5ª etapa: CASA BRANCA à VARGEM GRANDE DO SUL – 31 quilômetros

5ª etapa: CASA BRANCA à VARGEM GRANDE DO SUL – 31 quilômetros

Após uma excelente noite de sono, acordei às 4 h e, bem disposto, iniciei meus preparativos para a jornada do dia.

Pela TV, fiquei sabendo que novamente o dia seria ensolarado e calorento.

Mais tarde, após ingerir meu cappuccino matinal, ao tentar reinserir em minha máquina fotográfica a bateria que deixara carregando, cometi um grave engano em virtude da fraca iluminação existente no quarto.

Por conta disso, eu passei um bom tempo tentando resolver o problema, mas sem sucesso.

Preocupado, porque não poderia utilizar o equipamento naquele dia, decidi pedir ajuda ao porteiro da noite, assim, rapidamente desci ao vestíbulo do hotel.

O Sr. José Carlos, com muita boa vontade, apanhou uma chave de fenda, e em poucos minutos solucionou o imbróglio.

Depois, enquanto eu checava o funcionamento da câmera, para verificar eventual dano, ele, sorridente e de maneira um tanto estranha, me perguntou se naquele dia eu iria fazer o 31, ou o 21.

Confesso que fiquei surpreso por sua indagação, posto que não tinha a mínima ideia do que se tratava aquela “charada”.

Então, ele me explicou que muitos peregrinos, com a finalidade de levar vantagem em termos quilométricos, fazem o trajeto até Vargem Grande do Sul, integralmente por rodovia.

Com esse estratagema, ao invés de caminharem os 31 quilômetros sinalizados do roteiro, como forma de se desgastarem menos, percorrem apenas 21 quilômetros.

Disse-lhe, então, que eu viera para seguir o traçado oficial, e não tinha nenhum incentivo em caminhar pelo asfalto, acossado pelo ensurdecedor barulho do tráfego de veículos, de forma que abominava tal expediente.

Afinal, declarei, respeitava o axioma que diz: “A fé remove montanhas, porém, não corta caminhos”.

Isto posto retornei ao segundo andar, envidei as providências finais e, às 5 h 30 min, deixava o local de pernoite, seguindo solitário em direção ao centro da urbe.

Naquele local eu me reencontrei com as flechas amarelas, seguindo à direita em direção ao Horto Florestal da cidade.

Após caminhar um trecho por asfalto, adentrei à direita, ultrapassei a Rodovia SP-340, depois segui por um bosque e, no final, acabei por sair à beira da Rodovia SP-215, caminhando, então, dentro de uma propriedade, mas paralelo à pista asfáltica.

Infelizmente, a trilha utilizada pelos peregrinos havia sido recentemente revolvida por um trator, de forma que sofri bastante nesse trecho, porque meus pés afundavam na terra fofa, obrigando-me a fazer um esforço hercúleo para progredir em frente.

Depois de um quilômetro vencido sob muita luta, passei a caminhar em terreno firme, agora dentro de um enorme laranjal.

Às 7 horas, quase 9 quilômetros percorridos, eu deixei a Fazenda por onde transitava, através de um grande portão eletrônico, cuja abertura é comandada por um funcionário que reside numa casa próxima.

Por sorte, quando ali cheguei, havia dois trabalhadores braçais, trajando vestimentas extremamente rotas, adentrando a propriedade, de maneira que aproveitei o momento para também transpor o obstáculo e, na sequência, acessar a rodovia.

Porém, antes conversei rapidamente com eles, pessoas simples e humildes, entretanto, alegres e bem dispostas, apesar de estarmos vivenciando um domingo.

Disseram que iriam colher frutas o dia todo, já que aquela era a atividade profissional que lhes proporcionava a renda de que tanto necessitavam para sobreviver.

Depois de me despedir, eu prossegui pensando na sorte daquelas boas almas, lembrando-me de pessoas que tem tudo e não está feliz, enquanto outros se contentam com tão pouco.

