APÓS O REVÉS, UMA LIÇÃO DE VIDA

Mojón nº 100: Restam 100 quilômetros até Santiago!

Desci o Cebreiro sob intensa nevasca e o percurso pelo asfalto mostrou-se extremamente cansativo, em razão do piso encontrar-se escorregadio e irregular.

Ao chegar a Triacastela a neve havia cessado de cair, porém chovia abundantemente, e eu, indeciso quanto a seguir ou ficar, fui conquistado por um convite do Padre Augusto e pernoitei naquela cidade. 

Na manhã seguinte, a fria chuva primaveril persistia e, depois de consultar o Guia do Caminho, resolvi evitar o percurso por terra através de San Xil, optando pelo trajeto em asfalto passando por Samos.

Ali, demorei-me visitando aquele imponente Monastério construído no século VI, uma autêntica obra-de-arte, eficientemente preservado. Quase ao final da jornada, quando já visualizava Sarria, a chuva que havia cessado momentaneamente, desabou em violento temporal.

Face à precariedade do acostamento por onde eu transitava, bem como ao excessivo número de carros que trafegavam pela rodovia espadanando água em mim, aportei à cidade, encharcado até os ossos, entanguido de frio, ansiando por um banho quente e reparador. 

Após algumas indecisões causadas pela má sinalização, encontrei, finalmente, o albergue, situado na parte alta e antiga da cidade, um prédio de construção recente, no final de um labirinto de ruas estreitas, permeadas de casarões bicentenários. Para minha surpresa, ele se encontrava completamente lotado.

Já observava há alguns dias tal situação: quanto mais próximo de Santiago, mais gente se aventurava no Caminho e os albergues ficavam cada vez mais superlotados. A cidade de Sarria está situada, estrategicamente, a 114 quilômetros de Santiago, por isso, é o ponto de partida da maioria dos que fazem a “miniperegrinação”, com o objetivo precípuo de conseguir a “Compostela”.

Naquela ocasião, pareceu-me que metade da Espanha resolvera iniciar o Caminho no dia seguinte, tamanha a quantidade de pessoas que se movimentavam dentro do albergue e, o mais relevante, com carros e ônibus de turismo a dar-lhes suporte, como pude comprovar pela expressiva quantidade de veículos estacionados à porta do refúgio.

Indignado, por tal incongruência, orei, Deus, dai-me paciência, ao mesmo tempo, sentia-me revoltado com a falta de leito e estrutura, bem como pela inobservância de um preceito básico, que deveria priorizar os peregrinos que haviam chegado “a pie”. 

Então, exausto e decepcionado, precisei, pela primeira vez no Caminho, procurar outro local para pernoite. Acabei hospedando-me num Hostal, que são considerados categorias de hotéis mais simples, sem funcionamento de portaria 24 horas por dia, normalmente em andares acima de um bar cujo proprietário gerencia ambos os negócios. Depois de um profícuo banho, roupa lavada e breve descanso, retornei ao albergue para carimbar minha credencial. 

Sentia-me entristecido por ter que me afastar dos amigos com quem eu pernoitava nos últimos 24 dias, todavia, lá não os encontrei. Quase a totalidade das pessoas ali presentes era composta por jovens de nacionalidade espanhola que deviam estar fazendo turismo, tal era o barulho e a algazarra que faziam no local. As mochilas, quase sempre novas, que orgulhosamente exibiam, pareciam iguais àquelas que as crianças levam em Jardins de Infância, todas leves, pequenas e com capacidade inferior a 25 litros. 

Em meio àquele pandemônio humano, notei uma cândida senhora, olhos azuis translúcidos, que a todos atendia, com um perene sorriso estampado no rosto. Alta e magra, dona de excelsa beleza, portava uma pequena cruz de ouro no pescoço, tinha bochechas redondas e salientes que se destacavam ainda mais por causa dos dentes superiores que se projetavam à frente dos inferiores.

Notei-lhe, ademais, uma singularidade: tal qual eu, fora criada aprendendo a levantar o queixo e olhar as pessoas nos olhos enquanto conversava. Em vista de sua prestatividade e respeito ao tratar com os peregrinos, inferi que fosse auxiliar do Hospitaleiro responsável pelo albergue.

