BAIRRO dos PILÕES à GUARATINGUETÁ

5º dia - Bairro dos Pilões a Guaratinguetá - 26 quilômetros 

Seria o último dia de minha peregrinação, e eu pretendia fazer uma visita à Basílica de Nossa Senhora, após finalizar o roteiro de Frei Galvão.

E como a previsão indicava muito sol para aquela data, resolvi sair o mais cedo possível.

Na realidade, o Sr. Walter, marido de dona Sueli, exerce há muitos anos o ofício de feirante.

E, naquela data, ele iria comercializar bananas num bairro de Aparecida, de maneira que às 3 h ele ligou o motor do caminhão estacionado na garagem, coincidentemente, situada ao lado de meu quarto.

Assim, ao terminar os preparativos matinais, ele partiu às 3 h 30 min, quando eu já me achava totalmente desperto e com extrema dificuldade para reconciliar o sono, de forma de às 4 horas eu já estava em pé, me preparando para a derradeira jornada.

Partindo para a derradeira jornada.

Então, depois de meu ritual matinal, um lauto desjejum e imemoráveis despedidas, deixei a casa de dona Sueli às 5 h 30 min, quando ainda era madrugada escura, e uma aragem fria soprava na estrada, proveniente do majestoso “paredão” rochoso, que me observava altaneiro pela retaguarda.

Trata-se, na verdade, da Mantiqueira, cuja denominação se origina da língua tupi-guarani e significa “Serra que chora”, assim batizada pelos índios que habitavam a região, devido à grande quantidade de nascentes e riachos encontrados em suas encostas.

Por sinal, seu nome já indica a sua grande importância como fonte de água potável e seus rios abastecem um grande número de importantes cidades do Sudeste.

Afinal, são seus riachos que formam o Rio Jaguari, responsável pelo abastecimento da região norte da Grande São Paulo, o Rio Paraíba do Sul que corta uma região densamente habitada e altamente industrializada, e o Rio Grande que irá formar o maior complexo hidroelétrico do país.

É nela também que estão localizadas as mais afamadas fontes de águas minerais do Brasil, nas regiões de Caxambu, São Lourenço e Poços de Caldas, em Minas Gerais, Campos do Jordão e Águas da Prata, em São Paulo.

Essa Serra é também o mais importante maciço montanhoso do país e se espalha pelas divisas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Capela de Sant'Ana, 

Possui uma linha de cumes mais elevada, que se inicia próximo à Bragança Paulista, seguindo na direção norte-nordeste, delineando as divisas desses três Estados até a região do Parque Nacional do Itatiaia.

E, daí, prosseguindo dentro do Estado de Minas até a cidade de Barbacena, numa extensão de aproximadamente 500 quilômetros.

Desta estrutura mais elevada, ela desce em direção ao Sul de Minas, formando uma série de montanhas e planaltos de menor altimetria.

Nela se encontram vários picos com mais de 2.000 metros de altitude, sendo que três deles estão entre os dez mais altos de nosso país.

Historicamente, desde o início da colonização do Brasil, essa Serra foi um grande obstáculo a ser vencido pelas expedições que iam para o interior do país em busca do ouro e de pedras preciosas.

Vários desbravadores paulistas, entre eles, Fernão Dias Paes Leme, abriram e consolidaram, durante a segunda metade dos séculos XVI e todo o século XVII, um caminho que se iniciava no planalto paulista, seguia pelo rio Paraíba passando por onde hoje estão fincadas as cidades de Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena até a Cidade de Cachoeira.

Deixando o bairro de Pilões.

Daí eles atravessavam a Serra pela Garganta do Embaú e Passa Quatro, e adentravam ao sertão das gerais.

Em fins do século XVII, depois de 140 anos de busca, os paulistas descobriram no interior de Minas o tão cobiçado ouro, e iniciou-se então um grande fluxo de pessoas com o objetivo de tentar a sorte nos garimpos.

A Coroa Portuguesa no intuito de controlar o trânsito do ouro e facilitar a cobrança dos impostos, definiu então o único caminho permitido para o acesso às minas e transporte do metal, este que ficou conhecido como Caminho Geral do Sertão.

