9ª etapa – BURGO DEL EBRO à ZARAGOZA – 19 quilômetros

9ª etapa – BURGO DEL EBRO à ZARAGOZA – 19 quilômetros

A vida começa onde termina a sua zona de conforto.” 

A etapa seria fácil, de pequena extensão e toda plana.

Porém, como em toda aproximação de uma grande cidade, um tanto estressante pelo tráfego e barulho advindos.

Como de praxe, eu me levantei bem cedo, porém não havia pressa na partida.

Assim, aguardei o dia clarear, e deixei o local de pernoite quando meu relógio marcava 7 horas.

Segui pela Calle Mayor em descenso, girei à direita em seu final e logo estava deixando a povoação.

Muita nebulosidade no entorno.

Uma leve bruma pairava sobre o ambiente, dificultando minha visão, porém a sinalização estava excelente nesse trecho e não tive dúvidas sobre o rumo a tomar.

Na sequência, acessei uma larga estrada de terra e, conquanto houvesse algumas bifurcações, obedecendo à sinalização, segui sempre em frente.

Entrada da Reserva Natural de Sotos Y Galachos del Ebro.

Logo passei diante da entrada para a Reserva Natural Dirigida de Sotos y Galachos del Ebro, que abarca uma superfície de 1.536 ha.

Os galachos são antigos meandros abandonados pela mudança da calha do rio, de tal maneira que a reserva natural está formada por várias lagoas, ilhas e bosque de ribeira.

Ela apresenta águas livres, porém a sua maior parte está ocupada por planícies inundadas e que serve de proteção as aves aquáticas, com ênfase para a polla da água, o martín percador, o ánade real e o cormorán.

Placa explicativa sobre a Reserva Natural.

Essa zona constitui um conjunto de espaços úmidos, que contrastam com a aridez da depressão do Ebro, propiciando condições especiais para a existência de uma farta vegetação, que serve de refúgio a um grande número de espécies animais e vegetais.

Prosseguindo, logo transitei próximo do Polígono Industrial del Burgo de Ebro onde, pelo horário matutino, tudo ainda estava fechado e silencioso.

Caminho plano e pedregoso. A rodovia está à esquerda.

Depois, prossegui caminhando um tempo ao lado da rodovia, por um caminho de terra plano e retilíneo.

Momentos mágicos, que me deixavam alegre, pois eu estava, em termos estatísticos, me aproximando da metade de minha jornada.

Registrando mais um momento solitário na trilha.

Para eternizá-lo, posicionei a máquina num “monjón”, programei o temporizador e, pronto, ficou registrado aquele instante.

O céu prosseguia nublado, clima fresco e, depois de 12 quilômetros vencidos, passei pelo povoado de La Cartuja Baja, que pertence a Zaragoza.

A pequena vila, nascida no entorno de La Cartuja de La Concepción, conta hoje com 2000 habitantes.

Adentrando ao bairro de La Cartuja Baja.

A Ordem Cartuja se instalou nesse lugar graças a Alonso de Funes e sua esposa Jerônima Zaporta, com início das obras em 1651, dilatando sua construção até o primeiro terço do siglo XVII.

Em 1731, sua igreja foi consagrada, e estava decorada com afrescos de Bayeu. 

Antiga igreja situada no bairro de La Cartuja Baja.

A monumental construção sofreu sérios bombardeios durante a Guerra da Independência, e passado o Triênio Liberal, 1820/3, o edifício do monastério precisou ser refeito, consagrando-se novamente a igreja em 1827.

Assim, bati algumas fotos no local, já que pelo horário extemporâneo tudo ainda estava fechado, depois, segui em frente.

Pelas informações que detinha, eu adentraria em Saragoza por estradas asfaltadas, de trânsito intenso, e que colocavam a vida do peregrino em sérios riscos.

Depois o caminho prosseguiu plano e pleno de nebulosidade.

Por isso, me surpreendi positivamente, quando percebi que a sequência atualmente é bastante diferenciada.

Caminho fresco e agradável.

Além de seguir por um caminho plano e florido, mais adiante, orientado pelas setas amarelas, eu fleti noventa graus à direita, e logo acessei o Caminho Natural La Alfranca.

Adentrando ao Caminho Natural de La Alfranca.

Trata-se de um corredor verde, que transcorre paralelo ao rio Ebro, por 15,6 quilômetros.

Trajeto plano e com mata ciliar do lado direito.

Ela brinda a possibilidade de desfrutar de espetaculares vistas do ecossistema fluvial, além de conhecer as hortas do Ebro, os povoados da ribeira e a Reserva Natural de los Galachos de La Alfranca de Pastriz, La Cartuja e El Burgo del Ebro.

Vê-se que é um caminho com vias separadas em parte de seu percurso, uma para pedestres e outra para bicicletas ou cavalgaduras.

Além de ser arborizado na maior parte de seu traçado, nele é restringido o uso de veículos a motor.

Pausa para descanso e hidratação.

Inicialmente, fiz uma pausa retemperadora, e utilizei a estrutura ali existente, para colocar meus pertences.

Depois, aproveitei o local fresco e abrigado para ingerir uma banana e me hidratar com abundância.

Um caminho fabuloso!

Seguindo em frente, percebi que caminhava por locais de esplendorosa beleza.

Encontrei várias pessoas em sua caminhada matinal, alguns fazendo seu “cooper”, em alta velocidade, e outros mais, pedalando incrementadas “bikes”.

Bancos para descanso nas laterais,

Em vários trechos vi flores à beira do caminho, bem como bancos para descanso.

Quase chegando em zona urbana.

Foi um final de jornada espetacular, de aproximadamente uma hora, e que curti intensamente.