No dia seguinte, 04/05/2001, sexta feira, levantei-me disposto e animado depois de uma revigorante noite de sono e, às 6 h e 45 min, ainda no escuro, já me punha a caminhar, pois minha meta era pernoitar em Gonzar, 30 quilômetros à frente.

Lá fora, estendia-se uma paisagem urbana, de um cinzento insípido, envolta numa névoa opaca e sem sombras. Após subir por uma rua íngreme que passava pela Igreja de San Salvador, fundada em 1094, e o convento da Magdalena, transitei por algumas ruas desertas e, em seguida, adentrei num bosque nativo.

Sentia dentro de mim uma estranha miscelânea de emoções, uma espécie de exaltação com um fundo subjacente de ansiedade. Alguma coisa não se encaixava no lugar, simplesmente, algo não estava certo, porém, por mais que me concentrasse, não conseguia detectar onde estava o problema.

Um vento gélido soprando com força do sul, fustigava meu rosto, fazendo a temperatura despencar até o ponto de congelamento. Cheia há dois dias, a lua flutuava baixa e proibitivamente fria, dura como o diamante, no céu primaveril. A ladear-me no Caminho, imensas coníferas, cedros, gigantescos eucaliptos, tudo salpicado de cores naquela época do ano, o começo da primavera, quando as intensas chuvas que fecharam o inverno deixaram o solo borbulhando de vida.

Perfeitamente integrado àquele ambiente mágico, dei asas à imaginação e meus pensamentos foram subjugados pela imensa beleza do local. Essa breve divagação teve o dom de me acalmar e, então, subitamente, aflorou em meu pensamento, tal qual um raio, aquilo que me afligia internamente, fazendo-me estacar perplexo: partira, sem pagar o pernoite e, o pior, o passaporte que deixara em garantia com o dono do Estabelecimento, lá ficara retido.

Por um átimo pensei em prosseguir até Portomarín e, depois, retornar de táxi para os acertos devidos. Porém, raciocinei, e se o proprietário desconfiado de ser eu um “falso” peregrino enviasse a polícia ao meu encalço? Para piorar, eu não podia caminhar sem meu passaporte, pois se fosse interpelado por algum motivo, sem documento hábil, fatalmente meu Caminho terminaria antes do previsto.

Todas as alternativas procrastinadoras esbarravam na verdade nua e crua de que, no fundo, mesmo que por algumas horas, eu teria quebrado regras legais, e, assim, sem outra alternativa plausível, optei por retornar ao Hostal.

E o fiz, quase em “estado de choque”. As pessoas que cruzaram comigo naquela manhã devem ter ficado preocupadas ou curiosas ao avistar um peregrino caminhando no sentido inverso às flechas amarelas, passos rápidos, cabisbaixo, taciturno, silencioso. Durante todo o percurso de volta meu sacrário interior permaneceu em latente ebulição, recriminava-me sem trégua pela distração que, fatalmente, acarretaria atraso na minha jornada. Às 7 h e 45 min encontrava-me, novamente, no ponto de partida, porém, suprema ironia, nada na Espanha começa a funcionar antes das 9 horas da manhã. Eu teria que aguardar, e muito! Mais um contundente revés a obstar minha caminhada naquele dia.

Inconformado, sentei-me nos degraus do prédio e, impacientemente, vi transcorrer as 2 horas mais longas que passei no Caminho, com pensamentos soturnos a calcinar minhas ideias. Houve momentos em que eu pude, literalmente, ouvir o relógio tiquetaqueando no meu pulso cada segundo perdido. Finalmente, às 9 h e 45 min, o proprietário do Hostal apareceu e, após desculpas mútuas, eu pela distração, ele pelo atraso, entraves burocráticos e monetários superados, às 10 horas, pontualmente, eu me punha novamente a caminhar.

O céu azul da manhã modificara-se repentinamente, bem à minha frente, baixas nuvens cinzentas remanchavam-se, ameaçadoras. Desconsolado e aflito ante a chuva iminente, quis recuperar o tempo perdido, assim, os primeiros quilômetros foram superados a uma velocidade alucinante, e quase uma hora depois chegava à pequena vila de Barbadelos.