Este se iniciava em Parati, atravessava a serra do Mar e atingia Guaratinguetá.

Daí seguia pelo “Caminho dos Paulistas”, atravessando a Mantiqueira e passando por onde estão hoje as cidades de Passa-Quatro, Itanhandu, Santana do Capivari, Consolação, Pouso Alto, Boa Vista, Baependi, Conceição do Rio Verde, Cruzília e Ingaí.

Aí transpunha o Rio Grande, chegando à Ibituruna, e subia o Rio das Velhas até o Arraial do Rio das Mortes, hoje São João Del Rey. 

Caminho agradável e em descenso.

Depois prosseguia até a Vila Rica, hoje Ouro Preto.

Em meados do século XVIII, a Coroa abriu um segundo caminho a partir do Rio de Janeiro, atravessando a Serra dos Órgãos e o “Caminho dos Paulistas” passou a ser chamado de “Caminho Velho”.

Em termos ecológicos, ela integra o ecossistema da Mata Atlântica que possui uma das maiores biodiversidades do planeta.

Apesar da ocupação das terras, principalmente para a exploração da pecuária, existem ainda regiões de mata muito bem preservadas, onde são encontradas uma impressionante variedade de árvores como o jacarandá, cedro, canjerana, guatambu, ipês, canela, angico, jequitibá, e também a araucária (ou pinheiro-brasileiro) e o pinheiro-bravo, típicos do clima tropical de altitude.

Esse também é o “habitat” ainda hoje de uma fauna variada, onde se destacam o veado campeiro, o lobo-guará, a onça parda, o cachorro-vinagre, a jaguatirica, a paca, o bugio, o macaco sauá, o mono, o esquilo e o ouriço caixeiro. 

Entorno belíssimo nesse trecho.

E entre as aves, a gralha-azul, o tucano, a maritaca, o inhambu, o jaçanã, a seriema e o gavião carcará.

Isto numa região que no ponto mais próximo, dista apenas 100 quilômetros da cidade de São Paulo, relembrando-se, ainda, que ela é coberta por antiquíssimas trilhas abertas ao longo dos séculos pelas expedições vindas do Vale do Paraíba, que subiam as encostas e iam para o interior em busca do ouro.

Muitas dessas sendas deram origem a estradas de rodagem, enquanto outras se mantiveram como eram originalmente e são usadas ainda nos dias atuais, por moradores da região, cavaleiros e romeiros que vão à Aparecida.

Condição na qual eu me incluía, raciocinava, enquanto transitava por uma larga estrada de terra, em perene declividade, sob a parca iluminação celeste, eis que lentamente o dia ia clareando.

Ao meu lado corria o barulhento ribeirão Pilões, que ora estava à minha esquerda, depois atravessava para o meu flanco direito, isto em várias oportunidades, sendo sempre transposto por sólidas pontes.

Às 6 h, depois de percorrer 3 quilômetros, ainda no bairro Pilões, passei pela capela de Sant’Ana, onde a estrada ganha asfalto por uns duzentos metros.

Ali, além da bela igrejinha, existem umas cinquenta casas, se tanto, que servem de moradia aos que residem nessa pequena comunidade.

Caminhada agradável e arejado.

Na sequência, a estrada alargou-se e logo o sol apareceu, iluminando uma paisagem maravilhosa, que ia se descortinando aos poucos, à minha frente.

O caminho praticamente todo plano não oferecia dificuldade nenhuma, de maneira que com o frescor da manhã, eu pude desenvolver um ritmo uniforme de marcha.

Assim, as distâncias foram sendo vencidas, de maneira que, às 7 h 30 min, depois de percorrer 12 quilômetros, eu adentrei em asfalto, exatamente numa bifurcação que dá acesso ao bairro de Pedrinhas. 

Transitando sobre asfalto.

Então, o trajeto perdeu toda a graça, pois se tornou demasiado urbano, visto que passei a transitar por uma rodovia sem acostamento, onde encontrei um razoável tráfego de veículos.

