6ª Jornada - GUERNICA a BILBAO

6ª Jornada – Guernica a Bilbao - 40 quilômetros: “Sábado de Aleluia!” 

A jornada bastante extensa, ademais era um sábado de Aleluia, data muito festejada em toda a Península Ibérica.

O Clima estava frio, contudo havia possibilidade chuvas à tarde, de forma que resolvi sair bem cedo, a fim de aportar ao meu objetivo a tempo de encontrar o comércio aberto.

Assim, levantei às 5 h 30 min, calmamente me preparei para a jornada do dia e deixei o local de pernoite às 6 h 45 min, seguindo por ruas desertas, mas bem iluminadas.

No dia anterior havia verificado o trajeto urbano por onde o roteiro discorria, de maneira que apesar da escuridão reinante, não tive dificuldades para encontrar meu destino.

Então, depois que ultrapassei a “Plaza de los Fueros”, prossegui pela rodovia BI-635 até a saída da cidade, onde existe uma grande e movimentada rotatória.

Obedecendo as flechas amarelas, segui à direita, por uma estrada vicinal asfaltada, em direção à igreja de Santa Lúcia, que deixei à minha direita.

Numa grande curva, verificando a sinalização, abandonei a rodovia e adentrei numa pista empedrada e bastante íngreme, exatamente quando o dia principiava a raiar.

Por ela segui em dura ascensão, uns três quilômetros, em meio a um extenso bosque de pinheiros até sair numa grande clareira.

Ali, as flechas me direcionaram à esquerda, em meio a um pasto bastante matoso, onde prossegui em descenso até arribar em direção ao povoado de Elexalde.

Depois de 4 quilômetros percorridos, acabei por sair numa pista asfaltada, onde as flechas, contrariavam meus prognósticos, e me remetiam à esquerda, em meio a novas e belíssimas construções edificadas em vastos terrenos.

Logo à frente, defronte uma magnífica vivenda, avistei uma pequena fonte construída para uso dos peregrinos, onde pude me servir de água pura e frígida, que serviu para acalmar minha incipiente sede.

Na sequência, sempre por uma rodovia vicinal, prossegui, primeiramente em descenso, depois, em acentuada ascensão, por aproximadamente três quilômetros até atingir o Alto de Morga.

Por esse morro de 250 m de altura, divisória entre os vales de Gernika e Mungía, passava o antigo caminho onde o Governador da Província de Vizcaya ia a Casa de Juntas, a fim de jurar obedecer às leis constituídas, já que, à época, se exigia quando da posse tal cerimônia.

A partir desse ponto, principiei a descer e logo transpus a rodovia BI-2121 por um túnel.

Em seguida, após contornar uma “rotonda”, continuei a caminhar através de uma rodovia vicinal em direção à Esderika.

Nesse ponto, sobre um pequeno promontório, avistei um solitário peregrino a estudar minuciosamente um opúsculo: quem poderia ser, pensei, naquele horário extemporâneo?

Para minha agradável surpresa, era meu amigo Javier, o espanhol de Valência!

Foi uma alegria imensa nos reencontrarmos e ele foi logo explicando que havia pernoitado em Ugarte, um povoado localizado próximo dali, onde, segundo ele, havia confortável albergue e viera acompanhado de duas “chicas” (garotas, em espanhol) de Barcelona.

Agora mesmo, disse-me ele, estava estudando o melhor roteiro a seguir, enquanto me mostrava um pequeno livreto.

Na verdade, um minúsculo guia espanhol, onde estavam insertos os roteiros existentes naquela área.

Muito útil para quem tivesse interesse em fazer o percurso por atalhos, embora estes fossem quase sempre, por vias asfaltadas.

Alegremente me despedi daquela boa alma, e prossegui adiante.

Logo à frente, passei defronte à igreja de Santo Estevão, uma pequena capela cuja fachada traz uma lápide latina datada do ano 362 d.C, e que fora descoberta durante uma restauração levada a cabo no século XVIII, um dado que aponta, segundo os historiadores, a passagem da “calzada romana” por esse lugar.

Prossegui adiante, ainda em asfalto, agora já na direção à Eskerika, um grupo de casas distantes umas das outras, onde cheguei depois de caminhar 3 quilômetros, sempre em ascensão, em meio a um espetacular bosque de pinheiros.

A partir dali, após breve descida, principiei a subir novamente, sempre em asfalto, ainda em meio de bosques, porém, agora de eucaliptos.

No final de longa e íngreme escalada, com o joelho doendo, atingi o alto de Aretxabalagane que, com seus 400 m de altura, foi o ponto de maior altitude que ultrapassei nessa jornada.

Logo depois saí na rodovia BI-2713, na altura do quilômetro 19.

Vi um grupo de pessoas ali se reunindo, naquele horário, com trajes de caminhada, e pude observar inúmeros carros estacionados numa extensa fila indiana à beira da estrada.