Após ladear a igrejinha do lugarejo, construída no Século XII, ultrapassei uma peregrina que, admirado, constatei, mesmo em trajes de

caminhada, como aquela que tinha visto, no dia anterior, auxiliando no albergue em Sarria. Ao saudar-nos, surpreendentemente, reconhecemo-nos como brasileiros. Um discreto batom, lembro-me, emoldurava seu sorriso franco. Aquele encontro, para mim, tinha algo de sobrenatural.

Ela, alegremente, convidou-me para caminharmos juntos por um trecho do Caminho. Embora preocupado com a distância que ainda tinha à frente e pela fina garoa que principiava a cair, entendi que seria um ato de extrema indelicadeza de minha parte, recusar tão gentil convite.

Irmã Cecília, como se apresentou, declinou-me, em rápidas pinceladas, sua fascinante história: filha única, órfã de pai aos 5 anos, nascera no interior do Estado de São Paulo e fora criada na Capital, onde também cursara Medicina, com especialização em Cirurgia e Pediatria.

Sua vida tinha sido estruturada em torno da superação de reveses para alcançar seus objetivos. Morta a mãe, com quem mantinha um profundo laço afetivo, viu-se sozinha no mundo. Ao se aproximar dos quarenta anos, solteira e sem filhos, atendeu a um chamado divino, uma vocação avassaladora, adentrando ao Convento das Missionárias Franciscanas.

Simultaneamente, inscrevera-se para trabalhar como médica voluntária na Cruz Vermelha Internacional, sentindo-se, então, como alguém que havia se libertado de todas as restrições tradicionais para buscar o que desejava. Sobre seus pares de Faculdade, dizia-se decepcionada: era comum, na prática médica, encontrar homens e mulheres hábeis em se fazerem atraentes, pessoas que tinham dominado os gestos externos de sinceridade e humildade, mesmo quando mascaravam um âmago vulcânico de egocentrismo e ambição.

Como missionária religiosa trabalhara na Amazônia, na Bolívia e na África. Em campanhas humanitárias patrocinadas pela Cruz Vermelha estivera no Laos, no Camboja, em Angola e, mais recentemente, na Guerra da Bósnia e, posteriormente, na do Kosovo. No ano 2000, lera por acaso um livro sobre o Caminho de Santiago. Como freira, já conhecia com detalhes, a vida do Santo, porém, fascinou-lhe, particularmente, o trabalho espontâneo e gratuito prestado por pessoas de diferentes nacionalidades, nos albergues ao longo da Rota.

Após inscrever-se e ser aceita como hospitaleira voluntária (hosvol@caminosantiago.org), fizera um curso preparatório em Granón e, agora, trilhava há 35 dias, desde Roncesvalles, para conhecer o Caminho e colocar seus conhecimentos em prática. Quando chegasse a Santiago, onde tinha prazo para se apresentar até dia 15 de maio, seria designada para trabalhar num refúgio na Província de Burgos.

Enquanto vencia as etapas, e as fazia com parcimônia, caminhando alguns quilômetros por dia, prestava auxílio nos locais onde pernoitava, não só no atendimento médico aos peregrinos necessitados, como, também, ajudava na faxina e na cozinha.

Aos 60 anos de idade, sua exuberante forma física aliada a contagiante bom humor, tornavam-na uma companhia agradabilíssima.

Espírito jovial e altaneiro, sentia-se particularmente atraída pela nova causa que abraçara. Maravilhada pelo que até ali vira e conhecera, esbanjava adjetivos e loquacidade quando o assunto era o Caminho de Santiago.

- O progresso do peregrino, dizia-me, é ao mesmo tempo uma viagem interior, um exercício espiritual e uma viagem corpórea em direção a um local real, mas investido de caráter divino. Ao abandonar o ambiente familiar, o cotidiano, submetendo-se às agruras físicas e às vezes a considerável perigo, eles apostam que retornarão de sua odisséia renovados de alguma forma, ou pelo menos, interiormente mudados, complementou.

