CAMINHO JACOBEU DO EBRO: UM ENCONTRO TRANSCENDENTAL!

Em 2016, eu percorri integralmente solitário o “Camiño Iacobeu del Ebro”, que margeia o maior rio espanhol até Logroño, local este onde se enlaça com o Caminho Francês. Durante o trajeto, onde caminhei 480 quilômetros, ocorreu um fato inusitado e, de certa forma inexplicável, como abaixo relato.

No final da 5ª etapa eu dormi no pequeno e simpático povoado de Favara, onde residem 1.300 almas e na manhã sequente, parti “temprano” em direção a Caspe, onde eu pretendia pernoitar, 24 quilômetros à frente. Estávamos num domingo e eu queria chegar cedo para poder visitar essa cidade, um dos maiores “mitos” desse Caminho, por sua importância histórica.

Assim, levantei às 4 h 30 min e, mais tarde, bem alimentado, deixei o local de pernoite, porém, somente após rezar a oração protetora que sempre professo antes de iniciar qualquer jornada: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarde, me governe e me ilumine. Amém!”

Inicialmente, eu descendi por uma larga avenida e, mais abaixo, por uma moderna ponte eu cruzei o rio Matarraña, depois, assim que a iluminação urbana se findou, fiz uso de minha lanterna. Então, 2 quilômetros percorridos, teve início o aclive da “Sierra de Caspe”, temida por muitos, mas escalar uma montanha com o frescor da manhã, extremamente hidratado e bem-disposto, como no meu caso, foi muito tranquilo.

Assim, segui em forte ascenso, porém, repentinamente começou a garoar forte e isso me deixou preocupado, pois a previsão meteorológica para essa data não predizia tormentas, de forma que, como de costume, deixara a capa de chuva no fundo da mochila e se necessitasse fazer uso da mesma, teria de retirar todos os meus pertences antes de alcançá-la.

Vista desde o topo da serra: Ao longe, uma tempestade vindo em minha direção!

Segui avançando sem pausas e logo cheguei ao topo do morro, que tem a forma de uma meseta, e dali, apesar do dia nublado, tinha uma visão obscurecida do entorno, podendo avistar ao longe do meu lado direito, uma forte tempestade se formando e vindo em minha direção, o que me apavorou.

Eu prossegui ascendendo levemente, mas logo o caminho se estabilizou e caminhei algum tempo por terreno plano e arejado, contudo, percorridos 4 quilômetros, eu cheguei a um local onde havia um cruzamento de 5 caminhos diferentes. No entanto, como já fora alertado para o fato, observei cuidadosamente à sinalização, mas parei a matutar, pois não avistei nenhuma seta amarela a me clarificar a direção a seguir. O tempo permanecia fechado e com uma névoa úmida em ascensão pelas faldas da montanha, enquanto trovões ribombavam e raios ameaçadores riscavam o céu.

Havia uma placa sinalizadora indicando os itinerários que por ali perpassavam, mas a força do vento ou alguma pessoa havia modificado sua estrutura e as direções ali apontadas não condiziam com as opções existentes. Por outro lado, me senti inseguro em prosseguir adiante, pois um erro poderia ser fatal, visto que os locais por onde eu transitaria a seguir seriam ermos. A única opção que se apresentava era eu depositar minha mochila no chão lamacento e pesquisar no guia que eu portava, o percurso sequente correto, todavia, chovia forte e ainda estava escuro: então, o que fazer?

Enquanto clamava aos céus por uma luz, eis que ouvi barulho à minha esquerda e pensei tratar-se de algum animal noturno, no entanto, eu sabia que lobos e ursos não habitavam aquela região. Seria, então, algum javali extraviado?

Tenso, ao apontar minha lanterna naquela direção, avistei um vulto subindo a trilha, vestindo uma capa de chuva preta que lhe cobria até os tornozelos, acompanhado por um pequeno cão, cuja raça não consegui identificar.

Tal visão, naquele horário extemporâneo e sob a bruma matutina me petrificou, porém, quando ele chegou à distância de uns 10 m eu o cumprimentei e expus-lhe minhas dúvidas.

Ele estacou, bruscamente, tão surpreso como eu, então, pude ver que se tratava de um senhor alto e esguio, com o rosto emoldurado por uma espessa barba escura.

Após uma breve pausa, pensativo, ele me disse para eu seguir pelo lado esquerdo da bifurcação e “todo recto” conforme enfatizou, estendendo o braço naquela direção.

