7ª Jornada - BILBAO a PORTUGALETE

A jornada seria curta, porém o dia amanheceu frio, nublado e com uma fina garoa, resquício da chuva que se abatera sobre a cidade durante a noite.

Era Domingo de Páscoa, uma data festiva, de forma que pretendia chegar cedo ao meu destino, com o intuito de almoçar e, se possível, ainda assistir à missa.

Assim, deixei a pensão onde havia me hospedado próximo das 7 h, e segui pelas ruas centrais, integralmente vazias naquele horário, em direção à saída da cidade, porém depois de caminhar uns 15 quarteirões, me dei conta que havia esquecido o radinho de pilhas, que guardara debaixo do travesseiro.

E então, pus-me a tergiversar sobre o ocorrido e suas consequências: seguir em frente, ignorando meu fiel companheiro, ou retornar para resgatá-lo, apesar do tempo a ser despendido e a possibilidade de não encontrar ninguém para me abrir a porta?

A dúvida gerada não era tanto pelo valor econômico envolvido, mas sim, pelo lado sentimental, pois o havia levado do Brasil, acrescendo-se, principalmente, pela distração que me proporcionava, mormente à noite, quando ouvia música e notícias nas rádios espanholas.

Depois de breve raciocínio, decidi voltar, assim, rapidamente me dirigi ao local onde havia pernoitado e ali, após haver tocado várias vezes a campainha, finalmente fui atendido pelo proprietário, que naturalmente ainda estava dormindo naquele horário.

Após me desculpar pelo incomodo causado, pude subir ao quarto e rapidamente tomei posse daquilo que me pertencia.

Ato contínuo, eu desci as escadas com rapidez, e logo estava novamente, de mochila às costas, seguindo meu destino.

Após transpor a “ria de Bilbao” pela “Puente de San Antón”, uma devoção extremamente forte entre os bilbaínos, pude contemplar, à esquerda, o templo de mesmo nome, construído em 1.366, sobre o antigo Alcázar da cidade.

Em seguida, prossegui pela “Calle de San Francisco”, observando a movimentação do bairro, em razão do horário já tardio.

Havia muitas pessoas bebendo defronte bares e boates, bem como inúmeras mulheres trajavam roupas peculiares e circulavam pelas calçadas.

Mais acima, num local em que havia obras, próximo da “Plaza de Zabalburu” estaquei indeciso quanto ao rumo a seguir, pois não visualizava as flechas amarelas, de forma que abordei um senhor alto e espadaúdo, que vinha caminhando no sentido contrário.

Solicitei informações e ele me perguntou o que eu fazia naquele local.

Disse-lhe, que estava peregrinando à Compostela e o roteiro me forçava a transitar por aquele lugar, pouco familiar.

Então, explicou-me detalhadamente por onde eu deveria prosseguir, bem como retornou me acompanhando por um quarteirão, como forma de me proteger de possíveis dissabores, mesmo dizendo estar atrasado para ir ao local de trabalho, pois era dono de uma padaria próxima.

Sem dúvida, o Sr. Raul foi mais um “anjo” que Santiago colocou em meu Caminho!

Mais acima, depois que acessei a Avenida Autonomia, não tive mais problemas com a sinalização e logo eu encontrei as escadarias que me levaram ao topo do monte Kobetas, já no bairro de Altamira.

Após descer pelo lado contrário da montanha, por escadarias com 360 degraus, eu atravessei a Autovia Nacional por uma passarela e acessei uma trilha úmida, agreste e matosa que cortava a montanha em sentido longitudinal, sempre em perene descenso.

Depois de vencer vários desvios bem sinalizados, acabei saindo na rodovia que vai em direção à Kastrexana, porém, na altura da estação da FEVE Ferrovias, verifiquei as flechas amarelas, e prossegui à esquerda.

E logo cheguei à famosa “Puente del Diablo”, construída em 1.436, a fim de proporcionar passagem aos pedestres sobre o rio Cadàgua, unindo, dessa forma, os bairros de Zubileta ao de Las Delícias.