Bem, o trajeto pelo acostamento da Rodovia SP-215 perdurou por 6 longos quilômetros, embora a trânsito de veículos naquela manhã de muita luz e céu azul, fosse quase nulo.

Uma hora depois, junto ao prédio que abrigava o antigo posto de pedágio, hoje desativado, uma flecha me remeteu à esquerda.

É de lembrar, no entanto, que quando percorri o Caminho da Fé em 2.005, o acesso era feito um quilômetro antes, numa estrada rural que nascia na Fazenda Progresso.

Soube, contudo, por um sitiante com quem conversei mais à frente, que a mudança fora necessária porque naquela propriedade existia um cão que ficava solto e ameaçava os caminhantes.

E, apesar das solicitações feitas ao seu dono, para que prendesse o animal, nenhuma providência fora tomada.

Dessa forma, a Diretoria do Caminho da Fé, visando preservar a integridade física dos peregrinos, houve por bem desviar o trajeto nesse trecho.

Bem, logo acessei uma larga estrada de terra arenosa, que seguiu por um bom tempo em meio a imenso canavial, pelo lado direito, e uma grande plantação de laranjas, do lado esquerdo.

Porém, minha gana pelas frutas foi contida, pois ela se encontrava livre do acesso público, por conta de uma cerca metálica de grande altura.

Cinco quilômetros depois, acabei por sair numa porteira, junto à Chácara Santa Amália.

Após transpor a cancela, eu transitei por um pasto, depois por uma senda matosa e, na sequência, transpus um regato, utilizando uma ponte bastante perigosa, vez que se encontra em péssimo estado de conservação.

Depois prossegui em acentuado aclive, bordejei um belo bosque, fleti à esquerda, e acabei por sair defronte ao Pesqueiro Miachon.

Logo acima, após sobrepujar breve ladeira, numa grande reta, parei para conversar com três trabalhadores montados em cavalos, que vistoriavam uma cerca, por onde algumas cabeças de gado haviam fugido.

Prosseguindo, no final de longa reta, entrei à direita numa pequena porteira, acessando outra grande lavoura de cana, recém colhida. 

Faço aqui um pequeno parágrafo, para dissertar sobre um tema que entendo oportuno nessa etapa do Caminho da Fé.

Sabe-se que as culturas de cana de açúcar e eucaliptos avançam rapidamente nos municípios de Casa Branca e Vargem Grande do Sul, a exemplo do que vem ocorrendo em outras regiões do Estado.

Isto tudo, em detrimento do plantio de milho, batata, cebola e outras hortaliças, que eram o forte nessa região.

Tudo porque, a pouca vocação hoje encontrada nos filhos de fazendeiros e sitiantes, com a manifesta preocupação de menos gastos e pouco trabalho com a terra, permitem, infelizmente, que os grandes produtores encontrem facilidades cada vez maiores para comprá-las ou arrendá-las.

Deixando o tema de lado, na sequência, por uma trilha úmida e escorregadia, acabei passando por um pasto relvoso, onde encontrei um rebanho de vacas, mansamente ruminando.

Algumas, porém, estavam deitadas, repousando sobre a vereda por onde eu deveria transitar, obrigando-me a fazer pequeno desvio para não incomodá-las.

Sem perder de vista as flechas, logo fleti à esquerda e transpus um riacho sobre um tronco de árvore.

Em seguida, prossegui cortando o centro de uma grande fazenda de gado leiteiro, agora com o relevo em franca ascensão.

Às 12 h, quase no final da jornada, caminhei por uma movimentada estrada vicinal de terra e, na sequência, contornei um grande e verdejante Haras. 

Numa bifurcação, segui à esquerda, por uma agradável estradinha arborizada, em meio a inúmeras e bem cuidadas chácaras, até adentrar, finalmente, às 12 h 30 min, ao perímetro urbano. 

Depois de percorrer quatro ruas pavimentadas, passei ao lado de uma enorme estátua de Cristo.

