90 o quilo. 

Igreja matriz de Casa Branca.

À tarde, quando o calor abrandou, fui até a igreja matriz e, para minha agradável surpresa, ela se encontrava com as portas abertas.

Digo isto, porque nas outras cinco vezes em que pernoitei nessa localidade, sempre a encontrei fechada. 

Interior da igreja matriz de Casa Branca.

Fiz, então, demorada visita em seu interior, aproveitando para rezar e agradecer a Deus pela minha saúde.

Eu pretendia conhecer o famoso Padre Agnaldo José, que é o pároco local e meu grande amigo virtual. 

Placa explicativa.

Porém, para minha frustração, ele não se encontrava na cidade, conforme fui informado na Secretaria do templo, pela simpática atendente. 

Assim, infelizmente, nosso encontro ficou reagendado para outra ocasião, no futuro. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Um percurso integralmente plano, ainda que praticamente desprovido de árvores. Também, uma distância razoável a ser percorrida, ou seja, 30 quilômetros. Imprescindível levar água em quantidade suficiente, vez que somente encontrei esse líquido com fartura nos derradeiros quilômetros.