A partir dali, sempre por asfalto, iniciou-se duríssimo e íngreme ascenso, que fui vencendo lentamente, enquanto a chuva que ameaçava cair desde a alvorada deu seu “ar da graça”.

Contudo, em forma de garoa.

Um quilômetro depois, as flechas me remeteram à esquerda quando acessei uma senda histórica, pois nela está localizada uma antiga calçada medieval, pertencente ao “Caminho Real”, no tramo que unia Bilbao a Balmaseda.

São apenas 250 m de extensão, porém seu estado de conservação é admirável.

Ao andar por ela, pude visualizar antiquíssimos peregrinos pisando nas mesmas pedras polidas onde eu caminhava.

Logo depois, saí novamente em asfalto e no final de longa ascensão, cheguei à singela ermida de Santa Águeda, uma importante construção datada do século XVI, e de grande devoção popular na região.

A igreja se encontrava fechada, bem como as instalações existentes ao seu redor, contudo, como a intensidade da chuva havia aumentado, utilizei um beiral do templo para me abrigar e, com tranquilidade, pude vestir minha capa de chuva.

Na sequência, prossegui por uma estrada asfaltada, que corresponde ao caminho de Basatxo.

Agora em descenso, pude fazer o percurso, admirando o melhor das cercanias.

Observei, então, à minha direita, ao longe, os altos fornos de uma siderúrgica, lançando fumaça negra em direção ao céu.

Na verdade, essa região sempre foi aludida com propriedade, em termos de imigração de mineiros, motivada pela instalação dos “Altos Hornos de Vizcaya, uma empresa “siderometalúrgica”, que foi referência industrial, durante décadas, em toda a Espanha.

Depois de mais três quilômetros percorridos acabei saindo numa rotatória, já em zona urbana, mais propriamente dentro de Baracaldo, e a partir dali, segui por ruas largas, sempre observando atentamente as flechas amarelas.

A cidade é bastante antiga, sua fundação data de 1.051, e desde a origem teve destaque por sua atuação como exportadora de minerais, provindos da serra de Somorrostro, localizada próxima do município.

Aliás, a cidade, atualmente com 100 mil habitantes, cresceu graças à intensa industrialização o que causou uma grande desordem urbanística em razão da rapidez de sua expansão, um simples “pueblo” rural para uma portentosa urbe industrial.

Na sequência, passei por um grande parque, depois, já no centro monumental, caminhei junto da bela igreja do Sagrado Coração de Jesus, e em seguida, por um túnel, ultrapassei a Autovia Nacional.

Logo à frente, já no bairro do mesmo nome, passei defronte uma simpática igreja, dedicada a São Vicente, uma vistosa e interessante construção datada do século XII.

Prossegui, então, por ruas largas e bem sinalizadas, até próximo de uma portentosa construção, dentro da qual se localiza a “Feria de Muestras” (Bilbao Exhibition Centre).

No local há, mensalmente, exposições de diversas tendências, que se intercalam a cada período.

Contudo, nas imediações desse monumental edifício, a sinalização oficial do Caminho desapareceu, deixando-me perdido, pois não sabia para qual lado seguir.

 Assim, resolvi pedir informações em um bar próximo, onde o atarefado “barman” orientou-me a prosseguir rumo sul, por uma larga avenida que passava à esquerda de onde eu me encontrava.

Foi o que fiz, no entanto, como estava sem referência de minha direção, solicitei orientações a um apressado senhor que vinha caminhando em sentido inverso, portando um enorme guarda-chuva.

Muito simpático, ele me deu explicações precisas de como reencontrar as marcações, contudo, verificando que eu estava ainda um tanto confuso, não resistiu ao impulso de ajudar e, girando nos calcanhares, retornou comigo até uma rotatória, onde avistei novamente a sinalização do Caminho.

Enquanto caminhávamos, ele me contou que era natural de Astorga, porém ficara viúvo recentemente e então viera residir ali, com a única filha.

O Sr. Carlos foi outro “Anjo” que Santiago colocou no Caminho para me orientar.

