2018 - CIRCUITO TRILHA DAS TORRES – Paranapiacaba/SP 

Não importa se o desafio é forte, grande ou difícil demais, porque a determinação de vencer supera qualquer coisa!” 


As torres de transmissão de energia elétrica, meu destino nesse dia.

Depois de encerrar a Rota da Madeira, eu pernoitei na vila de Paranapiacaba e, cumprindo meu cronograma de viagem, adredemente preparado, no dia sequente eu parti para enfrentar a Trilha das Torres, também conhecida como Trilha da Porteira Preta, cuja extensão é de, apenas, 14 quilômetros.

Um percurso de pequena monta, mas pleno de dificuldades técnicas, posto que encontrei seu piso extremamente liso e erodido pelas torrenciais chuvas recentes e face ao desmedido trânsito de motociclistas trilheiros e gaiolas “off road” em seu leito.

Eu havia descoberto o traçado dessa senda nos arquivos do aplicativo Wikiloc e antes de partir para aventura, tomei informações com o simpático e prestativo ciclista que o gravara.

Este me afirmou que eu não me depararia com problemas no meu deslocamento, mas enfatizou que desde 2015, quando pedalou nesse frondente “picadão”, nunca mais havia repetido o circuito, de forma que desconhecia seu estado atual.

Segundo ele, tratava-se de uma vereda cênica e bucólica, que discorre pelas abruptas encostas de uma respeitável cadeia de morros situados ao norte de Paranapiacaba.

Resolvi “pagar para ver”, e um pouco do que observei e senti em mais essa desgastante e perigosa aventura, descrevo abaixo.

A MINHA EXPERIÊNCIA NESSE ROTEIRO 

Paciência e perseverança tem o efeito mágico de fazer as dificuldades desaparecerem e os obstáculos sumirem.” 

Percorreria nesse dia uma jornada de pequena extensão, assim, calmamente, ingeri o café da manhã na pousada e deixei o local de pernoite com o dia claro.

Muitas pessoas já se movimentavam pelo interior do pequeno distrito, afinal, estávamos numa sexta-feira, dia em que os turistas principiam a chegar nesse deleitoso enclave. 

O trecho inicial, foi pela Estrada do Sal, no sentido da Vila de Taquarussu.

Desta vez, acessei o trecho do Caminho do Sal, nominado “Bento Ponteiro”, que segue em direção à vila de Taquarussu, qual seja, o trecho inicial coincidiu com aquele que realizara no dia anterior, mas no sentido inverso.

Transitando pelo interior do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba.

Os primeiros quilômetros transcorreram de forma tranquila e integralmente solitário, em meio à fragrância intensa de damas-da-noite e lírios-do-brejo, recém-desabrochados, que orlavam a beira da via.

O burburinho matinal da vila deu, então, lugar ao silêncio pautado pelos sons da mata e dos córregos a minha volta, com direito até o sussurro de água despencando duma queda, que atende pelo nome de “Cachoeira dos Namorados”, situada em algum lugar da encosta, à minha esquerda. 

Transitando pelo interior do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba.

Seguindo em bom ritmo, depois de percorrer 3.300 metros, sem maiores empecilhos, abandonei a silenciosa estrada e adentrei à esquerda, numa trilha matosa, que surgiu logo após eu ultrapassar o discreto marco que assinala a divisa dos municípios de Santo André e Mogi das Cruzes.

Passei a caminhar, então, pela famosa “Trilha das Motos”, também chamada de “Porteira Preta”, uma picada já existente há anos, sempre em direção nordeste. 

A entrada para a Trilha das Torres/Porteira Preta.

A senda tinha a forma de uma pequena e precária estrada em desuso, que foi ascendendo suavemente.

Claro, sem condições de trânsito para veículos maiores ou sem tração, porém, marcas de pneus de motos, jipes, gaiolas, bicicletas e botas estavam presentes ao longo de sua calha de terra avermelhada, erodida, pedregosa, enlameada e bastante irregular.

Segundo soube por um guia daquelas bandas, o emaranhado de trilhas daquela região, pertencia a uma área de reflorestamentos que, provavelmente, levavam a fazendas de corte de madeira, onde a “Trilha das Motos/Porteira Preta” era a espinha dorsal das demais. 

