1 - ESTIVA à PARAISÓPOLIS

1 - ESTIVA à PARAISÓPOLIS - 42 quilômetros  

            Levantei às 5 h, calmamente fiz minhas orações e preparativos, e meia hora depois eu desci para tomar café na padaria do Poka.

            Exatamente, às 6 h, eu deixei o local de pernoite e segui pela Avenida Prefeito Gabriel Rosa, em brusco descenso, sob um clima frio e ventoso, ideal para se caminhar.

            Por uma passarela, atravessei a rodovia Fernão Dias e, na sequência, adentrei em larga estrada de terra batida, caminhando em meio a uma bucólica paisagem rural, que lentamente despertava.

            Logo passei defronte à pousada Vale Verde, que também costuma abrigar peregrinos do Caminho da Fé e romeiros de outras localidades.

            Em seguida, no final de grande declive, atravessei o rio Itaí, um curso líquido de razoável dimensão.

            

            Depois de percorrer 5 quilômetros, às 7 h, cheguei ao bairro Boa Vista e prossegui caminhando, agora sobre um piso constituído por bloquetes de concreto, que logo à frente, retornou a terra batida.

            O ar puro e a paz reinante naquele trecho, tornava minha caminhada prazerosa e rápida.

            Mais à frente, defronte alguns arbustos, surgiram teias de aranha a chamar minha atenção, pois, umedecidas com o orvalho da noite, brilhavam sob os primeiros raios solares.

             Essa obra prima esculpida pela natureza estava também em agrupamentos num capinzal próximo, formando belos círculos concêntricos e geométricos.

             Numa elevação, depois de já ter caminhado 7 quilômetros, girei à direita e iniciei a escalada da temível serra do Caçador.

         Lentamente fui vencendo os íngremes aclives que se desenvolviam ao longo da trilha e, num determinado patamar, onde fiz uma pausa para hidratação, encontrei o Sr. Otávio que aguardava a passagem de um caminhão, para entregar o leite ordenhado de seu rebanho bovino naquela manhã.

            Trocamos algumas palavras e ele me confirmou que estávamos no bairro Bananal, embora no momento existissem pouquíssimas bananas e o forte no momento fosse o gado leiteiro.

            Sequi em frente, e após soprepujar mais algumas ladeiras, todo meu esforço foi recompensado, pois, já no topo, olhando para trás, pude observar todo o vale de onde eu viera caminhando, numa visão belíssima, de encher os olhos.

          Depois de transpor um mata-burro, passei a caminhar pelo bairro do Caçador, num local fresco e arejado, localizado a uma altitude média de 1.200 metros, e que ascende a 1.300 metros em seu ponto de maior altimetria.

            A trilha daquele ponto em diante mostrou-se mais aberta e cercada por inúmeros pinheiros, que pareciam querer cingir o caminho com seus troncos eretos e reforçados.

            As paisagens ali são exuberantes, com muito verde, constituído por pastagens e bosques nativos, além de plantações de cana de açúcar, morango e café.

  Nesse trecho predomina a presença das araucárias, o famoso pinheiro-nacional, caracterizado por árvores constituídas de ramos geralmente verticilados, folhas rígidas, estreitas e pontudas, pinhas grandes e sementes comestíveis.

 Suas folhas permanecem verdes mesmo no auge do inverno, e seu fruto, o pinhão, rico em amino, proteínas e gorduras, alimenta e preserva uma extensa fauna silvestre.

 Num pequeno promontório pude ver uma cruz, local em que o peregrino Luiz Fernando Marques, faleceu em 03 de abril de 2.010.

 Ele era médico em São Sebastião do Paraíso, percorria o Caminho da Fé e não resistiu ao ataque, após ter sido picado por um enxame de abelhas nesse lugar, em virtude de ser alérgico ao veneno desse inseto.

 Segundo soube de relatos de moradores locais, ele chegou a ser atendido por um padre que na ocasião distribuía comunhão nas comunidades da região, e que o encontrou agonizante.

 No entanto, apesar dos cuidados e desvelo dispensados, quando ele deu entrada no Pronto Socorro do Hospital de Paraisópolis, já havia falecido.

  Fiz ali uma pausa para oração e reflexão, porquanto esse tipo de “acidente” pode ocorrer com qualquer pessoa.

 Depois de ter caminhado 16 quilômetros, iniciou-se pronunciado descenso, que me levou em seu final, às 10 h, a aportar em Consolação, uma povoação pequena e agradável, cujo clima é considerado o 3º melhor da América do Sul.