Assim, após agradecer-lhe efusivamente pela ajuda, prossegui adiante, agora por uma grande calçada que margeia o rio Galindo, junto a uma pista exclusiva para ciclistas.

Naquele local, a chuva finalmente cessou, de forma que embora estivesse úmido, frio, ventoso e nublado, o clima se mostrava estupendo para a caminhada.

Mais à frente, eu cruzei o rio sobre uma ponte privativa de pedestres e após vencer uma pequena ladeira em terra, adentrei em zona urbana, prosseguindo em direção ao centro da cidade pela Rua Santo Ignácio.

Sestao, nome de uma pequena vila, me impressionou, pois muito bem cuidada, com ruas floridas, casas com pintura recente, avenidas bem sinalizadas, povo cordato e extremamente hospitaleiro para com os peregrinos.

Ela é atualmente um grande núcleo industrial, pois 2/3 de seu território está ocupado por grandes e médias empresas, dentre elas a maior fábrica de aço de toda a Espanha.            

Naquele dia, em meu pensamento, eu já havia chegado ao meu destino, de forma que ao chegar na praça do “Ayuntamiento” e não visualizar nenhuma pensão ou hostal em suas imediações, solicitei informações a um senhor idoso que caminhava com um jornal debaixo do braço.

Primeiramente, ele colocou os óculos, depois passou a conferir os endereços dos estabelecimentos comerciais que estavam apostos nos papéis que eu carregava.

Depois, falou-me dos hotéis que eu procurava.

Então, soube que se localizavam em Portugalete, e eu me encontrava em Sestao, por isso eu deveria seguir em frente por aproximadamente 2 quilômetros, sempre em zona urbana, já que as duas cidades estão separadas apenas por uma rua.

Após agradecer-lhe pela ajuda, segui adiante e logo adentrava ao meu destino, passando próximo da igreja de Santa Maria, de estilo gótico-renascentista, e da torre de Alcazar, fundada no século XV, uma casa fortaleza de propriedade dos senhores feudais, que dominavam, à época, a foz do rio Nervión.

Portugalete foi fundada em 1.322 e sempre teve uma importante ligação com a atividade portuária e industrial, em face da localização junto a grande via aquática que comunica Bilbao com o resto do mundo.

Um dos atrativos da cidade é a famosa “Puente Transbordador ou Puente Bizkaia”, mais conhecida como “Ponte Colgante”, uma obra em ferro, realizada no ano de 1.893 pelo engenheiro Alberto de Palácio, que une a urbe à vila de Getxo, de maneira ágil e sem interromper o tráfico marítimo.

Na cidade fiquei hospedado na Pensão Santa Maria e depois de almoçar e lavar roupas, pude desfrutar de uma reconfortante soneca.

Mais tarde, fui à missa na igreja de São Roque, e depois fui conhecer o local por onde seguiria na manhã do dia seguinte.

Preocupado, pois não conseguia visualizar a sinalização do Caminho, pedi ajuda a uma simpática senhora que vinha em minha direção.

Dona Ana, assim se chamava minha interlocutora, não só me deu informações precisas, bem como retornou comigo, a passos trôpegos, para me mostrar o local, na verdade, a “calle” Gregório Uzquiano, por onde eu seguiria do dia imediato.

Plena de saúde, disposição e alegria, apesar de seus 82 anos, me contou casos interessantes e históricos da cidade, cedeu informações seguras do roteiro, bem ainda me deu bons conselhos para que não me perdesse na jornada e pediu orações em Compostela.

Enfim, foi mais um “anjo” que Santiago plantou em meu Caminho.

À noite fiz um singelo lanche, num bar localizado à beira do porto, e logo fui dormir, pois a noite apresentava-se fria, ventosa e, novamente, com ameaça de chuva pairando no ar.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa razoavelmente tranquila e de pequena amplitude. Contudo, afora os dois quilômetros cumpridos em terra, logo após a saída de Bilbao, todo o restante do trajeto é realizado em asfalto, quase sempre em zona urbana, o que acaba estressando o peregrino e empanando o brilho da jornada.

 8ª Jornada - PORTUGALETE a CASTRO URDIALES