9º dia: IPOEMA a COCAIS – 40 quilômetros

Era um domingo, “Dia das Mães”, e eu pretendia aportar cedo ao meu destino, a tempo de falar com minha genitora, via telefone, afim de parabenizá-la pela data, posto que meu celular persistia mudo.

A noite na Pousada fora muita agitada, até às 2 h da manhã, um transtorno extemporâneo, motivado pelos hóspedes que retornavam da festa realizada no Museu dos Tropeiros. Em razão disso, meu sono ficou bastante prejudicado.

Assim, às 4 h, já estava em pé, fazendo alongamentos e me paramentando para a jornada. 

O café seria servido somente a partir das 7 h, de forma que, “mineiramente”, adquirira frutas e chocolate num supermercado, e eles atuaram como combustível, dando-me forças antes de iniciar a aventura daquele dia.

Exatamente, às 5 h 15 min, deixei a Pousada Tropeiro Real, sob forte cerração e frio cortante, seguindo à esquerda, por uma estrada asfaltada.

Alguns metros à frente, a iluminação urbana findou e, concomitantemente, acessei agradável, plana e larga estrada de terra, utilizando minha lanterna de bolso, para verificar, cuidadosamente, onde pisava.

O silêncio só era quebrado pelo cantar, ao longe, dos galos madrugadores e pelo barulho do vento. 

Quando o dia já estava clareando, cinco quilômetros percorridos, passei diante da Fazenda Colonial Cabo de Agosto, citada nos relatos de viagem do botânico e naturalista francês do século XIX, Saint-Hilaire.

Apesar do horário e da espessa neblina que encobria a paisagem, encontrei muitas pessoas acordadas, a maioria delas, se dirigindo para o trabalho, como o Sr. Paulo e seus fiéis escudeiros caninos, residente próximo à Fazenda Estiva, no quilômetro dez.

A partir daquele local, o leito da estrada estava em obras, e aquele trecho em pavimentação, ocasionava desvios, interdições e atropelos aos veículos, ciclistas e caminhantes, como eu. 

Em compensação, o dia permanecia ameno, encoberto de nuvens, e a umidade era grande.

Depois do quilômetro 11, iniciou-se forte e perene declividade e, três quilômetros adiante, após vencer pequena ladeira, adentrei no município de Bom Jesus de Amparo, cuja população está ao redor de 5.000 habitantes. 

Em estilo colonial, sua Igreja Matriz dedicada ao Senhor Bom Jesus do Amparo, foi construída no ano de 1.841. 

Nela está a única estátua de Jesus Cristo ainda menino, que se conhece do Brasil.

Segundo a história, foram portugueses os primitivos habitantes que nesse lugar aportaram, tendo na figura do Major Pedro Augusto Teixeira da Motta a pessoa de maior destaque entre todos aqueles desbravadores.

Vindos de outras regiões, esses homens trouxeram para o lugar a agropecuária, estabelecendo-se na Fazenda Rio São João.

E, em razão da excelente qualidade das terras para o plantio de cereais e culturas permanentes, outras pessoas se fixaram no local, dando origem, assim , à povoação.

Quanto ao topônimo, dizem os mais antigos que Pedro Motta, primeiro morador, residia anteriormente na cidade de Amparo, em Portugal, e sendo o Senhor Bom Jesus o padroeiro do lugar, tomou este o nome de Bom Jesus do Amparo.

Numa movimentada padaria local, aproveitei para ingerir meu café da manhã, além de comprar água e frutas. 

De ânimo novo, prossegui em frente e, na praça que fronteia a Igreja Matriz do povoado, girei à esquerda, descendo em direção à saída da cidade, sentido Belo Horizonte.

Um tanto indeciso quanto ao rumo a seguir, pela ausência de sinalização, fui interrogando vários transeuntes e, ao findar o calçamento urbano, atravessei uma ponte e prossegui, a partir dali, em grande ascensão, por uma movimentada rodovia.

O barulho do tráfego de veículos em alta velocidade sobre o piso asfáltico me assustava, incomodava e ameaçava, roubando-me a paz e o silêncio que, em bom tom, desfrutara até chegar à Bom Jesus.

Mais acima, numa bifurcação, entrei à esquerda e continuei seguindo por asfalto, mas, agora, já em direção à Itabira. 

Depois de seis quilômetros percorridos, finalmente, alcancei um trevo, ultrapassei a rodovia que liga Itabira à Cocais, e acessei uma agradável estradinha de terra, integralmente deserta.

O trajeto se tornou imensamente agradável, pois o mato ao redor absorvia o barulho e tranquilizava minha visão com seu verde esplendoroso. 

Os primeiros raios de sol começavam a desenhar uma grande renda de luz no chão da estrada, depois de atravessarem, com certa dificuldade, as copas das árvores mais próximas.

 Foram quase cinco quilômetros de silêncio e tranquilidade. 

Apenas, grandes propriedades rurais me ladeavam, algumas com imensas plantações de café e o único barulho que ouvia, era o vento, o canto dos pássaros e o mugir do gado na invernada. 

Sentia uma imensa e duradoura paz interior, assim, lamentei bastante quando, mais à frente, encontrei o leito da rodovia BR-381. 

Então, obedecendo a sinalização, atravessei ambas as pistas e segui à esquerda, pelo acostamento asfaltado. 

