07º dia – VIGO a PONTEVEDRA – 36 quilômetros 

07º dia – VIGO a PONTEVEDRA – 36 quilômetros

Os sonhos antecedem as conquistas.

Seria uma longa jornada, dessa forma, deixei o local de pernoite às 6 h, quando a cidade, praticamente, ainda dormia.

Sem maiores dificuldades, acessei a rua Urzáiz, artéria principal de Vigo, que todos os seus filhos conhecem, e segui por ela, sempre em frente, sem medo de errar e sob o conforto da iluminação urbana.

Oito quilômetros percorridos em bom ritmo, por uma ponte metálica, eu passei sobre a Autovia Nacional e, logo depois, iniciou-se um brusco e ríspido ascenso, sobre o leito de uma rodovia vicinal asfaltada, que fui vencendo parcimoniosamente.

Superados mais 1.000 m, em franco aclive, já no topo do morro, obedecendo a sinalização, eu girei à esquerda e adentrei em uma larga estrada de terra.

A partir daí, o percurso ficou interessante, ermo e silencioso, embora o dia ainda não tivesse clareado, algo que estava ocorrendo ao redor da 9 horas.

Nesse trecho, transitei entre frondosos bosques de pinheiros, de onde, em locais de alguma abertura, eu detinha ampla visão da “ría de Vigo”, que se encontrava feericamente iluminada.

Mais 4 quilômetros percorridos, por uma estrada larga e plana, principiei a descender, no início, de forma tranquila, mais adiante, desabaladamente.

No final dessa violenta declivência, percorridos 16 quilômetros, transitei pelo centro de Redondela, uma cidade de porte razoável, onde o Caminho Português da Costa se funde com o Caminho Português Central.

Esta urbe também é conhecida como a “Cidade dos Viadutos”, por conta das inúmeras pontes de ferro existentes para o trânsito dos trens, que a cortam sobre vias aéreas.

O primeiro grande viaduto data de 1876, porém o segundo que avistei, em cor escura, foi edificado em 1884 e, segundo comentam os moradores, o engenheiro responsável pela obra acabou se suicidando, logo após a sua inauguração.

Porque, segundo ele, os informes técnicos afirmavam que sua estrutura estava mal calculada e não suportaria o peso dos vagões ferroviários, no entanto, passados mais de cento e trinta anos de funcionamento, ele permanece em pé, e não apresenta risco de ruir.

A cidade é acolhedora, bonita, e o caminho está muito bem sinalizado, assim, depois de transitar por ruas calmas e limpas, acabei por sair na Praça de Ribadavia, onde se encontra o Albergue público Casa da Torre.

Mais adiante, passei por Cesantes, depois prossegui um pequeno trecho pela rodovia N-550, girei à direita, e principiei a subir, desta vez pelo Caminho do Loureiro do Viso, uma encosta bastante empinada.

Nesse trecho, alcancei uma peregrina espanhola chamada Carmen, com quem segui conversando por um bom tempo.

Prosseguindo, já no topo do morro, o caminho passou a ser plano e, por ele, nos internamos num frondoso e fresco bosque que, após 2 quilômetros, desaguou numa rodovia vicinal, de onde detínhamos uma visão estupenda da belíssima “ría de Vigo”.

Minha companheira acabou por ficar para trás, para bater fotos e eu segui em frente, assim, logo em seguida, principiei a subir novamente, agora por asfalto e logo adentrei em Arcade, uma localidade grande, famosa por suas ostras e cebolas.

O trajeto sequente, muito bem sinalizado, me levou, em descendente, por ruas empedradas, até sair na histórica Ponte Sampaio, uma das mais famosas e bonitas travessias do Caminho Português.

Inaugurada em 1795 sobre o rio Verdugo, um belo curso d’água, afluente da “ría de Vigo”, possui dez arcos de pedra, com “tajamares” de ambos os lados.

Em 1809, ela foi cenário de uma importante batalha, na qual o povoado armado freou o avanço das tropas napoleônicas, comandadas pelo general Ney, que ali aportaram procedentes de Pontevedra, no dia 06 de junho, com a intenção de reconquistar Vigo.

Naquele local, ele topou com moradores da cidade fortemente armados e comandados por alguns oficiais, clérigos e fidalgos, que lhe fez frente heroicamente, forçando sua retirada, no dia 09 de junho, com todas as suas tropas, e a ocupação napoleônica na Galícia principiou a declinar.

Foi o episódio mais parecido com a batalha de "Waterloo" na história da Espanha, segundo o Presidente da Associação Provincial dos Heróis da Guerra da Independência - 1809 - Pontevedra.

Por sinal, uma placa colocada na entrada da ponte recorda este magnânimo feito.

Após as fotos de praxe, transpus o rio e passei a transitar pela cidade de Pontesampaio em forte ascenso, até que deixei sua zona urbana e acessei uma belíssima trilha florestal.

Nesse ponto, ultrapassei um casal de peregrinos, depois, um pouco mais à frente, uma senhora idosa e obesa, que caminhava com dificuldade.

Após atravessar a medieval “Ponte Nova”, encontrei um formoso e fresco bosque, composto de carvalhos e eucaliptos, um dos “tramos” mais belos do Caminho Português, a chamada “Brea Vella da Canicouba”, um antiquíssimo caminho frequentado desde épocas remotas.

Nela é possível perceber as profundas marcas das rodas dos carros nas velhas pedras que compõem seu piso, e o trajeto segue até onde se encontram as ruínas (só resta a base) do Cruzeiro de Cacheiro.

Pelo seu traçado, ali passava a antiga calçada romana, fato confirmado devido à descoberta de miliários ao longo do seu percurso.

Inclusive, há homenagens ao imperador Adriano, cujo reinado terminou no ano 134.

