22ª Etapa – PADRÓN à SANTIAGO – 24 QUILÔMETROS

22ª Etapa – PADRÓN à SANTIAGO – 24 QUILÔMETROS – “POR FIM, COMPOSTELA!

“Foram 23 dias de esforço, fadigas e ilusões. Mais de três semanas a pé ou quase duas de bicicleta, através da metade setentrional de Portugal e de boa parte na Galícia. Porém, a recompensa está perto. As agudezas, tendinites, as assaduras provocadas pela mochila, os cumes das montanhas e o sol crestante do verão, o frio invernal, as noites em precários alojamentos, os quilômetros e quilômetros pelo acostamento das rodovias, os cães ladrando nos calcanhares, todos são esquecidos quando o peregrino chega ao Monte Argo, o Monte do Gozo do Caminho Português, o pico final da aventura, de onde se divisam as torres da Catedral Compostelana. Pouco importa se já passamos por lugares emblemáticos da história jacobeia, como Iria Flávia, ou por cruzeiros tão belos com o de Rua de Francos, um dos mais antigos da Galícia. Santiago está a uma jornada de marcha e isso é o único que importa.” (Traduzido/transcrito do Guia El País Aguilar, edição do ano de 2007, que utilizei na viagem)

 

Seria a derradeira jornada e pretendíamos aportar cedo à Santiago, com tempo para abraçar o Apóstolo, receber a Compostelana, nos hospedar num Hostal e, por fim, assistir à missa dos peregrinos, às 12 horas.

Dessa forma, resolvemos sair bem cedo, como forma de agilizar nossa chegada ao destino.

Assim, levantamos às 4 h e, exatamente, às 5 h, deixamos o local de pernoite, seguindo por uma calçada à beira da N-550.

A rodovia nesse trecho é bastante movimentada e, a janela do meu quarto ficava defronte para ela, então, meu sono foi bastante fragmentado e improdutivo.

Mesmo assim, eu estava bastante animado, afinal, depois de um ano, iria rever, abraçar e agradecer Santiago novamente.

Houvera uma festa na cidade, e muitas pessoas ainda vagavam pelas imediações, quando demos início a nossa caminhada e, para nossa surpresa, quinhentos metros adiante, ultrapassamos 4 jovens peregrinos que também se preparavam para começar a jornada, amarrando as botas sentados num banco, enquanto ingeriam um lanche.

Infiro que haviam dormido no albergue e, como nós, também tinham urgência em aportar à Compostela.

Um quilômetro caminhado, passamos diante da Colegiata de Iria Flávia onde, conforme esperávamos, estava tudo silencioso e às escuras.

Logo as flechas nos remeteram à esquerda, para passarmos pelos povoados de Rueiro, Cambelas, Anteportas, Tarrío e Vilar, porém dia ainda demoraria a clarear, assim, optamos por seguir diretamente pela N-550.

E, após 6 quilômetros vencidos em um bom ritmo, passamos pelo Santuário de Esclavitude, um grande edifício em estilo barroco tardio, cuja construção demorou quase 3 séculos, e só se encerrou em 1886.

O Santuário está sobre um pequeno outeiro e, ao seu alicerce junto à “carretera”, um par de torneiras oferece água aos peregrinos, vindas diretamente de sua fonte, considerada milagrosa pelos moradores da localidade.

Segundo uma lenda, um senhor enfermo se curou após beber desse líquido, então, comentou com todos da vizinhança a graça recebida da Virgem, por lhe livrar da escravidão da enfermidade, de cujo nome deriva a ermida.

Após o milagre, ele fez a doação de um carro e uma parelha de bois, para que se iniciassem as obras do novo templo.

Confiantes no milagre ali ocorrido, bebemos do líquido abençoado, e eu ainda aproveitei para completar uma de minhas garrafas plásticas com a água que ali jorra fresquíssima, depois, prosseguimos em frente.

Nove quilômetros superados, observando as flechas amarelas, finalmente nós deixamos a rodovia Nacional, para adentrarmos à esquerda, na “carretera” vicinal.

Ali tomamos a direção do povoado de Teo, localizado na divisa de Pazo de “O Faramello”, onde os italianos Piombino y Gambino montaram uma fábrica de papel em 1710.

Quatrocentos metros depois, passamos diante do albergue de Teo, onde um casal de peregrinos saía, ao qual desejamos um sonoro “Buon Camiño”, e seguimos adiante.

Solitário, em meio a um bosque, este é o derradeiro refúgio existente antes de Compostela e, é uma ótima opção para quem deseja chegar cedo à Santiago.

Então, adentramos em uma estrada de terra e, concomitantemente, principiamos a ascender levemente.

Mais à frente, transitamos por Rúa de Francos, uma autêntica aldeia galega, com uma só rua, por onde discorre o Caminho de Santiago.

Em ambos os lados da avenida, há bons exemplos da arquitetura popular da Galícia, com muros de alvenaria de granito, simples, no entanto, autênticas.