A primeira concha estilizada, já em Zaragoza.

Logo adentrei em zona urbana e próximo da avenida principal da cidade, encontrei a primeira marca citadina do Caminho de Santiago, estilizada num pequeno poste de alvenaria.

Segui sem pressa pelo Paseo Echegaray y Cabalerro, até aportar diante da majestosa Catedral de Nossa Senhora del Pilar.

Igreja matriz de Nossa Senhora del Pilar, em Zaragoza.

Fiz ali uma pausa para fotos, depois me hospedei próximo do local, no hotel São Jorge, onde havia feito reserva.

Ali paguei 28 Euros por um excelente quarto e fiquei muito bem localizado: no centro dessa progressista urbe.

Momento de festa e agradecimento.

Como ainda era muito cedo, aproveitei para adentrar à Basílica del Pilar, o local de maior importância em Zaragoza, para nós peregrinos.

Depois de visitar todas as dependências e capelas da majestosa Catedral, tive a felicidade de assistir à missa das 12 horas, onde também pude comungar.

Igreja matriz de Nossa Senhora del Pilar, em Zaragoza, vista de outro ângulo.

Finda a celebração, fui almoçar e, para tanto, utilizei os serviços de um dos inúmeros restaurantes que existem nas imediações da Plaza Mayor, onde paguei 11 Euros por um proveitoso “menu del dia”, regado a muito vinho tinto.

Afinal, era dia de comemorar meu aporte a essa cidade belíssima, que eu ainda não conhecia.

Floreiras na Plaza Mayor.

Cidade industrial, com cerca de 700.000 habitantes, Zaragoza está assentada às margens do Ebro e na foz dos rios Gallego e Huerva.

O primitivo solar, precursor dessa moderna povoação, foi da ibera Salduie e, com a chegada dos romanos, Augusto funda no ano 14 a.C, Cesaraugusta, povoando-a com veteranos licenciados das legiões IV, VI e X.

Sua privilegiada localização, no centro do vale do Ebro, a converteu na capital do convento jurídico, e seu rápido crescimento eclipsou a estrela de Celsa, até o ponto de acarretar o seu desaparecimento.

De seu passado romano, ainda são visíveis o Teatro, o Porto, as Termas e a Muralha.

Do tempo visigodo, é o sarcófago paleocristiano de La Assunción, que se conserva na igreja de Santa Engrácia.

Monumento homenageando o fundador da cidade.

Do domínio muçulmano ainda subsistem pedaços da muralha, Torre de La Zuda e o Palácio Real de La Aljafería, do século XI.

De tempos medievais, após a conquista da cidade em 1118, por Alfonso I “El Batallador”, Zaragoza se converteu na capital do reino de Aragón.

Nessa época, ela já era um centro de peregrinação, e afirma Méndez Sila, que a urbe tinha 15.000 habitantes e já contava com 14 paróquias, 23 conventos de frades e 13 de monjas.

Se era importante a vida espiritual, não menos significativa era a do corpo, e aqui o viajante consegui repouso para seu dorso cansado nas muitas pousadas e hospitais da cidade.

Ruínas da antiga Muralha Romana.

A propósito, depois da reconquista da cidade por Alfonso, la Aljafería foi durante algum tempo, albergue de peregrinos.

Sua importância nas peregrinações peninsulares, dentre elas, a da Ruta del Ebro, provém de uma tradição jacobeia, cuja lenda nos diz que a Virgem Maria veio em carne mortal a Zaragoza, no ano 40 d.C, para ajudar o Apóstolo Santiago e animar-lhe em sua cristianização.

Para isso, aparece sobre um pilar sobre o qual se construiu a primeira capela, e que é a origem da Basílica de El Pilar, considerado o primeiro centro mariano da cristandade.

Ao fundo, a igreja de La Seo.

A monumentalidade da cidade oferece um mito histórico e artístico, que atrai milhares de turistas e devotos todos os anos a essa monumental Basílica.

Esse templo barroco (XVII-XX) se construiu no mesmo lugar que os anteriores, sempre tendo como ponto de referência, o pilar da Virgem e as margens do Ebro.

Também localizada na Plaza Mayor, La Seo é, sem dúvida, uma das igrejas mais bonitas e de maior valor histórico da cidade.

Nela é possível ver datações de estilo românico, mudéjar, gótico e barroco.

Outra vista do que restou das muralhas romanas que cercavam Zaragoza.

À tarde, após uma merecida soneca, fui dar um giro pela magnífica urbe e aproveitei para conhecer os restos das muralhas romanas (sec. II-III d.C), que cercavam toda a povoação, à época.

Igreja de Santa Engrácia.

Também pude visitar a igreja de Santa Engrácia, localizada próximo dali.

No retorno, conheci La Seo, uma das mais belas igrejas que já visitei.

Um dos vários monumentos existentes na Plaza Mayor.

Aproveitei ainda para fotografar alguns monumentos existentes na fenomenal Plaza Mayor, uma das maiores existentes na Espanha.

Outro dos vários monumentos existentes na Plaza Mayor.

Muitas outras atrações existem na cidade, mas eu não era turista, ao revés, um peregrino que no dia seguinte teria outra grande jornada para sobrepujar.

Ao fundo, a fenomenal igreja de La Seo.

Dessa forma, passei num supermercado e, aproveitando que o clima esfriara novamente, me recolhi em seguida.

Zaragoza é belíssima. As floreiras, muito bem cuidadas, estão em toda a parte.

Enquanto lanchava no quarto, aproveitei para fazer minhas anotações sobre os acontecimentos daquele memorável dia, bem como estudar os mapas relativos às etapas sequentes.

E, em seguida, fui dormir.

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