Como é sabido, trata-se de um caminho verdadeiramente milenar.

Atualmente, ele segue sempre ascendente, em meio a frondoso bosque de castanheiras e eucaliptos, cortando inúmeros regatos, de forma que enfrentei trechos com um pouco de lama e água.

Nesse percurso, ultrapassei alguns peregrinos, inclusive, 2 senhoras portuguesas, com quem segui caminhando por mais de um quilômetro.

Num determinado local, elas fizeram uma pausa para lanchar e carimbar suas credenciais e eu preferi seguir adiante.

Assim, no final de uma íngreme aclividade, eu girei à esquerda, e logo saí numa rodovia asfaltada, que me levou a passar por Ganderón, já no vale de Tomeza, em meio a pomares, hortas e vinhedos.

Rapidamente, o percurso foi se urbanizando e, nesse trecho final, transitei por várias e minúsculas vilas, como Pobo, Ponte Condesa e Ponte Couto, até aportei diante da estação ferroviária, localizada na entrada da cidade de Pontevedra.

Então, passei sob as vias férreas, depois por ruas e avenidas bem sinalizadas, logo cheguei ao centro urbano, onde me hospedei nesse dia.

Algumas fotos do percurso desse dia:

Restam 93 quilômetros..

O albergue de Redondela.

Um mural estilizado.

Ao fundo, a famosa "ría de Vigo".

Ponte sobre o rio Verdugo, em Ponte Sampaio.

Trecho belíssimo, fresco e arborizado.

Transitando por agradáveis e silenciosos bosques de pinheiros.

Alguns peregrinos marcham à minha frente...

Trecho silencioso e totalmente deserto..

Quase chegando em Pontevedra, outro trecho fresco e silencioso.

Uma rua, localizada no centro da belíssima Pontevedra.

Pontevedra é filha da planificação romana do território e do Caminho de Santiago.

Foram os engenheiros imperiais que desenharam o traçado da principal via de comunicação entre os três centros urbanos e de caráter administrativo, Braga, Lugo e Astorga, na remota calçada romana número XIX, segundo o itinerário de Antonino.

Eles previram uma povoação às margens do rio Lérez, a que chamaram de Turoqua, e pouco depois se construiu também a primeira ponte de pedra sobre essa via líquida, a “Pontus Veteri”, pelo qual se sabe, através das crônicas do século XII, que ela ainda existia naquela época, porém em total ruína.

O prédio da Prefeitura Municipal de Pontevedra.

Em 1988, se encontrou na cabeceira da ponte um miliário dedicado ao imperador Adriano, falecido em 138, que confirma a passagem da calçada romana por esse lugar.

Quando o rei Fernando II, em 1169, outorgou foros a cidade, deu ordens também para que se iniciasse a construção de uma nova ponte, base daquela que hoje ainda existe.

As ruínas da cidade e da ponte romana desapareceram, porém seu nome, Pontevedra, e sua história permaneceram, e ainda hoje seu “casco antíguo”, é um núcleo de ruas talhadas em granito, que na temporada de chuva se cobre com a pátina da nostalgia.

População atual: 97 mil habitantes.

Em frente, a igreja da Peregrina.

Depois de merecido descanso, porquanto a jornada fora longa e bastante difícil, eu saí para rever a cidade, e primeiramente fui visitar e carimbar minha credencial na Igreja da Peregrina, cuja construção data do século XVIII.

Como curiosidade, sua planta tem a forma de concha, sua fachada é barroca, e ela alberga em seu interior a imagem da Virgem Peregrina vestida de romeira.

Durante muitos séculos ela assistiu à passagem de romeiros, e todos ali paravam para render homenagem à Peregrina, a Virgem mais jacobeia, patrona da Província e do Caminho Português.

O templo está edificado na praça de mesmo nome, próxima da Porta do Caminho, antigo portão da cidade amuralhada, por onde adentravam os peregrinos procedentes de Redondela. 

Árvores floridas numa das praças da cidade. Um colírio para os olhos.

Depois segui para a Praça das Herrerias, sem dúvida, o retrato mais típico da cidade, porquanto, conjugada com a Praça de Orense, a da Estrela e com os Jardins de Castro São Pedro, formam um local emblemático e inesquecível.

Também situada nesse largo espaço, está a “Casa de Los Barbeitos”, que chama a atenção pela quantidade de faces humanas que existem em sua fachada.

Posteriormente, visitei, demoradamente, todo o “casco viejo” e, seguindo as setas amarelas, fui admirar a “Puente del Burgo”, existente sobre o rio Lérez, por onde eu transitaria na jornada seguinte.

Mas, logo tomei rumo do hotel em que estava hospedado, pois principiou a chover forte e seguiu noite a dentro.

Numa das praças de Pontevedra. Momentos de descontração...

RESUMO DO DIA - Tempo gasto, computado desde o Hotel Porta do Sol, em Vigo, até o Hotel do Comércio, em Pontevedra: 6 h 30 min.

Clima: nublado e frio, variando a temperatura entre 13 e 21 graus.

Pernoite no Hotel do Comércio: Excelente!

Almoço no Restaurante do próprio hotel: Excelente! - Preço: 11 Euros.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada extensa, cansativa, mas plena de muito verde e pontos de interesse, que remontam à época medieval. Embora a maior parte de seu traçado transcorra em asfalto, existem inúmeras atrações no roteiro, a começar pela vista da maravilhosa "ría de Vigo". De se ressaltar, ainda, a passagem pela Pontesampaio, bem como o trânsito pela calçada romana “Brea Vella da Canicouba”. No geral, uma etapa difícil, mas com inúmeros “tramos” históricos e atrativos para ser admirados.