Um senhor idoso, mas bastante animado, disse-me que iriam escalar o topo de um morro próximo que, em seu apogeu, atingia 1.200 m de altura, propiciando uma vista privilegiada de toda a região ao redor.

Eu prossegui à esquerda, agora em pronunciado descenso, utilizando o largo acostamento da rodovia no sentido contrário ao fluxo de veículos, que naquela data se mostrava bastante reduzido.

Depois de uns 2 quilômetros, adentrei em uma senda matosa à esquerda, que em íngreme descenso me levou, 500 m abaixo, ao encontro da rodovia BI-3713, onde segui à direita, tendo um manso regato correndo pelo meu lado esquerdo.

O sol já estava alto, porém um vento insistente deixava o ambiente gélido e úmido, mas o clima estava propício a caminhada.

Logo abaixo, ultrapassei o povoado de Goikoletxea, onde pude observar uma igreja em estilo gótico austero, com certo ar de fortaleza, denunciado por sua torre prismática.

A edificação era dedicada aos Santos Ementério e Celedônio, uma devoção bastante habitual na era medieval dentro do País Vasco.

Numa grande praça fronteiriça ao magnífico templo, fiz uma pausa para hidratação e reposição do protetor solar, pois o sol já principiava a incomodar.

Na sequência, caminhei por um belo calçadão, construído ao lado da rodovia, onde foram alocados, a cada 200 m, bancos e locais para descanso dos caminhantes.

Três quilômetros depois, eu adentrei à Larrabetzu, uma agradável e antiga localidade, cuja fundação remonta ao ano de 1.376, plena de casarões em pedra, sobretudo em sua avenida principal.

Alguns bares estavam abertos e movimentados, porém eu estava com pressa, de forma que continuei pela rodovia, agora em leve descenso e depois de mais três quilômetros vencidos, adentrei em Lezama, um pequeno, mas simpático “pueblo”, atualmente com 2.000 habitantes.

Seu território ocupava uma grande área de população dispersa, disseminada no prolongamento da planície entre os rios Nervión e Altube.

Havia, na época, sete templos na região, número explicável pela distância em que habitava sua população de 100 pessoas.

Os cereais, como trigo, cevada, centeio e aveia, além dos cordeiros e cabritos, as castanhas e as maçãs, constituíam já antes da metade do século XVI, a base econômica desse importante povoado.

Esta base econômica proporcionou relativo aumento da população, a qual decresceu de forma expressiva, durante o século XX.

O relógio da igreja matriz, dedicada à Santa Maria, marcava 12 h quando deixei essa pequena vila, seguindo ainda por uma calçada, construída do lado esquerdo da rodovia N-637.

Depois de mais três quilômetros caminhados, sempre num grande planalto, cheguei à cidade de Zamudio, que conta, atualmente, com cerca de 3.000 mil habitantes e mais de 500 empresas alocadas em seu parque industrial.

Por conta disso, é atualmente um dos municípios mais ricos da Espanha.

Tanta vanguarda em tecnologia não obscurece, no entanto, seu conjunto monumental, formado pela igreja de San Martín, que possui uma enorme porta de madeira, e a torre quadrangular de “Los Malpica”, uma vistosa construção do início do século XV.

O comércio se encontrava bastante movimentado ao longo da avenida que secciona esse progressista “Pueblo”, e em sequência, ainda pela rodovia N-637, segui até um semáforo onde, obedecendo as flechas amarelas, dobrei à esquerda e logo adentrava no polígono Pinua, que flanqueia a cidade.

O trânsito naquele local se encontrava bastante intenso, subtraindo minha concentração e me deixando preocupado, pois o barulho e o perigo eram uma constante, ingredientes que estressa o caminhante acostumado ao silêncio e o bucolismo campestre.

O roteiro me remeteria até o monte Avril, um local que eu já avistara à distância, pois agora o horizonte se encontrava repleto de antenas retransmissoras.

Segundo apurei com um morador local, um grande evento acontecia no parque lá existente, bem como um show de músicas regionais se realizaria em seguida.

Nessa confusão, outra opção que eu teria era seguir diretamente pelo acostamento da rodovia até o final da jornada.

No entanto, o fluxo de veículos estava insuportável, animado por fogos de artifício, buzinaços, algazarras, em razão de uma tradicional partida de futebol no estádio do Atlético de Bilbao naquele dia, e a torcida adversária chegava aos magotes para assistir a tal prélio.

Eu estava cansado e um tanto casmurrento, pois estava transitando em zona urbana, nos arrebaldes de uma cidade grande, com todas as mazelas e perigos que a civilização, as balburdia e a poluição impõe a um peregrino solitário.

Assim, resolvi acatar o conselho do Sr. Carlos, meu simpático interlocutor e encerrar minha caminhada daquele dia.

