4ª dia – ZEGAMA - SALVATIERRA – 23 quilômetros

4º dia – ZEGAMA - SALVATIERRA – 23 quilômetros

Diga sempre um “olá” amistoso para quem cruzar o seu caminho, preferencialmente, com um sorriso nos lábios.

Pelo que havia lido, teria naquele dia uma jornada de superação, a mais difícil dentre todas que caminharia nesse roteiro.

Assim, meu desjejum foi consistente, porque eu estava a 300 m de altitude e ascenderia a 1135 metros, em 8 quilômetros, um desnível importante.

A saída da cidade se faz por uma rodovia, porém, logo enveredei por uma trilha situada junto ao rio Oria, embora nesse local, ainda seja incipiente, por estar muito próximo de sua nascente.

Logo adiante passei a caminhar sobre uma pista de cimento que foi empinando, pronunciadamente, e pela inclinada ladeira de Aizkorri, ascendi até topar com a discreta ermida da Virgem das Neves.

Sua imagem original data do século II, porém, em seu altar se encontra uma imagem que é uma cópia, pois a original está atualmente na igreja de San Martín de Tours de Zegama, que eu pudera venerar no dia anterior.

Alguns metros depois, encontrei a casa de Buenavista e ali o caminho se divide em duas partes, porém, ambas se encontram mais acima.

Segui pela esquerda, que é o roteiro oficial, e a subida se tornou espetacular, podendo eu observar tudo à minha retaguarda, inclusive, avistar os prados que eu havia atravessado mais abaixo.

O caminho está bem sinalizado e segui ascendendo entre magníficos bosques, sempre avistando à minha frente o paredão da serra de Aizkorri.

Junto à ermida “del Sancti Spiritu”, onde existiu um antigo hospital de peregrinos, parei para respirar e, prosseguindo, segui até a “boca” norte do túnel de San Adrián.

Por essa passagem natural, que une as províncias de Guipúzcoa y Álava, discorria a antiga “calzada romana”, ligação entre Astorga e Burdeos, que no século XI alcançou seu apogeu, depois de anexar Castilla a ambas as províncias anteriores e utilizar esse “passo natural” como rota comercial, ante a impossibilidade de transitar pelo reino inimigo da Navarra.

Por aqui passaram reis, imperadores, príncipes, soldados, mercadores, peregrinos, etc... e na sua época de maior auge estava fortificado e dispunha de infraestruturas como cavalariça, pousada, igreja, assim como um corpo de guarda permanente.

Atualmente, se conserva apenas a arcada da porta principal, restos da muralha e uma ermida que não é a original.

Depois de permanecer um bom tempo admirando esse entorno, deixei o local pela boca sul que é tão baixa, algo em torno de 1 m 70 cm, que se conta, historicamente, que foi aqui a única vez em sua vida que o imperador Carlos V baixou sua cabeça.

Caminhei, em sequência, por um trecho da antiga “calzada” e, depois, por trilhas florestais, sempre em forte declive, num percurso silencioso e ermo, pois eu estava sozinho do Caminho e não há construções nesse trecho.

Para piorar, havia muita neve no entorno, que estava em franco degelo, assim, precisei de muita atenção nesse descenso, pois corria o iminente risco de levar um tombo espetacular, e mesmo sendo previdente, me ocorreram inúmeros escorregões, porém, sem quedas, graças a Deus.

Seguindo adiante, sempre em pronunciado declive, agora por uma rodovia vicinal asfaltada de escasso tráfico, passei por Zalduondo, um pequeno povoado, onde vi apenas um bar aberto, porém sua arquitetura, com vários palácios e uma igreja do século XVI, recordam de sua antiga situação no caminho principal de Castella.

Restavam 6 quilômetros, por rodovia, para aportar ao meu destino do dia, e o cumpri sem pressa e com calma, visto que o clima persistia fresco e nublado.

E sem maiores dificuldades adentrei em Salvatierra e me dirigi ao Hostal onde havia feito reserva.

Algumas fotos do percurso desse dia:

Em franco ascenso, dia nublado.

Caminhando em direção a picos nevados. Muito frio, temperatura 3 graus.

Cavalos típicos do País Vasco, que vivem nas montanhas.