- Para recebê-los condignamente, os hospitaleiros devem transformar seus albergues como se fosse uma extensão da própria casa, eis a primeira lição que aprendera. Os peregrinos são pessoas carentes de amor, de atenção, de cuidados médicos, de Cristo. Anseiam por chegar a Santiago com saúde e paz no coração e, àqueles que os acolhem diariamente, competem colaborar, de forma decisiva, para que seus sonhos se realizem, eis a epítome de suas digressões.

Alguns quilômetros à frente, já perto de Brea, fizemos uma pausa para lanchar, confortavelmente, instalados num banco fixado debaixo de providencial cobertura metálica, vez que a garoa tinha aumentado. E dividimos, irmanamente, a frugal refeição que cada um trazia: ela: pão, queijo e iogurte; eu: chocolate em barras e frutas.

Prosseguimos depois, ela agora discorrendo sobre suas viagens missionárias e humanitárias pelo mundo. Vira de perto a pobreza, a fome, a peste, o desespero dos exilados, os órfãos da guerra, os mutilados pelas minas terrestres. Sobre a magnitude das guerras e das mortes inocentes por elas causadas, não tinha demorado muito para perceber que o sofrimento das pessoas surgia não apenas da perda, mas também da natureza imponderável da mesma.

A dor não se devia a alguma calamidade fatídica como um furacão, ou a um inimigo impalpável e irracional como a doença, mas à ruína do ser humano, à vontade demente de um agressor ou ditador e ao fracasso do regime da razão e das regras para contê-lo. Em alguns homens, covardemente executados nesses entreveros, disse-me ela, vira marcas de sal nos cantos dos olhos deles: tinham morrido, como qualquer um de nós: chorando pela vida.

Depois, discorreu sobre a importância da caridade e também de seguirmos os ensinamentos de Cristo e tratarmos a todos com fraternidade. Seu lema de vida era simples: “Servir o próximo, sem ver a quem, independentemente de sua raça, cor, credo, ideologia ou religião”. Numa subida escarpada, falou-me sobre a imponderabilidade de nossa presença na terra e a vida em outro plano celeste, e até nesse tema tão controverso, havia entre nós uma simetria de pensamentos.

Suas assertivas explanadas com serenidade, coerência e riqueza de detalhes, sempre escudadas por afirmações positivas de esperança, fé límpida e um genuíno amor pela justiça, canalizavam minha atenção.

Irmã Cecília possuía uma voz tão viva, uma entonação tão profunda e anunciava as escrituras sagradas com tanto carinho, que me deixava emocionado. Embevecido, eu sorvia atentamente suas sábias palavras e, paradoxalmente, a pressa que me vinha atazanando desde o início da jornada, misteriosamente desaparecera, engolfada pelo encantamento com que recebia os conselhos e ensinamentos sabiamente ministrados pela minha interlocutora.

Após ultrapassarmos inúmeros e seguidos vilarejos, chegamos a um dos lugares de maior destaque no Caminho: “o marco 100”, na cidade de Ferreiros. Esse “mojón” traduz um simbolismo e uma força indescrítível, pois se encontra fincado, exatamente a, “apenas”, 100 quilômetros de Santiago. Para quem nunca viveu a aventura, isso pode até parecer desdém, pois ainda tem chão que não acaba mais, entretanto, para quem já percorrera quase 800 quilômetros, como nós, era motivo de satisfação e orgulho ter chegado até esse ponto, ainda por cima, fisicamente inteiros.

Porém ali, também, desagregava-se definitivamente nossa parceria, eis que eu seguiria em frente, ela ali ficava, pois pernoitaria no albergue local. Sentia saudade já do nosso convívio, conquanto efêmero, extremamente gratificante e prazeiroso. Naquele momento em que nossos rumos se bifurcavam para sempre, externei-lhe minha admiração por sua incansável pregação em favor da prática de boas ações e da solidariedade humana.

Após um efusivo abraço de despedida, ela, ao ver meus olhos marejados, sorrindo, recomendou-me: “Aconteça o que acontecer, viva sempre alegre, pois a alegria dissipa as nuvens mais negras que possam apresentar-se em nosso caminho”. E complementou: “Nessa vida, para que sejamos lembrados, só temos uma saída: deixar nossa marca praticando o bem, algum traço indelével em nosso passado, que não seja vaporizado pela eternidade”.

