4º dia: HOSPITAL DE BRUMA à SIGÜEIRO – 26 quilômetros “Perder-se também é caminho”. (Clarice Lispector) A jornada de hoje seria bem menos extensa e com poucas variações altimétricas, por isso não estava preocupado. Ademais, as predições meteorológicas indicavam tempo bom para depois das 10 horas, com muito sol e temperatura à tarde na casa dos 20 graus. Sinceramente, até pensei em percorrer as duas etapas finais num dia só, contudo, resolvi pernoitar em Sigüeiro, afinal, eu não saberia dizer se haveria outra ocasião para conhecer essa cidade. Dessa forma, levantei no horário costumeiro e, quando desci para entregar as chaves na portaria, surpreendentemente, já encontrei o bar aberto. Na verdade, seu proprietário me disse que abre o estabelecimento diariamente às 5 h da manhã, algo bastante raro na Espanha, onde tudo ganha vida plena, somente depois das 9 horas. Dessa forma, aproveitando a ocasião, ingeri um espesso e quente café preto. Depois, animado e aquecido, pois a temperatura externa beirava os 9 ºC, deixei o local de pernoite, girei à esquerda, segui à beira da rodovia e, logo adiante, acessei uma estrada vicinal asfaltada que seguiu à esquerda. O dia ainda não havia nascido e uma fina cerração deixava o clima enfarruscado e neblinoso. Logo adiante, na bifurcação, como fizera no dia anterior, localizei no piso a primeira flecha do caminho, assim, mais relaxado, virei à direita e prossegui num ritmo confortável. Aproximadamente, uns dois quilômetros percorridos, já com dia claro, encontrei o primeiro “mojón” dessa etapa, então, virei à direita e segui por uma estrada vicinal asfaltada, localizada entre terras de cultivo, ainda cobertas com o nevoeiro matinal. Mais adiante, passei por O Seixo, que pertence à paróquia de Ardemil, já no território do Concelho de Ordes. Na sequência, por uma pequena ponte, ultrapassei o riacho de Adrán, e transitei pelo povoado Cabeza de Lobo, onde pude fotografar a igreja de São Pedro. Até aquele local eu havia percorrido 4 quilômetros. Prosseguindo minha jornada, encontrei uma série de esculturas postadas à beira do caminho e plasmadas por um artista local. Dentre elas, uma imensa imagem do Santo Apóstolo. Deixando esse “museu campestre”, ultrapassei, em sequência, inúmeras e minúsculas vilas, todas praticamente juntas, separadas apenas por pequenos espaços de terra, cujos nomes declino apenas para registro: A Carreira, As Mámoas (topônimo que faz referência a algum túmulo funerário), A Fraga e O Porto. Até essa última localidade, meu GPS apontava que eu já havia percorrido 5 quilômetros. Posteriormente veio Carballeira e, depois de transitar por um pinheiral, fui sair em Os Ramos, já território da paróquia de San Paio de Buscás. Em sequência, por um caminho vicinal, adentrei em A Rua, onde reencontrei os peregrinos que havia ultrapassado no dia anterior. Eles haviam pernoitado na Casa Dona Maria, uma casa rural ali existente e se aqueciam para iniciar a jornada. Conversei rapidamente com eles, depois segui adiante. E logo passei diante da singela igreja de San Paio ou San Pelayo, com elementos românticos, e o seu santo, martirizado em Córdoba, com apenas 14 anos, e que pude ver esculpido, em posição agonizante, no exterior da nave da Igreja. Na sequência, ainda por asfalto, passei por Vilariño e, depois de ultrapassar a Casa Rural Xulian Vieiras, virei à direita e transitei por um lindo túnel de loureiros. Nesse trecho, caminha-se entre dois barrancos, porque, certamente, o trânsito milenar dos peregrinos provocou esse desgaste no piso em terra. A garoa vespertina se dispersara e o sol, que lutara bravamente para perfurar um bloco de nuvens, finalmente deu o ar da graça. E isto acabou por iluminar a bucólica trilha por onde eu caminhava. Por prados e terras de cultivo, fui ter a outra estrada pavimentada, atravessando os lugares de Blanca e A Senra. Até aquele local eu já havia cumprido 11 quilômetros, de forma que fiz uma pausa para hidratação e ingestão de uma barra de cereal. Mais abaixo, transitei por algum tempo em asfalto, porém, logo girei à direita e adentrei em outra belíssima trilha, frondosa na maior parte de sua extensão. Do meu lado esquerdo, um