5º dia – GUARATINGUETÁ/SP a HOTEL SÃO FRANCISCO (CUNHA/SP) – 27 quilômetros

5º dia – GUARATINGUETÁ/SP a HOTEL SÃO FRANCISCO (CUNHA/SP) – 27 quilômetros

"Andar a pé significa estar aberto para o mundo. O ato de caminhar traz o homem de volta à consciência feliz da própria existência, e o insere em uma forma ativa de meditação que exige a plena participação de todos os sentidos." (David Le Breton) 

Guaratinguetá dista de Cunha, por rodovia, 45 quilômetros.

No entanto, o trajeto proposto pelo roteiro da Estrada Real mede 51 quilômetros.

Em princípio, poderia percorrer tal distância em uma jornada apenas.

Mas não era o caso, pois eu pretendia vaguear por esse trecho final com calma e espírito contemplativo.

Afinal, em termos de “Caminho Velho” ou “Caminho do Ouro”, o percurso entre Guaratinguetá/SP e Paraty/RJ é um dos mais marcantes, sempre pontuado por lendas e dramas nos relatos históricos.

Dessa forma, combinei com um taxista para ele ir me buscar no Hotel São Francisco, situado no município de Cunha, quando lá aportasse.

Concentrado, perfazendo minhas orações matinais.

A noite fora tumultuosa, visto que, a partir das 3 horas da madrugada, principiou a chegar hóspedes falantes e barulhentos, provenientes de um casamento e, por azar, estavam todos alojados no mesmo andar que eu.

Acabei acordando e, por conta do tumulto, não consegui mais conciliar o sono.

Assim, parti às 6 horas, levando apenas a mochilinha de ataque, contendo frutas, água e isotônico.

Bar do Mané, local onde encontrei o primeiro totem da ER.

O trajeto urbano é bastante simples e logo encontrei, diante do bar do Mané, o primeiro totem do dia.

Na sequência, por uma avenida, passei sob a via Dutra e, mais acima, acessei a rodovia SP-171, cognominada de “Paulo Virgínio”, que segue em direção a Cunha.

Transitando pelo acostamento, no sentido contrário ao tráfego de veículos, segui tranquilo e orante, enquanto lentamente o dia amanhecia.

Por sinal, conforme conta a história: “Em 1650, aproveitando a trilha indígena dos Guaianás, o guaratinguetaense Domingos Velho Cabral abre um novo caminho que liga Guaratinguetá à Freguesia do Facão, atual cidade de Cunha, reduzindo a distância do percurso.”

Pois, incrivelmente, era sobre esse memorável trajeto que eu caminhava nesse glorioso dia.

Três quilômetros percorridos em bom ritmo, próximo ao Cemitério da Saudade, adentrei à esquerda e logo acessei um caminho de terra.

Finalmente, caminhando em terra.

A partir desse marco, passei a transitar pela Estrada do Morro Frio, que segue entre grandes fazendas de criação de gado e chácaras de alto padrão, localizadas a pouca distância do centro urbano.

Seguindo pela histórica "Estrada do Morro Frio".

Próximo dali ficava o antigo Rancho da Pedreira de onde partiam os tropeiros, não sem antes pedir a proteção de São Bento, da seguinte forma: “São Bento, água benta! Jesus Cristo no altar! As cobras desse caminho Afastem que eu vou passar! São Bento! Livrai-nos dos males E de bichos peçonhentos!”

Caminho deserto e silencioso.

Galos saudavam a manhã nascente, vacas mugiam num pasto próximo, pássaros trinavam em árvores adjacentes: era tudo o que eu queria ouvir e sentir, para levantar ainda mais o meu astral.

O roteiro ascendeu levemente, depois, descendeu com vigor.

Descendendo em direção à rodovia.

E depois de 2.500 metros caminhados junto à exuberante natureza, desaguei novamente na rodovia, junto ao totem da ER de número 1291.

Sem alternativa, prosseguindo em piso asfáltico, logo passei diante do Posto da Polícia Rodoviária e, na sequência, pelo bairro do Fogueteiro de Baixo.

Ciclistas já circulavam pelo acostamento do lado oposto, demandando à cidade de Cunha.

O tráfego de veículos também estava crescendo, visto estarmos vivenciando um domingo ensolarado e, com a recente liberação da rodovia Cunha/Paraty, muitos certamente seguiam na direção do mar.