Então, utilizando as instruções que ele me deu, girei à esquerda e andei uns 800 m em direção ao bairro de Derio, onde, próximo ao cemitério, tomei o Euskotren, um minitrem que faz o itinerário Deusto a Lezama e, depois de 15 min, confortavelmente instalado num luxuoso vagão, saltei no “casco viejo” de Bilbao, junto à igreja de San Nicolás.

Na cidade fiquei hospedado numa Pensão localizada próxima à famosa “Plaza de Unamuno” e, após um reconfortante banho, saí para almoçar.

A urbe vivia um dia frenético, com ruas rumorosas, tomada por centenas de torcedores, em vista do jogo que se realizaria à noite, entre o time local, o Atlético de Bilbao, camisetas azuis, e o Real Sociedad, de San Sebastián, camisetas vermelhas.

Como ambos são do País Vasco, porém de Províncias diferentes, qual seja, Vizcaya e Guipúzcoa, a rivalidade é enorme, porém o que assisti ali, por sinal, muito diferente do que ocorre no Brasil, foi uma enorme confraternização entre os aficionados dos dois clubes.

O pessoal estava agrupado em torno dos bares, onde a cerveja e outras bebidas eram ingeridas a rodo, em meio a muita alegria, demonstrando que a competição viria à tona apenas quando os jogadores adentrassem ao estádio de futebol.

E como na Espanha, recentemente foi aprovada a lei antitabaco, os fumantes se esparramavam pelas estreitas e tortuosas ruas do “casco monumental” da cidade, tornando o trânsito de pedestres e moradores locais, um verdadeiro exercício de paciência.

Depois da refeição, lavei a roupa e tirei breve soneca.

E logo retornei às “calles”, pois necessitava visitar o comércio local.

Ocorre que no dia anterior, o fecho de minha pochete havia quebrado, e por causa disto eu vivia uma desconfortável insegurança, já que era obrigado a carregá-la dentro de minha mochila.

Na verdade, tal objeto é um acessório indispensável na moderna indumentária peregrina, porquanto nela eu guardava meus documentos, máquina fotográfica, dinheiro, medicamentos para emergência, além de meu caderninho de anotações.

Por sorte, após adentrar em inúmeros estabelecimentos comerciais, por um preço razoável, encontrei o que precisava numa loja de material esportivo, o me deixou satisfeito e muito mais tranquilo.

Em seguida, fui visitar a “Puente de San Antón”, local por onde eu partiria na manhã do dia seguinte.

No retorno fui conhecer a espetacular Catedral dedicada à Santiago, uma construção datada do início do século XIV, que conserva uma tradicional “puerta de los peregrinos” e um monumental pórtico renascentista em sua fachada, embaixo do qual dormiam antigamente os romeiros que por ali transitavam.

Em verdade, as origens de Bilbao não podem ser determinadas com exatidão, sendo o título de “Villa” concedido oficialmente em 1.300, quando já possuía significativa relevância como núcleo comercial e marinheiro.

O comércio marítimo desenvolveu-se com muita rapidez, enquanto a antiga população se estendia por ambos os lados do Rio Nervión.

Os intercâmbios comerciais também favoreceram o enriquecimento cultural da cidade, impulsionado igualmente pelos peregrinos que chegavam à Bilbao rumo à Santiago de Compostela.

O crescimento econômico foi latente nos séculos XV e XVI, decrescendo no século XVII, enquanto a cidade continuava a se expandir.

E foi no século XIX, que ela experimentou um desenvolvimento sem precedentes, baseado na exploração de minérios em áreas próximas, o que contribuiu para potencializar o comércio marítimo e a atividade portuária.

Ao mesmo tempo, surgia com força importante a indústria siderúrgica, e a construção naval se convertia em um elemento fundamental do crescimento econômico.

Somando-se tudo isso à chegada da estrada de ferro, essa urbe sofreu transformação radical.

No começo do século XX, Bilbao já era referência econômica do País Basco e uma das mais importantes cidades da Espanha.

Seu crescimento espetacular só foi interrompido durante a Guerra Civil (1.936-1.939), mas logo depois ela retomou sua capacidade de criação de riqueza.

Atualmente, com 350.000 habitantes, é uma urbe progressista, dinâmica, desenvolvida e preocupada, também, com o meio ambiente.

Mais à tarde, o tempo mudou, com ventos cortantes varrendo as ruas centrais, acompanhados de uma intermitente garoa, o que ajudou a diminuir ainda mais a temperatura.

Em vista disso, me recolhi cedo e logo estava adentrando ao país dos sonhos.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada dura, porquanto praticamente toda feita em asfalto, principalmente em seu “tramo final”. Ademais, após ultrapassar a cidade de Zamúdio, o roteiro continuou por zonas suburbanas, em locais de intenso tráfego de veículos e muito barulho, o que estressa e desanima, sobremaneira, o caminhante.

7ª Jornada - BILBAO a PORTUGALETE