Nesse derradeiro trecho segui por inúmeros bairros e passei defronte a muitas capelinhas, cada qual erigida em homenagem a um santo de devoção, como São Joaquim, depois, Santa Edwirges, São Sebastião e São Manuel.

Na sequência, passei defronte a Escola de Aeronáutica e, mais abaixo, já no bairro do Pedregulho, pude visualizar uma gruta erigida em homenagem de Nossa Senhora de Lourdes.

Logo adentrei nos arrebaldes de Guaratinguetá, uma cidade de razoável tamanho, atualmente, com 115 mil habitantes, cuja fundação data 1.628.

E, por uma avenida interminável, eu cruzei toda a urbe até chegar, no final de uma grande reta, junto ao rio Paraíba do Sul, que transpus pela ponte Doutor Zerbini.

De se enaltecer a sinalização nesse trecho específico do caminho, pois as flechas estão visíveis em toda a extensão do percurso, facilitando sobremaneira o deslocamento do peregrino, de maneira que não tive dificuldade em encontrar o rumo a seguir.

Chegando à Casa de Frei Galvão.

Já do outro lado do rio, eu acessei uma rua lateral, saí numa praça e, às 9 h 38 min, após pouco mais de 4 horas de caminhada, eu adentrei à Casa do Frei Galvão, localizada no centro histórico de Guará.        

“Santo Antonio de Sant’Ana Galvão, mais conhecido do Frei Galvão (Guaratinguetá, 1739 – São Paulo, 23 de dezembro de 1822), foi um frade católico e o primeiro santo nascido no Brasil, cuja canonização ocorreu em 11 de maio de 2.007, feita pelo papa Bento XVI durante sua visita ao Brasil.

Seu pai, Antônio Galvão de França, nascido em Portugal, era o capitão-mor da vila, e sua mãe, Isabel Leite de Barros, era filha de fazendeiros, bisneta do famoso bandeirante Fernão Dias Pais, o "caçador de esmeraldas".

Antônio viveu com seus irmãos numa casa grande e rica, pois seus pais gozavam de prestígio social e influência política.

O pai, querendo dar uma formação humana e cultural segundo suas possibilidades econômicas, mandou o filho com a idade de treze anos para o Colégio de Belém, dos padres jesuítas, na Bahia, onde já se encontrava seu irmão José.

Lá fez grandes progressos nos estudos e na prática cristã, de 1752 a 1756, pois queria tornar-se jesuíta. 

Visita ao Museu de Frei Galvão.

Mas, por causa da perseguição movida contra a Ordem pelo Marquês de Pombal, seu pai o aconselhou a entrar para os franciscanos, que tinham um convento em Taubaté, não muito longe de Guaratinguetá.

Assim, renunciou a um futuro promissor e influente na sociedade de então, e aos 16 anos, entrou para o noviciado na Vila de Macacu, no Rio de Janeiro, sendo que, em 16 de abril de 1761 fez seus votos solenes, e um ano depois, foi admitido à ordenação sacerdotal, pois julgaram seus estudos suficientes.

Foi então mandado para o Convento de São Francisco em São Paulo a fim de aperfeiçoar os seus estudos de filosofia e teologia, e exercitar-se no apostolado.

Data dessa época a sua "entrega a Maria", como seu "filho e escravo perpétuo", consagração mariana assinada com seu próprio sangue a 9 de março de 1766.

Terminados os estudos foi nomeado Pregador, Confessor dos Leigos e Porteiro do Convento, cargo este considerado de muita importância, pela comunicação com as pessoas e o grande apostolado resultante.

Em 1769/70 foi designado confessor de um Recolhimento de piedosas mulheres, as "Recolhidas de Santa Teresa", em São Paulo. 

Visita ao Museu de Frei Galvão.

Nesse local, ele encontrou Irmã Helena Maria do Espírito Santo, religiosa que afirmava ter visões, pelas quais, Jesus lhe pedia para fundar um novo mosteiro.

Durante catorze anos cuidou dessa nova construção (1774-1788) e outros catorze para a construção da igreja (1788-1802), inaugurada aos 15 de agosto de 1802.