Esse monumento representa o “Cartão de Visitas” da urbe, e está localizado em uma elevação, no meio de uma grande e movimentada avenida.

Cognominada, “A Pérola da Mantiqueira”, Vargem Grande do Sul surgiu de uma antiga estrada boiadeira ou francana no século XVII, em busca de minas de ouro em Goiás.

A data oficial de sua fundação é 26 de setembro de 1874. 

Hoje, com 40 mil habitantes, a cidade tem sua economia baseada na batata e na cana-de-açúcar, seus principais produtos agrícolas, e na indústria, o setor ceramista se destaca como principal esperança de crescimento.

Lá, me hospedei no Príncipe Hotel, um estabelecimento de excelente qualidade, onde cheguei às 13 h, debaixo de um sol abrasador. 

Para fazer minhas refeições, utilizei os serviços do Varanda’s Bar e Restaurante, local de aprazível ambiente, com excelente atendimento e preços módicos, embora estivesse extremamente lotado naquela ocasião, quando se comemorava o “Dia dos Pais”.

Depois de uma merecida soneca, saí dar uma volta pela cidade, aproveitando a oportunidade para verificar o local por onde eu transitaria no dia seguinte, quando fosse deixar a cidade.

Por sorte, nada havia mudado, pois o trajeto ainda era o mesmo que eu percorrera em 2.005, de forma que retornei até a praça central e entrei na igreja matriz para orar e meditar.

Quando voltei ao local de pernoite, eu indaguei na recepção se os 5 peregrinos já haviam chegado, aqueles que conhecera próximo de Tambaú.

A resposta foi afirmativa, porém, segundo ele, haviam aportado extremamente desgastados, de forma que haviam se recolhido às respectivas habitações, para descanso.

Um tanto frustrado por não conseguir interagir com esses colegas, eu tomei um novo banho, em face do calor reinante, depois fui até a igreja de Nossa Senhora de Aparecida assistir à missa das 18 horas.

Foi uma cerimônia alegre e comovente, sendo que no final o padre que presidia a celebração fez uma homenagem aos pais, cuja data se festejava naquele domingo.

E, claro, estando fisicamente distante de meu velho progenitor, bem como de meus amados filhos, me emocionei bastante.

Ainda assim, no caminho de volta, ouvindo o bimbalhar dos sinos, trazia no coração uma extraordinária sensação de tranquilidade e paz.

Fiz um frugal lanche num bar, e no saguão do hotel, eu me encontrei com a Cynthia, filha do peregrino de Curitiba, que estava navegando na internet.

Ela, em resposta à minha pergunta, informou que no dia seguinte, todos eles caminhariam apenas 13 quilômetros, vez que iriam se hospedar na Pousada da Dona Cidinha, no bairro Perová.

Fiquei triste, pois tinha a esperança de estreitar laços com esse simpático pessoal, contudo, como eu iria pernoitar em São Roque da Fartura, pedi que deixasse minhas saudações aos demais, me despedi dela e, em seguida, fui dormir.

Porquanto, já tinha experiência, na jornada sequente eu enfrentaria a alcantilada e sempre dificultosa Serra da Fartura.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada onde o relevo não apresenta maiores dificuldades. Todavia, também com escassez de árvores, e de suas sombras protetoras do sol. Outro entrave a ser considerado talvez seja o fato de que parte do percurso segue pelo acostamento da rodovia (6 quilômetros), sem contar a razoável distância a ser percorrida nessa etapa. Tudo isso agravado pela manhã ensolarada e calorenta, além do percurso poeirento vivenciado naquela data. Ainda, é vital manter atenção redobrada durante essa etapa, porque o trajeto atravessa, em alguns trechos, por imensas culturas rotativas, e os tratores que trabalham na aração e no cultivo, podem, eventualmente, derrubar ou desaparecer com as setas indicativas, induzindo o peregrino a erros irreparáveis.

6ª etapa: VARGEM GRANDE DO SUL à SÃO ROQUE DA FARTURA – 27 quilômetros