trator arava uma grande extensão de terra nua, preparando-a para o iminente plantio. Mais abaixo, voltei a transitar em piso asfáltico, mas por pouco tempo, porque depois de uma curva fechada à direita, retornei a uma trilha ornada por loureiros. O local estava silencioso, frondente e com o piso úmido. Eu segui concentrado nos sons da natureza ao redor, mas o único que ouvia era o gorjeio dos pássaros. Foram momentos idílicos, contudo, mais adiante, já em Casanova, eu retornei ao asfalto. Mas por poucos metros, porque depois, já em Os Carrás, voltei a transitar por uma larga estrada em terra batida. Vencido outro verde bosque, eu ultrapassei a Rodovia Nacional por um túnel e, cerca de 500 metros adiante, numa curva de noventa graus, adentrei a uma larga estrada chamada de O Caminho Real. Trata-se de uma enorme reta, situada entre abundante arvoredo, por onde segui escoteiro. Nesse trecho de aproximadamente 5 quilômetros, não avistei vivalma, e nenhum veículo me ultrapassou. Também não vi peregrinos, de maneira que segui solitário, observando o silencioso entorno, e atento às flechas amarelas. Nesse trecho a vegetação é luxuriante, com árvores de grande porte, tudo atestando a excelência da terra. Com o sol já abrasador, fiz outra pausa para hidratação e ingestão de uma banana, junto a um marco jacobeu. Enquanto descansava, fiquei por longo tempo encantado com a beleza panorâmica. Refeito, ainda caminhei uns dois quilômetros por esse paraíso ecológico, antes de avistar o Polígono Industrial do Sigüeiro. Até ali meu GPS marcava que já havia caminhado 24 quilômetros. Prossegui já em zona urbana, e logo adentrava na urbe através de um bem cuidado parque em que pude ver de tudo: rio, árvores, flores, crianças brincando, pessoas passeando, outras sentadas apenas observando o ambiente. Tudo isto quase no centro da simpática povoação. Numa rua lateral tomei informações com uma prestativa senhora, e logo aportava ao Hostel Sigüeiro, onde havia feito reserva. Ali, por 30 euros, incluso o café da manhã, fiquei alojado num apartamento individual novo, confortável e extremamente bem decorado. Para almoçar, utilizei os serviços do restaurante Mirás, onde degustei um apetitoso “menú del dia”, por apenas 8,50 euros. Ponte romana sobre o rio Tambre. Depois da necessária soneca da tarde, dei uma volta pela cidadezinha, cuja população atual gira em torno de 3.800 pessoas. Igreja de Barciela, por onde eu passaria na manhã da jornada seguinte. Na sequência, ultrapassei o belíssimo rio Tambre por uma ponte medieval e, já do outro lado, segui as flechas amarelas até a igreja de Santo André da Barciela, por onde prosseguiria na etapa do dia seguinte. No retorno, ainda percorri duas diminutas praças, antes de ir ao supermercado me prover de víveres para o lanche noturno. E quando retornava ao local de pernoite, reencontrei o grupo de portugueses que estava alojado no Hostal Mirás. Estavam em 8 pessoas, incluindo a peregrina Catarina, com quem fizera amizade em minha primeira jornada. Combinamos sair às 7 horas na manhã seguinte, colocamos a conversa em dia, depois me despedi e regressei ao Hostel. Eu estava um tanto ansioso por aportar novamente em Santiago, porquanto, em seguida, regressaria ao meu lar, do qual já estava saudoso. Contudo, para complicar, a meteorologia indicava chuva para o dia seguinte, como de fato ocorreu. Dormi bem, mas acordei a meia-noite com o estrondo dos trovões. E logo desabou forte temporal que prosseguiu madrugada afora. Adeus Sigüeiro e até amanhã em Santiago de Compostela. IMPRESSÃO PESSOAL: Trata-se de uma etapa de média extensão, mas que não apresenta nenhum tipo de dificuldade relativamente a altimetria. Possui alguns trechos em asfalto, porém a maior parte de seu percurso se dá em terra batida, entre frondosos bosques de pinheiros e loureiros. O trecho final, pelo Caminho Real, numa estrada retilínea, foi o ponto alto dessa jornada, porque trilhado em meio a muito verde, e sob um sepulcral silêncio, permitindo-me comungar intensamente com a natureza e o meu interior. No global, um trajeto pleno de verde e com belíssimos sendeiros.
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