Quatrocentos metros depois, avistei novo marco da ER. 

Então, adentrei, à direita, prosseguindo por outra estrada de terra, larga e cascalhada, porém, com muitas pedras soltas, que magoavam, sensivelmente, meus já doloridos pés.

Contudo, depois de três quilômetros de sofrimento, o piso melhorou e, da paisagem campestre que me ladeava, passei a caminhar por entre plantações de eucaliptos, num grande reflorestamento que abrigava espécimes ainda em tenra idade.

Mais alguns quilômetros integralmente solitário, prossegui por dentro de frondoso bosque. 

Em alguns locais, exuberantes, as árvores muitas vezes confundiam suas copas, transformando a estrada em um maravilhoso túnel, o que muito me deleitava, porquanto o sol candente já crestava sem piedade.

Em sequência, depois de transpor manso regato sobre pequena ponte de madeira, adentrei numa olorosa mata de eucaliptos, de caules adultos, plena de sombras. 

Segui nessa toada, agradavelmente, por mais alguns quilômetros.

Numa curva do caminho, fiz uma pausa para descanso e hidratação. 

Nada vendo ou ouvindo de diferente, fiquei por alguns momentos absorto, quando passou por mim uma enorme e linda borboleta azul, em seu vOo incerto, bailando graciosa entre troncos e lianas, faiscando nas réstias de sol. 

Foi, veio, subiu, desceu, pousou num totem próximo e ficou abrindo e fechando as asas, fascinando, hipnotizando-me, com seus “passes”.

E a minha imaginação, transportou-me para a meninice, quando ouvia história de fadas e de pássaros que se transformavam em príncipes... 

E, não me surpreenderia muito se de repente aquela borboleta se transformasse em formosa Iara... 

Nessa mania de romancear estive por algum tempo enlevado, porém, rapidamente retornei à realidade e prossegui adiante.

Após ultrapassar o vigésimo quilômetro percorrido nessa etapa, deixei a grande mata e acessei uma estrada rural, quase sempre, em meio a muito verde.

Ao final desta, após vencer pequena elevação, adentrei em perímetro urbano, quando, então, meu relógio marcava, exatamente, 12 h 07 min. 

Fiz mais algumas perguntas a moradores locais e segui por ruas calçadas com paralelepípedos. 

Finalmente, ao alcançar o topo de uma elevação, encontrei a Pousada das Cores, local onde fiquei muito bem hospedado.

A Vila Colonial de Cocais é um distrito do município de Barão de Cocais, e foi fundada em 1703, pelos bandeirantes Antônio e João Furtado Leite, irmãos portugueses, que erigiram uma tosca capela, sob a invocação de Santana. 

Os belos coqueiros, que se destacam em meio a um cenário exuberantemente verde, deram o nome à localidade. 

Além disso, as igrejas barrocas e o casario colonial são uma atração à parte. 

Para muitos, Cocais é uma pequena Ouro Preto.

Já a Pousada das Cores, fica num local místico e temático, com grande variedade de atrações, num ambiente acolhedor, onde, homem, plantas, aves e animais domésticos, convivem na mais perfeita harmonia.

Pelo que me contou o jornalista Everton de Paula, administrador do estabelecimento, toda a estrutura construída abrigava, anteriormente, um mosteiro, e o quarto em que pernoitei, serviu de cela a um dos inúmeros monges que ali habitara.

Atualmente, 8 funcionários trabalham na fabricação de produtos artesanais, preparados com frutos e ervas cultivadas na grande área verde anexa ao estabelecimento. 

Ali são produzidos desde a pinga de jabuticaba e pitanga, a vinhos diversos, licores, geleias, sorvetes, queijos e doces dos mais variados tipos.

Para minhas refeições, utilizei o próprio restaurante existente no local. 

O exótico e surpreendente cardápio incluía: frango no vinagre de jabuticaba - conhecido como o molho pardo sem o sangue, lombo suado na pinga de pitanga, lagarto cozido no licor de amora e macarrão com molho de sabores diversos. 

O resultado foi uma comida leve, saborosa e colorida, a qual provei e repeti com gosto. 

Diria, com sinceridade, que foi o alimento mais saudável e natural, ingerido em todo o meu périplo pelas terras mineiras.

À tarde, pós necessária “sesta”, fui conhecer a igreja de Nossa Senhora do Rosário, uma edificação datada de 1.855. 

Depois, comprei água e frutas, além de conhecer o local por onde partiria no dia imediato.

À noite, na pousada, houve degustação de produtos típicos da região, além da visita de 5 irmãs beneditinas (eclesiásticas), que residem num mosteiro edificado na cidade de Santa Bárbara/MG.

O dia fora duro e me sentia bastante fatigado. 

Assim, face à exaustão e o silêncio reinante, me recolhi cedo. 

E por volta das 20 h, já adentrava num sono contínuo e reparador.

IMPRESSÃO PESSOALUma jornada tranquila e quase toda feita em planalto, em meio a muita vegetação. Há de se ressaltar, no entanto, entraves, como os sete quilômetros percorridos em asfalto depois de Bom Jesus do Amparo, bem como a longa distância a ser sobrepujada nessa etapa.

10º dia: COCAIS a SANTA BÁRBARA: 32 quilômetros