6ª etapa: VARGEM GRANDE DO SUL à SÃO ROQUE DA FARTURA – 27 quilômetros

6ª etapa: VARGEM GRANDE DO SUL à SÃO ROQUE DA FARTURA – 27 quilômetros

Enfrentaria novamente uma etapa de peso pela frente, pois além da intensa variação altimétrica que eu precisaria sobrelevar, o clima persistia imutável e com a umidade relativa do ar caindo a níveis preocupantes, após as 10 horas.

Em compensação, teria finalmente o prazer de conhecer Dona Cidinha, em sua pousada localizada no bairro Perová, uma pessoa que já se tornou um ícone nesse trecho do Caminho da Fé.

Porquanto, todos os depoimentos relativos a ela que coligi via internet, sem exceção, davam notícia de sua exemplar amabilidade e profundo respeito no trato com os peregrinos.

Animado, levantei às 4 h 30 min, e uma hora depois eu deixava o local de pernoite, seguindo por ruas frias e silenciosas, mas sob intensa iluminação urbana, em direção à saída da cidade.

Quando, finalmente eu acessei o asfalto, a escuridão me envolveu, contudo eu portava minha lanterna de mão e não tive problemas em encontrar meu rumo.

O céu se encontrava integralmente cravejado de estrelas e, à minha frente, sobre as montanhas, através de uma faixa branca, prenunciava o nascimento do dia.

Logo à frente eu ultrapassei um trevo e, já do outro lado, adentrei em larga estrada de terra, em franca ascensão, que me levou em seu topo a fletir à esquerda, e seguir adiante, sobre um piso onde havia uns 10 centímetros de pó acumulado.

Infelizmente, logo cruzei com dois veículos que deixaram uma espessa nuvem de poeira ao meu redor, de forma que precisei fazer uma pausa para não morrer sufocado, tamanha a quantidade de partículas em suspensão no ar.

Depois de uma hora, seis quilômetros percorridos, passei diante do Castelo de Santo Ângelo, um local de rara beleza e envolto por exuberante vegetação.

A partir desse marco, o caminho passou a ser pedregulhado, com terra socada, o que me propiciou um avanço tranquilo, agradável e menos poeirento.

Depois de uns 8 quilômetros percorridos, olhando para trás, podia ver ao longe, no horizonte, bem abaixo de onde eu me encontrava, a cidade de Vargem Grande do Sul.

Na sequência passei a caminhar por um belíssimo vale, ladeado, primeiramente, por uma imensa plantação de café, que mais adiante se transformou em imensas pastagens, onde rebanhos apascentavam suas crias.

Pouco adiante, num cruzamento, obedecendo a sinalização, eu adentrei à esquerda e depois de caminhar mais um quilômetro, cheguei defronte à capela de Santana, já no bairro Perová.

Como de se esperar, por ser uma segunda-feira, a ermida se encontrava fechada, mas pude fotografar seu entorno.

Na sequência, eu adentrei à esquerda, transpus um pequeno riacho e logo se iniciou um terrível ascenso, tendo uma grande plantação de café pelo meu lado direito.

Ao acessar o cume do morro, já se descortinava uma paisagem espetacular ao meu redor.

Porém, eu derivei à direita e logo à esquerda, e prossegui subindo, mais acima encontrei um mata-burro e logo uma porteira, até que cheguei diante da Pousada de Dona Cidinha.

Ali, havia um sino estrategicamente colocado, e uma placa com os seguintes dizeres: "Peregrino(a), Por favor toque o sino para ser atendido!"

Foi o que eu fiz, porém como ninguém apareceu, eu prossegui em frente e logo fui atendido pela Janaína, que é nora de Dona Cidinha.

Para minha decepção, ela contou que a proprietária havia passado a noite num hospital em Vargem com um neto que estava doente e, provavelmente, só retornaria após o almoço.

Mas, muito gentilmente, me convidou para tomar água e beber um cafezinho, que aceitei de pronto.

Aproveitei para carimbar minha credencial e assinar o “Livro de Visitas”, atividade que muito me honrou.

Na sequência, conheci, ainda que superficialmente as dependências da pousada, fiz algumas fotos do local, depois me despedi e segui adiante.

Logo acima, eu subi em direção a um mirante, de onde pude ter uma visão privilegiada de toda a região ao meu redor.

Inclusive, pude avistar, ao longe, no horizonte, várias cidades localizadas próximas dali, dentre elas: Vargem Grande do Sul, Casa Branca, Porto Ferreira, São João da Boa Vista, Aguaí e Mogi Guaçu.

Após uma breve pausa para hidratação e reaplicação do protetor solar, prossegui minha caminhada.

Depois de ultrapassar um riacho, iniciou-se um grande e perene aclive, tendo eu uma grande plantação de eucaliptos pelo meu lado direito.

Num local onde a cana havia sido recentemente colhida, avistei afixada num poste, a marca de 350 quilômetros restantes para o meu aporte à Aparecida, notícia que muito me animou.