Potentes motos troavam no ar, automóveis transitavam em alta velocidade, alguns com o escapamento aberto, perfazendo grande alarido.

Adentrando em terra, novamente, em direção ao bairro Paiol.

Minha concentração estava em desassossego quando, finalmente, percorridos 10 quilômetros desde a minha partida, adentrei à direita e passei a caminhar novamente em trilha de terra.

E, imediatamente, os sentidos e meus pés agradeceram em uníssono!

Eu estava adentrando ao bairro Paiol, um dos mais antigos dentre todos que margeiam essa estrada.

Paisagens bucólicos, caminho arejado...

Ele, inclusive, já centralizou importantes fazendas produtoras de café e gado, além de contar com uma centenária capela, onde ocorrem animadas festas juninas.

A estrada plana e deserta me levou a transitar novamente entre grandes propriedades rurais, cuja principal atividade é a pecuária leiteira.

Caminhei mais de 30 minutos sem cruzar ou ser ultrapassado por algum veículo automotor.

Uma moça vem em sentido contrário, a primeira pessoa que encontrei nessa estrada.

Nesse trajeto, cruzei apenas com uma moçoila que, após me cumprimentar respeitosamente, contou que iria trabalhar numa chácara próxima, onde se realizaria uma festa de aniversário.

O clima persistia fresco, apesar do sol já ter aparecido, e eu seguia sem pressa, admirando a belíssima paisagem circundante.

Paisagens exuberantes...

Por sinal, no horizonte, já podia divisar grandes morros pertencentes a serra do Mar, locais por onde eu transitaria em breve, nas minhas jornadas sequentes.

O caminho nesse trecho é bastante ermo e belo.

E eu aproveitava cada instante, pleno de cenários mágicos.

Caminho deserto e silencioso.

Por sinal, existem muitas chácaras à beira da estrada e, fato interessante, encontrei mais de 6 delas com a placa de “vende-se”.

Seria efeito da crise atual?

Descendendo em direção a um riacho.

Após um pequeno descenso, eu ultrapassei um córrego por uma ponte, depois transitei diante da belíssima Fazenda São João.

Do meu lado direito, pertencente a essa herdade, havia uma grande mata virgem e preservada, ocupando toda a encosta lindeira.

Fazenda São João, abaixo, um local belíssimo.

Então, principiei a ascender e logo passei diante da entrada para o povoado de Goiabal, distante uns 500 metros do roteiro.

Poderia visitá-lo se estivesse necessitando de água ou mantimento, o que não era o caso.

Em forte ascenso, passagem diante da entrada para o bairro Goiabal.

Seguindo adiante, o ascenso seguiu sem descanso até o portal da Fazenda São Francisco.

Ali, inserto no totem de número 1308 obtive a seguinte informação:

“Índios, ouro, bandeirantes, comerciantes de materiais de progressos, africanos, religiosos, cientistas, estrangeiros, café, açúcar, autoridades, tropas e tropeiros, nestes caminhos passaram e essas maravilhas avistaram.”

Ainda em forte ascenso.

E no totem sequente:

“Esse caminho aberto por apresentar duríssimas serras, era muito penoso para as tropas, que optavam seguir o caminho Paraty – São Luís do Paraitinga – Taubaté – Guaratinguetá, bem mais longo, mas com menos acidentes geográficos.”

O ascenso prosseguiu eterno e quase sem pausas, embora não fosse tão abrupto.

Na verdade, eu estava transitando pela Serra da Quebra-Cangalha, que é uma vertente da serra do Mar, com aproximadamente 1000 metros de altitude.

Já Guaratinguetá está a 527 metros, ao nível da estrada de ferro.

Flores para elevar o astral.

Num patamar superior, passei diante de uma humilde casa em cuja frente havia uma florida primavera.

E foi impossível não fotografar tão bela imagem que reascendeu meu ânimo, tamanha sua beleza, obra da natureza.

Em determinado local, já quase no final da serra, encontrei uma bica, cuja vertente decaia sob uma enorme pedra.

Alguma alma bondosa canalizou-a e pude saciar minha sede naquele local, vez que o líquido que eu portava já se encontrava quente.

Caminhando pelo topo do morro.

A água que ingeri se mostrava límpida, deliciosa e tão fresca que, imediatamente, senti minhas energias recarregadas.