Ao suplantar pequeno outeiro, passamos diante da pequena ermida de São Martinho e do famoso Cruzeiro de Francos, do século XIV, um dos mais antigos da Galícia, onde se acha entalhado um cristo gótico.

Numa colina, situada a dois quilômetros desse local, conta uma lenda da existência do castelo Castro Lupário, hoje entregue ao abandono e às ervas daninhas, onde vivia a rainha Lupa, uma personagem chave da mitologia jacobeia.

Era rainha céltica pagã nessas terras, quando os discípulos de Santiago desembarcaram com seus restos mortais em Padrón.

Tiveram que pedir permissão para proceder ao enterro, contudo como ela não estava disposta a deixar que o cristianismo criasse raiz em suas propriedades, se vingou dando-lhes um carro com dois touros selvagens, para transportar o corpo.

Para seu assombro, os bois se deixaram amarrar e se puseram em marcha, como se fossem domesticados, então, assombrada, ela se converteu ao catolicismo e deixou os discípulos do Apóstolo seguirem o seu caminho em busca do Monte Libradón.

Na sequência, voltamos a caminhar por sendas e rodovias vicinais asfaltadas, sempre rodeados por muito verde e, nesse passo, depois de inúmeros e bem sinalizados desvios, ultrapassamos as vias férreas e transitamos pela aldeia de Riotinto.

Em seguida, ultrapassamos vários peregrinos, até que por uma ponte medieval restaurada, transpusemos um pequeno regato e, próximo dali, pude fotografar um “mojón”, onde marcava que restavam 9.802 metros para nossa chegada.

Prosseguimos ainda em terra, contudo mais adiante voltamos a caminhar sobre paralelepípedos, passamos por uma serraria e, depois retomamos a direção de Agrela, onde o roteiro faz um zig-zag, por ter se perdido no meio do caos produzido pela construção de algumas casas.

Acabaram-se as antigas aldeias, e a proximidade de Santiago já se faz notar, pelas modernas vivendas unifamiliares, mas pouco nos importava, pois estávamos próximos de atingir nossa meta para aquele dia e o fim de nossa peregrinação.

Superamos outro ascenso, passamos ao lado de um moderno polígono industrial e, depois adentramos em Miladoiro, um bairro afastado de Compostela, onde passamos diante da Capela de Maria Magdalena, situada em pleno centro urbano.

Prosseguimos adiante, deixando a colonização do bairro Novo Milladoiro à nossa esquerda e, já no cimo de uma colina, conseguimos avistar, ao fundo, a cidade de Santiago de Compostela.

Seguimos em frente, agora em aclive, em meio a um bosque de eucaliptos, por uma rodovia vicinal, deixando a Estação de Eletricidade à nossa direita.

Sempre em franco ascenso, aportamos, finalmente, no alto do Monte Agro dos Monteiro, localizado a 250 m de altura, o Monte do Gozo do Caminho Português.

O dia estava límpido e dali, emocionados, conseguimos avistar, ao longe, as agulhas das torres da Catedral Compostelana emergindo acima de um mar de telhados barrocos.

Já descendo, fizemos uma grande curva a fim de atravessar sobre as vias férreas, depois transpusemos o rio Sar pela “Puente Vella de Arriba, uma ponte romano-medieval, por onde se acessa Santiago há séculos, no Caminho Português.

Prosseguimos, passando por Santomil e Amañecida, e sempre em aclive, ultrapassamos uma grande rotatória, transitamos diante do Hospital Clínico, depois giramos a direita e, sempre em leve ascendência, seguimos pela Avenida Rosália de Castro.

Mais acima, transitamos pela rua Alameda e a antiga Porta Fazeira, que nos deixou na Rua de Franco.

E, por ela, finalmente, aportamos na Praça do Obradoiro.

Chegamos!

Momento jubiloso e alegre sem palavras para descrever igual, mereceu grande abraço em meu companheiro, o Demétrius, que emocionado e boquiaberto, contemplava embevecido à estupenda Catedral Compostelana.

Depois das fotos, fomos cumprir nossas libações, como abraçar o Santo, rezar em seu túmulo para, em seguida, receber nossas Compostelanas.

Na sequência, nos hospedamos numa Pensão, tomamos banho, e retornamos para a missa do peregrino, realizada diariamente às 12 horas.

Depois, fomos almoçar no restaurante Manolo, a autêntica “Casa do Peregrino” em Santiago.

No dia seguinte, um domingo, passeamos em Finesterre e, na segunda-feira retornamos ao Brasil.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada tranquila, plena de emoções e com muito verde no caminho. No geral, uma etapa com pequena alteração altimétrica, mas o prazer de estar encerrando mais uma vez o Caminho, nos deixa leves e opressos, posto que inexoravelmente, vamos nos aproximando da Praça do Obradoiro, ponto final desta longa e recompensadora viagem. De se ressaltar que os derradeiros 10 quilômetros discorrem sobre asfalto, porém a alegria do aporte final nos faz esquecer qualquer dor, ao revés, o prazer da chegada e o abraço no Santo, compensam todo o esforço despendido.

 FINAL