Já, à distância, ainda me deu um conselho final: “Peregrino, você tem duas mãos. Pode usá-las de infinitas maneiras, das mais variadas formas, inclusive para dizer adeus, como está a fazer agora. Mas pode também utilizá-las para beneficiar ao próximo. Que tal, um dia, você também se tornar um hospitaleiro voluntário?” - arrematou ela, pragmaticamente!

Sozinho, novamente a caminhar, o ambiente, para mim, tornou-se opressivamente silencioso e, então, compulsivamente, adentrei a um estado de intensa introspecção.

O Caminho, raciocinava, não era apenas uma viagem fisicamente desgastante, mas um exercício espiritual. O peregrino avança numa paisagem material, mas é o incorpóreo que conta.

Como cristão tinha aprendido que Deus é onipresente, e eu naquele caminho sagrado nunca estive tão perto dele como naquele dia, e, se me sentia de alguma forma abençoado, era porque a peregrinação me aproximara da primeira condição da humanidade, qual seja, adorá-lo e respeitá-lo em espírito e em verdade, não só em igrejas ou santuários, mas, principalmente, em todo e qualquer lugar.

Madre Cecília, com seus exemplos e atitudes, legara-me um horizonte mais belo, um novo modo de olhar o mundo. Justamente eu, que vivera até ali no Caminho, numa dubiedade cambiante, com momentos de intensa euforia, intercalados com outros de pura amargura.

E, lembrava impressionado, não fosse a neve no Cebreiro a atrasar meu cronograma de viagem, a visita ao Monastério de Samos, o pernoite em Sarria, o episódio matutino do Hostal e outras simultaneidades, eu, jamais, tê-la-ia conhecido, muito menos teria caminhado ao seu lado. Mais uma vez, ponderei, como são insondáveis, enigmáticas e inexplicáveis, as misteriosas coincidências e lições de vida que o Caminho nos proporciona.

Meu silêncio ácrime e recalcitrante só foi quebrado pelo som dos trovões e dos raios que principiavam a riscar o céu à minha frente. Estatisticamente comprovado, a Galícia é um dos lugares do mundo onde mais chove.

E naquele dia não foi diferente: restando poucos quilômetros para chegar a Portomarin, o temporal que ameaçava desabar, caiu torrencial, e eu, refratário e temeroso ante as intempéries dessa natureza, nesse dia me esbaldei debaixo da chuva, pois, parecia-me, que após comungar um vínculo de amor inefável com minha ex-companheira de viagem, estava agora a lavar minha alma e a exorcizar-me dos resquícios de revolta, azáfama e angústia, que ainda coabitavam em mim.

Meu espírito dava piruetas ao longo de um platô com precipícios profundos de cada lado. E, naquele instante mágico, lembro-me perfeitamente, senti exatamente isso: uma alegria duradoura e sem limites!

Em Santiago, depois da chegada e, mesmo na viagem a Finisterre, conversando com outros peregrinos que haviam conhecido Irmã Cecília no Caminho é que pude aquilatar a grandeza de sua alma, vez que se clarificava para mim, de modo contundente, ser ela um ser vivente especial, distribuindo entre as pessoas por ela assistidas, com uma prodigalidade de nababo, as riquezas de sua bondade, que emergiam, naturalmente, do seu coração, manancial inesgotável de generosidade e de cordura.

A semente lançada por Irmã Cecília permanece viva em meu coração. Remanescem, daquele dia, suas marcantes palavras a ressoar em minha memória, seus preceitos e exemplos a frutificarem em minha mente, a plena certeza de, num futuro próximo, quem sabe em 2005, abraçar essa nobre causa, qual seja, trabalhar na Espanha em prol dos peregrinos, mesmo que por um breve período, como voluntário num albergue, pagando dessa forma, ainda que simbolicamente, o muito que recebi quando estive no Caminho.

Nota do autor: Madre Cecília faleceu abruptamente, em fevereiro de 2003, após ter sido contaminada por um vírus desconhecido, possivelmente o Ebola, quando em missão humanitária, coordenada pela Cruz Vermelha, no Zaire, África Ocidental.

Bom Caminho a todos! 

Julho/2.003