Trilha pedregosa rumo ao topo do morro.

Caminhos silenciosos e ermos.. Não avistei ninguém nesse dia.

Ao fundo. a porta de entrada do túnel.

A porta e parte da fortificação, foi o que restou na parte norte do túnel.

A porta de entrada, ainda bem conservada.

Igrejinha existente no interior do túnel.

Saída pelo lado oposto, face sul, com vão baixo.

Depois do túnel, ascenso pedregozo pela "calzada romana"..

No topo, caminhando sobre o que restou da "calzada romana"..

Placas de neve, em franco degelo...

Pausa para hidratação... muito silêncio e paz no entorno.

No meio do campo, uma escultura estilizada do Caminho.

Descendendo em direção à cidade de Zalduondo.

Parte final do trajeto, sobre asfalto e integralmente plana...

Salvatierra (em espanhol) ou Agurain (em basco), foi fundada em 1256, pelo rei Alfonso X, “El Sábio”, sobre a antiga aldeia de “Hagurahin”.

Desde os tempos remotos, essa cidade foi uma encruzilhada de caminhos, como demonstra o dólmen de Sorguineche, situado em Arrizala, localizado ao pé de uma das vias de movimentação de gado, de quase 5 mil anos, utilizada até hoje, entre os pastos estivais da serra e os invernais das planícies.

Uma das ruas do "casco viejo" de Salvatierra.

Oficialmente, a “Calçada Iter XXXIV ab Asturica Burdigalam” passava por Salvatierra, para se ter uma ideia de sua importância estratégica.

Após a queda do Império Romano, ela passou a fazer parte do reino de Pamplona, a partir do ano de 824 até 1200, quando o rei Alfonso VIII de Castilha a conquistou e a anexou a sua coroa, já povoada de territórios navarros ocidentais.

Moderna escultura existente numa avenida da cidade.

Porém, a dinastia dos Ayala se encerrou, abruptamente, em 1521, com a prisão e execução do Conde de Salvatierra Pedro López de Ayala.

O Arquivo Municipal de Agurain conserva o documento pelo qual o imperador, com data de 17 de julho de 1522, concedeu a vila seu retorno a condição de liberdade.

Igreja matriz da cidade (século XV).

Esse importantíssimo documento foi conseguido em 2005 pela Prefeitura de Salvatierra, já que fora comprado pela casa londrinense Sotheby's.

Ao que parece, ele foi roubado por algum soldado inglês durante os saques posteriores à batalha de Vitória, ocorrida em 21/06/1813, em que as tropas do Duque de Wellington venceram as de Napoleão Bonaparte.

A cidade mescla o casco antigo, com o progresso da parte nova.

População atual: 4.500 habitantes.

Um brinde à vida e ao sucesso da jornada desse dia!!

Na cidade fiquei hospedado na Pensão José Mari Quartos, de ótima qualidade, onde fui tratado com muito carinho por sua simpática proprietária. Recomendo esse local, com efusão!

O almoço foi feito no restaurante situada no piso térreo da própria Pensão, onde degustei um apetitoso “menú del dia” por 12 Euros.

IMPRESSÃO PESSOAL: Trata-se da jornada “Rainha-Mãe” desse Caminho, a mais dura e espetacular, da qual não me esquecerei jamais. Na verdade, eu poderia dividi-la em 3 partes: a primeira, um duro e belo ascenso pela serra de Aizkorri, o maciço de maior altitude do País Vasco, com 840 metros de desnível, estando os trechos mais pronunciados em seu início; a segunda, um largo descenso, com 533 metros de desnível, até Zalduondo; a terceira, um monótono trânsito por rodoviais secundárias. A beleza dessa jornada se une a uma experiência singular: cruzar o túnel de San Adrián, um passadiço natural entre ambas as vertentes da serra de Aizkorri.

No global, enfrentei um trajeto duríssimo, tanto no ascenso quanto no descenso, porque encontrei muita lama no caminho, fruto do derretimento da neve, que estava em pleno curso. Ademais, não avistei nenhuma pessoa no trecho de serra e se algo me ocorresse, eu estaria em maus lençóis, porque um resgate ali, creio ser muito difícil, face à topografia do local.

5º dia - SALVATIERRA - VITORIA - 30 quilômetros