 Eu fizera planos de pernoitar nessa cidade, contudo ainda era muito cedo e o tempo permanecia frio e nublado, de maneira que após me prover de água e chocolate na estação rodoviária local, prossegui adiante, em direção à Paraisópolis.

            Na sequência, passei defronte à igreja matriz, dedicada a Nossa Senhora da Consolação, e principiei a descer por desabalada ladeira.

           Na verdade, o relevo prosseguiria acidentado, com a transposição de algumas serras e, embora Consolação esteja a 1.100 m de altitude e Paraisópolis a 949 m, isto não significava que eu encontraria somente decidas pela frente.

            No final do longo declive, adentrei em asfalto, por onde caminhei 4 quilômetros até encontrar as marcações do caminho, a me remeter à direita, para uma larga estrada de terra.

            Já no bairro dos Ferreiras, eu transpus o rio Capivari, deixei Consolação e adentrei em terras de Paraisópolis, vez que esse belo curso d’água faz a divisa desses municípios.

            Mais à frente, eu atravessei o bairro dos Jacintos, onde a principal e única atividade econômica é a criação de gado de leite, posto que não avistei qualquer tipo de plantação naquele local.

  Na sequência, pós vencer empinada ladeira, eu adentrei ao bairro da Pedra Branca, que se situa abaixo de um enorme maciço basáltico, origem do nome daquele local, no entanto, curiosamente, sua coloração hoje é integralmente escura.

  Quando transitava por uma grande reta, eu parei para conversar com um sitiante, o Sr. João, que trabalhava num mangueiro de gado, próximo da estrada.

  Ali trocamos saudações e ele me contou um fato inédito que havia ocorrido recentemente em sua propriedade, qual seja, uma vaca havia dado à luz a um par de bezerros.

  Pude fotografá-los e constatei que efetivamente eles eram parecidíssimos, sem dúvida, um caso bastante invulgar, pois é raro ocorrer o parto de gêmeos em bovinos.

  No quilômetro treze dessa etapa, eu deixei a via principal e, obedecendo a sinalização, derivei à direita e, de pronto, enfrentei fortíssimo ascenso.

  Logo percebi que o roteiro percorrido em 2.005 fora modificado, pois àquela época, todo o trânsito se fazia por uma trilha, cercada por arame de ambos os lados, entre grandes pastagens, sempre em crescente aclive.

  Atualmente, o caminho segue por uma estrada vicinal larga e muito bem sinalizada, porém, oferece um grau de dificuldade bem maior, pois contém três grandes serras a serem sobrelevadas.

  O que não é novidade, porquanto o estado de Minas Gerais é conhecido por sua saliência e verborrágica rugosidade.

  Nesse trecho específico, eu notei, mais de uma vez, a surgência de inúmeros filetes d’agua provenientes de nascentes localizadas no alto das montanhas, que margeiam, pelo lado direito, esse percurso.

  O clima persistiu frio e sem sol, de forma que pude desenvolver uma velocidade constante e confortável.

  Assim, após vencer a derradeira ladeira, adentrei em calçamento urbano e por ele fleti à esquerda, e prossegui em descenso até o centro de Paraisópolis.

  Campo de Lima, São José da Ventania, Formiguinha, São José das Formigas, Vila Paraíso, São José do Paraíso e, finalmente Paraisópolis, ufa!

  Essa é a toponímia dessa urbe, cognominada de “cidade sorriso”.

  Contudo, do meu ponto de vista, Ventania e Paraíso seriam os nomes mais apropriados por razões óbvias, que qualquer peregrino logo perceberá.

 A cidade, atualmente com 19 mil habitantes, possui clima de montanha e, por essa razão, é muito procurada nas férias e finais de semana por turistas vindos do Vale do Paraíba e da capital paulista.

 Apesar da agropecuária ser o carro-chefe da economia, ela possui algumas indústrias que fabricam peças de veículos para as montadoras, como a Delphi e a Excel.

 Nela fiquei hospedado na Pousada da Praça, um local extremamente aconchegante, onde a hospitalidade de sua proprietária, a Jandira, faz toda a diferença.

 À noite, optei por me alimentar na própria pousada, quando participei de um jantar comunitário, onde o prato principal era a canjiquinha com costelinha de porco, que estava simplesmente deliciosa.

 Ali travei contanto com o simpaticíssimo Sr. Ivan, proprietário de uma pousada no município de São Bento do Sapucaí, com quem troquei experiências e também dei boas risadas.

           Jandira (dona da Pousada) e duas peregrinas

 Após essa confraternização, logo me recolhi, pois além do frio ter recrudescido, eu estava extremamente fatigado, em razão da longa jornada cumprida durante o dia.

 2 - PARAISÓPOLIS à LUMINOSA