Joguei fora aquela que levava, enchi novamente minha garrafa plástica e segui adiante.

E, finalmente, atingi o topo da serra, num local descampado, com amplas visões do horizonte.

Naquele lugar eu estava a 1074 m de altitude, o ponto de maior altimetria dessa etapa.

Descenso entre belas chácaras.

Então, principiei a descender e, mais abaixo, passei pelo bairro de Brumado, que antigamente era ocupado pelos descendentes de uma mesma família.

Diz a história que os ranchos dos irmãos João e José Pereira Gabriel eram conhecidos por servir de pouso a tropeiros.

O caminho finalmente se aplainou e nesse trecho passei diante de belíssimas chácaras e fazendas.

Entorno sombreado e maravilhoso, com belas chácaras.

E, após percorrer um total de vinte quilômetros, retornei à rodovia SP-171, seguindo, novamente, pelo acostamento.

O sol já estava no ápice, fazia calor, mas meu astral prosseguia elevado.

Um quilômetro adiante, transitei pelo famoso bairro da Rocinha que, segundo li, possui a cultura peculiar do homem da roça, tradição “caipira” do interior de São Paulo e fusão com a cultura mineira.

Também foi pouso de tropeiros e guarda trincheiras da Revolução Constitucionalista de 1932.

Entrada para o famoso bairro da Rocinha.

Este bairro se localiza nos domínios da Serra Quebra-Cangalha.

Uma região rica em recursos naturais como rios, cachoeiras, florestas de altitude e remanescentes da Mata Atlântica, propiciando a existência de diversas trilhas e observação de flora e fauna.

Por sinal, a serra é uma subunidade do Planalto Atlântico e recebeu esse nome devido à frequente quebra das cangalhas dos inúmeros burros que passavam por ela.

Prosseguindo, um quilômetro à frente, passei diante da bela igreja de Santo Expedito, que foi edificada no cimo de um outeiro, a 1100 metros de altitude.

Igreja de Santo Expedito.

Uma construção de 1953, coordenada pelo Frei Franciscano Niceto, com a ajuda de fazendeiros, é hoje a única paróquia dedicada ao santo na região.

Ela se situa à beira da rodovia e dista 22 quilômetros do centro de Guaratinguetá.

Anualmente, próximo do dia 19 de abril, data em que se comemora Santo Expedito, ela recebe inúmeras romarias provindas do sul Fluminense, sul de Minas Gerais, Litoral Norte de São Paulo, Litoral Sul do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba.

Prosseguindo, logo ultrapassei a divisa de municípios, deixando o de Guaratinguetá para adentrar no de Cunha.

Placa que anuncia a divisa dos municípios de Guará e Cunha.

Um pequeno caminhão com carroçaria baú, de alumínio, diminuiu a marcha e seus dois ocupantes me ofereceram carona.

Era a primeira vez que isso acontecia.

Agradeci a oferta e disse que “estava pagando uma promessa”...

O trânsito prosseguiu bastante expressivo mas, em sua massiva maioria, na direção do litoral.

Portanto, eu seguia caminhando tranquilo e o vento, esse meu irmão querido, fiel e invisível companheiro de tantos momentos importantes da minha vida, continuava me acariciando.

Maravilhosos pés de ipês floridos.

Mais adiante, passei defronte ao Café e Lanchonete Tudo da Roça, onde poderia, se necessitasse, repor calorias ou adquirir água, o que não era o caso.

Restando pouco mais de três quilômetros para o final da jornada, fiz contato com o taxista contratado para ir me buscar mas, para minha surpresa, não havia sinal em meu aparelho celular.

Um pouco adiante, passei diante de magnífica cachoeira, localizada ao lado da pista, num local extremamente arborizado.

Bela cachoeira, localizada à beira da pista, mas com acesso bloqueado.

Mas, ela se encontra protegida por reforçadas cercas de arame farpado, o que impede o acesso de estranhos à sua queda.

E, após percorrer 28 quilômetros, sem maiores percalços, cheguei diante da entrada para o Hotel São Francisco, já que sua portaria está localizada a 600 metros da rodovia.

Meu telefone prosseguia sem sinal, contudo, por sorte, encontrei um senhor aguardando o ônibus proveniente de Cunha.

Ponto final da jornada desse dia.

Ele me disse que o coletivo passaria dentro de 15 minutos, o que de fato ocorreu.