Frei Galvão foi arquiteto, mestre de obras e até mesmo pedreiro, e a obra, hoje o Mosteiro da Luz, foi declarada "Patrimônio Cultural da Humanidade", pela UNESCO.

Em várias ocasiões as exigências da sua Ordem Religiosa pediam que se mudasse para outro lugar a fim de realizar outras funções, mas tanto o povo e as recolhidas, como o bispo, e mesmo a Câmara Municipal de São Paulo intervieram para que ele não saísse da cidade.

Diz uma carta do "Senado da Câmara de São Paulo" ao Provincial (superior) de Frei Galvão:

"Este homem tão necessário às religiosas da Luz, é preciosíssimo a toda esta Cidade e Vilas da Capitania de São Paulo, é homem religiosíssimo e de prudente conselho; todos acorrem a pedir-lho; é homem da paz e da caridade".

Visita ao Museu de Frei Galvão.

Frei Galvão viajava constantemente pela capitania de São Paulo, pregando e atendendo as pessoas, sendo certo que fazia todos esses trajetos sempre a pé, porquanto não usava cavalos, nem a liteira levada por escravos.

Vilas distantes sessenta quilômetros ou mais, municípios do litoral, ou mesmo viajando para o Rio de Janeiro, enfim, não havia obstáculos para o seu zelo apostólico.

Ele era alto e forte, de trato muito amável, recebendo a todos com grande caridade, e por onde passava as multidões acorriam.

Durante sua última doença, Frei Antônio passou a morar num "quartinho" (espécie de corredor) atrás do tabernáculo, no fundo da igreja.

Terminou sua vida terrena aos 23 de dezembro de 1822, pelas 10 horas da manhã, confortado pelos sacramentos e assistido pelo seu padre guardião, dois confrades e dois sacerdotes diocesanos.

Frei Galvão, a pedido das religiosas e do povo, foi sepultado na igreja do recolhimento, que ele mesmo construíra.”

Recebendo meu Diploma de conclusão do Caminho de Frei Galvão.

Na Casa de Frei Galvão eu recebi suas famosas pílulas, bem como um Diploma relativo ao encerramento do Caminho.

Em seguida, visitei calmamente o local que foi residência do famoso frei, o primeiro santo brasileiro a ser canonizado, que ali viveu até aos 21 anos.

Depois, posei para uma foto perante sua belíssima imagem, toda talhada em jacarandá, de autoria de Ditinho Joana, um renomado escultor residente em São Bento do Sapucaí.

Na sala, que ainda conserva o piso de pedra original, há painéis, móveis de família e relíquias, como a corda que supostamente prendia sua batina.

Do outro lado da rua, outra casa foi adquirida recentemente e ali se localiza a sala dos milagres, onde estão expostos quadros, fotos e cartas enviadas por fiéis que tiveram seus pedidos atendidos.

Visita ao Museu de Frei Galvão.

Visitei todo o acervo ali disponibilizado aos turistas e romeiros, bem como tomei da água que jorra de uma fonte abençoada pelo Santo.

Então, após uma visita à Catedral de Santo Antônio, onde o santo foi batizado e ordenado padre, eu dei por encerrada minha peregrinação.

Imediatamente, tomei um táxi que me deixou próximo da Basílica de Nossa Senhora, em Aparecida.

Em seguida, me registrei num hotel, tomei demorado banho, depois saí para almoçar.

À tarde, pude assistir à missa das 16 horas na casa da Mãe Maior e renovar meus votos marianos.

E no dia seguinte, feliz e realizado, retornei ao meu lar. 

Obrigado Mãe Aparecida por mais essa jornada abençoada!

IMPRESSÃO PESSOALUma etapa quase sempre em pronunciada descendência altimétrica. Por isso mesmo, agradável e cercada por belas paisagens, porém, somente até o encontro com o asfalto. A partir desse marco, o trajeto torna-se demasiadamente urbano e a jornada perde todo o brilho. No geral, uma caminhada tranquila, onde ocorre o ápice da peregrinação, exatamente, no emocionante momento do aporte à Casa de Frei Galvão.

FINAL