Enquanto digeria tal informação, ele prosseguiu em frente descendendo pelo lado oposto e, logo depois, antes de partir, quando volvi meu olhar naquela direção, ele já desaparecera, absorvido pela forte neblina que ali se formara. Eu, então, já recuperado do assombro que ele me perpetrara, segui seu conselho e trezentos metros à frente me reencontrei com as benfazejas setas amarelas.

O tempo permanecia fechado, com grandes nuvens escuras, o que me fazia refletir: haveria mais chuva naquele dia? Na sequência, teve início um agradável descenso, que se prolongou indefinidamente, com plantações variadas à minha esquerda e um grande morro pela direita.

Na trilha desse dia, após o nascimento do sol.

Até aquele local não encontrara vivalma, apenas ouvia o cantar dos pássaros e o leve sibilar de uma fresca brisa que me atingia frontalmente. Vivia momentos de intensa introspecção e prazer, pois o clima se apresentava estupendo para caminhar. A tempestade que tanto me atazanara desviara-se para o sul e, finalmente, o dia raiou e o sol iluminou a paisagem a minha frente.

Um pouco antes das 12 h eu cheguei a Caspe, uma cidade antiquíssima com, aproximadamente, 10 mil habitantes, plena de monumentos históricos e banhada pelos rios Guadalope e Ebro, que estão represados próximo da vila, formando o chamado Mar de Aragón, cujas águas permitem a disseminação de extensos canais de irrigação, utilizados fundamentalmente no cultivo massivo de pêssegos. Já na parte seca, abundam as plantações de oliveiras e amêndoas.

Curiosamente, nesse dia eu não consegui localizar no centro da cidade restaurantes que ofertassem o clássico “menu del dia” em seu cardápio. Na verdade, encontrei apenas bares ou estabelecimentos assemelhados, que somente ofereciam porções ou comida exótica, visto que a cidade abriga inúmeros imigrantes, em maior número, aqueles procedentes do Egito e Paquistão. Dessa forma, eu optei por fazer compras num supermercado e me alimentei com um saboroso “bocadillo”, regado a uma garrafa de vinho tinto.

Mais tarde, após uma breve soneca, eu caminhei curioso e atento pelas ruas milenares dessa belíssima urbe, enquanto meu íntimo se revolvia em dúvidas e sobressaltos sobre o aflitivo, mas providencial encontro matutino. Ocorre que na Espanha ninguém reside no campo e aqueles que se dirigem para lá a trabalho, o fazem motorizados e, quase sempre, após o sol nascer. Daí meu assombro ante aquele repentino aparecimento, num dia chuvoso, mormente em se tratando de um domingo.

A Catedral de Caspe (século XII).

Mais tarde, conversando com o gentil proprietário da "Pensión Don Quijote", onde me hospedei nesse dia, contei-lhe o acontecido e ele prontamente lembrou que há um mês, um peregrino espanhol que ali pernoitara, também havia lhe dito ter se encontrado com a emblemática figura, no mesmo local, porém, em horário mais tardio.

Portanto, tratava-se de alguém que trabalhava nas imediações e gostava de caminhar.

Isto me tranquilizou, ao constatar que eu não fora vítima de uma alucinação ou surto psicótico, ao revés, a convergência realmente ocorrera. Mas como explicar tal fato sob a ótica realística, posto que a alegórica figura se materializara no lugar e no momento exato em as dúvidas me sobressaltavam.

Talvez, fora uma simples coincidência, contudo, face à casualidade e a simultaneidade desse encontro, eu diria que se tratara de um autêntico milagre.

Porque, segundo afirmaram cristãos iluminados, o acaso não existe e: A sincronicidade é uma das línguas que Deus usa para permitir que alcancemos nossos desejos e sigamos corretamente o curso de nosso destino na Terra. Enfim, uma seta-amarela na vida”. (Auro Lúcio Silva, em “Caminho das Pedras”).

Mas, também, me lembrei do que ditaram os Anjos numa psicografia recente:

Preste atenção às coincidências, elas nunca são devidas ao acaso. Nós, os Anjos, respondemos às suas necessidades, para que você possa encontrar solução para o seu problema. A sincronia é uma das maneiras que eu uso para me comunicar com você, e se você tiver olhos e ouvidos treinados, vai perceber que nada é colocado ao acaso. Nós, Anjos, estamos sempre em movimento por você, com amor te guiamos para a resposta que tanto espera. Por favor, treine-se para ouvir, porque toda vez que você me pede ajuda, eu respondo. No entanto, se você não der o justo peso às "coincidências" minha intervenção será em vão, e você vai pensar que está sozinho.” (Seu Anjo)

Bom Caminho a todos!

Março/2021