Paguei R$8,00 pela passagem e 20 minutos depois, chegava à Estação Rodoviária de Guaratinguetá, de onde retornei ao meu hotel.

Mais tarde, após banho e a necessária lavagem de roupas, fui almoçar novamente no Restaurante e Churrascaria Minuano, um dos únicos estabelecimentos do gênero aberto naquele dia no centro da cidade.

O domingo se mostrara um tanto desgastante, pois do total percorrido, aproximadamente, 17 quilômetros foram caminhados sobre piso asfáltico.

Assim, deitei para descansar e arejar meus abençoados pés.

Visão, ao longe, da serra da Mantiqueira, desde o meu quarto no hotel.

Mais tarde, dei um breve giro pelo centro da urbe que, por ser um domingo, se encontrava praticamente deserto.

E, porque não, perigoso, visto o grande número de moradores de rua espalhados pelo local.

Depois de adquirir mantimentos num supermercado, contratei um taxista para me levar no dia sequente, até o Hotel São Francisco, de onde prosseguiria meu périplo, cujo objetivo era aportar à cidade de Cunha.

Para finalizar bem o dia, assisti à missa das 19 horas na Catedral de Santo Antônio.

O padre, inspirado, fez um sermão beatífico, onde pude depreender as seguintes lições:

Adentrando à catedral, para assistir à missa, já com iluminação urbana.

“O desapego de pai, mãe, mulher, filhos e da própria vida encontra seu sentido e plenitude na renúncia de tudo, como está expresso no final do Evangelho.

Pode parecer uma exigência radical demais se não compreendermos a natureza do amor de Deus, que nos é dado como dom e guia.

O amor de Deus é cem por cento oblativo. Significa que sua expansão constitui um movimento profundo, sutil e radical na linha da efusão de sua superabundância. Isto pode ser traduzido por uma única palavra: Vida. Concebida na linha da plenitude, é a vida que está em Deus. Por isso o amor de Deus é um amor da mais profunda liberalidade, sempre voltado para o Outro, diferentemente do amor humano, que busca sua satisfação no outro. O amor de Deus não tem contramão. Sua direção é pura efusão para dar-se e mostrar sua realidade substantiva. Por isso tem como produto a felicidade indizível que reina na Trindade.

Quando Jesus afirma que quem não renunciar a tudo, não pode ser seu discípulo, está frisando o princípio do amor que deve reger as relações entre os seus discípulos. É claro que Jesus sabe que somos limitados e que jamais atingiremos a perfeição nesta terra. No entanto, se não tivermos o princípio do amor, não há rumo que nos indique a direção autêntica. Por isso é que há tantos pecados entre os cristãos, há tantas máculas na Igreja. Não se trata de uma ética de virtudes, mas de uma humilde entrega a Deus, deixando-O agir em nós, por meio do Espírito.

Ao adotarmos o princípio escatológico do amor, permaneceremos no amor de Deus e conseguiremos remar contra a maré, que constitui o movimento inverso: o movimento em direção ao egoísmo. Portanto renunciar a tudo o que tem não faz do cristão uma pessoa estranha e nem um isolado da realidade. Pelo contrário, ajuda-o a usar as coisas que passam com os olhos fixos naquelas que não passam.”

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma etapa histórica, tranquila e agradável, embora, eu tenha caminhado, do total, 17 quilômetros sobre piso duro. Infelizmente, nesse trajeto, o trecho original da Estrada Real submergiu sob o asfalto em vários locais. Mas, quando transitando em terra, passei por locais bucólicos e de extrema beleza. No geral, um percurso de razoável dificuldade pelo contínuo ascenso que se enfrenta após o bairro Paiol, acrescido pelo contínuo caminhar em piso asfáltico, à borda da rodovia Paulo Virgínio.

RESUMO DO DIA:

Tempo gasto, computado desde o Kafé Hotel, em Guaratinguetá, até o acesso ao Hotel São Francisco (Cunha/SP): 6 h;

Clima: Nublado no início, depois ensolarado até o final da jornada.

Pernoite no Kafé Hotel, em Guaratinguetá: Apartamento individual excelente – Preço: R$120,00, com café da manhã;

Almoço no Restaurante e Churrascaria Minuano: Espetacular! O melhor de todos! – Preço: R$65,00 o quilo, no sistema Self-Service.

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