Depois, principiei a descer e no final de uma grande reta eu acabei por sair no asfalto, exatamente no local em que se dá a união com o ramal Norte do Caminho da Fé, procedente de São Sebastião da Grama.

Então, eu girei à direita e segui pelo acostamento da rodovia por aproximadamente 1.500 metros, quando uma seta amarela, estrategicamente pintada numa grande árvore, me remeteu à direita, onde acessei uma larga estrada de terra, que prosseguiu em forte aclive.

Mais dois quilômetros depois, numa bifurcação, junto à uma capelinha, eu dobrei à esquerda e prossegui sempre em forte ascenso.

Esse trecho final foi solitário, pois não avistei vivalma durante minha passagem pela montanha, embora ouvisse ao longe o som de uma motosserra que, com certeza, indicava alguém trabalhando num dos sítios existentes na região.

O sol estava ardente e o calor opressivo, o que estava estiolando rapidamente meu preparo físico.

Esse percurso derradeiro foi de verdadeira penitência, fazendo sentido aquilo que Guy Veloso confessa em seu livro: “... não andamos mais o caminho; é o caminho que nos anda.”

Por sorte, quase no final do morro, parei numa casa situada do lado esquerdo do Caminho, onde existe oferta de água potável, um gesto louvável que me chegou em boa hora, pois o meu estoque estava quase no fim.

Fiz naquele local abençoado uma pausa para descanso, hidratação e, aproveitei a ocasião, para encher a garrafa plástica que eu portava.

Mais um esforço final e, eu finalmente aportei ao cume da serra, num local situado a 1.403 metros de altitude, exatamente, onde me reencontrei com asfalto.

Naquele local também situa a divisa entre os municípios de Vargem Grande do Sul e de Águas da Prata, para onde eu estava seguindo.

Então, iniciou-se uma agradável declividade que fui vencendo em meio a muito verde até aportar em São Roque da Fartura, quando meu relógio marcava 11 h 15 min.

Outro grande esforço para vencer os 1.500 metros restantes, sempre em brusco ascenso, e finalmente cheguei à Pousada Cachoeira.

Fui muito bem recebido pela Dona Cida e seu esposo, o José Luiz, já meus velhos conhecidos, pois já me hospedara por três vezes na sua propriedade.

O albergue atual foi construído debaixo da nova casa dos hospitaleiros, ao lado da garagem, e o espaço ali destinado aos peregrinos é bastante acanhado, sendo importante frisar que eu dormi sozinho ali naquele dia.

Porém, entendo que ficaria difícil acomodar mais que 6 pessoas naquele local, pela dificuldade que as pessoas terão para se movimentar dentro daquele cubículo, visto que o espaço existente entre as camas e a parede oposta, é bastante ínfimo.

É de se recordar que na pousada anterior cabiam, com tranquilidade, mais de 15 pessoas, muito bem acomodadas, numa ampla casa, onde havia 3 quartos, sala, cozinha, 2 banheiros, etc.

Bem, mas depois de um refrescante banho, subi as escadas internamente, e almocei com meus anfitriões, como já o fizera em tempos de outrora.

Foi um bom momento para matar as saudades e colocar os acontecimentos em dia.

Dentre outros assuntos debatidos, Dona Cida me contou que atualmente suas 3 filhas estão casadas, e ela era candidata a vereadora pelo munícipio de Águas da Prata, nas eleições de outubro.

Depois de uma excelente soneca, desci até a cachoeira ali existente, porém não tive coragem para enfrentar a gélida água que desce ruidosamente sobre as pedras e se deposita num límpido lago, antes de seguir adiante.

Sentei-me ali e fiquei ouvindo o som mavioso da rumorejante queda d’água por um bom tempo.

Foi um ótimo momento para refletir sobre minha peregrinação até aquele ponto, pois em face de compromissos profissionais inadiáveis, no dia seguinte, iria encerrar a primeira parte de minha odisseia.

Algumas horas depois eu retornei ao local de pernoite, apanhei alguns livros que estavam ali expostos à disposição dos visitantes, e fiquei no amplo alpendre que existe ao lado da casa, fazendo uma proveitosa leitura.

Mais tarde, tive o privilégio de assistir ao esplêndido entardecer, pois o local onde me encontrava, devido sua altitude, permite que se tenha uma visão imorredoura de toda a região.

O jantar foi servido às 18 h 30 min, e logo depois eu desci ao meu quarto e, após fazer algumas anotações em meu diário, fui dormir.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma das etapas mais difíceis de todo o percurso, demandando grande desgaste físico e muita pertinácia, sendo superada em grau de dificuldade, em minha opinião, somente pelo trajeto entre Tócos de Moji à Estiva. Todavia, como era meu 6ª dia de caminhada, já estava bem adaptado à dorida rotina peregrina. Demais, o trajeto foi feito, salvo raras exceções, em meio a muito verde, com destaque para a belíssima serra da Fartura.

7ª etapa: SÃO ROQUE DA FARTURA à ÁGUAS DA PRATA – 16 quilômetros