Trecho com lama, fruto das chuvas recentes.

Um quilômetro adiante, o carreiro fez um brusco cotovelo e girou 90° à esquerda.

Prosseguimento em minha aventura, caminhei bordejando a encosta da serra, em nível, seguindo para o norte, sempre em imperceptível ascensão.

A vegetação inicial era um misto de primária com secundária, mas, posteriormente, passou a ser, predominantemente, de bosques de reflorestamento de eucaliptos.

Lembrando que vegetação primária é aquela de máxima expressão local, com grande diversidade biológica, sendo os efeitos das ações antrópicas mínimos, a ponto de não afetar significativamente suas características originais de estrutura e de espécies. 

Uma bica d'água, localizada no lado esquerdo da trilha.

Um pouco adiante, encontrei uma bica d'água, localizada do lado esquerdo da estrada, despejando seu borbulhante e refrescante líquido por um cano de pvc ali colocado para essa finalidade.

Pequenas frestas na mata circundante permitiam visualizar desde os verdejantes contrafortes serranos opostos, até a minúscula vila-presépio de Taquarussu, a leste, erigida ao pé da serra, na parte central de um mavioso vale. 

Um raio de sol doura a trilha...

E, embora estivesse sob um sol brilhante, seus raios não conseguiam ultrapassar a espessa folhagem, mergulhando o interior do arvoredo num lusco-fusco capaz de dificultar a minha visão.

Uma fina bruma emanando da terra úmida em evaporação, deixava o ambiente ainda mais sombrio, lembrando muito mais as terras encantadas descritas nos livros de contos de fadas do que uma selva semitropical. 

Mata umbrosa, tudo escuro nesse trecho. 

Vez por outra – muito raramente – um pingo de sol descia até o chão, dourando a vegetação rasteira.

Percorridos, aproximadamente, 5 quilômetros desde a partida, encontrei uma bifurcação; então, abandonei a via principal para adentrar, à esquerda, seguindo agora no sentido oeste. 

A Trilha da Porteira Preta segue em frente. Eu entrei à esquerda, na Trilha das Torres.

Até aquele ponto a picada se encontrava em razoável estado de manutenção, porém, a etapa sequente se mostrou extremamente perigosa, em face das enormes valetas que encontrei em seu leito, convulsionado pela passagem de jipeiros com tração 4 x 4, especialmente adaptados para esse tipo de empreitada.

O trajeto prosseguiu ainda umbroso, entre muita mata secundária, que é aquela resultante dos processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo nela, também, ocorrer árvores da vegetação primária.

O corte vertical que observei várias vezes nas laterais da “estrada”, denunciava a antiquíssima origem dessa via, ainda mais, quando passei junto a um antigo forno carvoeiro, sepultado por folhagens e alguma vegetação. 

Grandes cavas, fruto do assoreamento da trilha.

Sim, antes via de manutenção, agora uma simples picada, ela já serviu para o escoamento da madeira extraída na região, utilizadas no desenvolvimento pré-industrial da baixada santista, à semelhança de boa parte das atuais veredas da serra do Mar. 

Finalmente, a trilha sai em lugar aberto..

Prosseguindo, uma enorme janela na encosta me permitiu um vislumbre mais generoso, tanto dos contrafortes da serra fronteiriça, verdejantes e imponentes, bem como das torres de alta tensão que, tecnicamente, eram o meu destino nesse dia.

Entre descensos abruptos e ascensos íngremes a caminhada seguiu em bom ritmo, sempre sob a refrescante sombra do arvoredo, apesar dos obstáculos a serem superados, mormente, o piso liso e extremamente escorregadio, já que por falta de calor e luminosidade, ele permanece eternamente úmido, um franco convite para uma queda espetacular. 

Chegando à primeira torre... 

Mais 2 quilômetros percorridos, finalmente, passei ao lado de algumas torres de transmissão de energia, situadas no cume de um morro, de onde eu detinha uma vista deslumbrante.

Conforme eu me aproximava da tais linhas de torres de alta tensão, tanto a trilha como a mata envolvente mudaram de aspecto, vez que a senda se estreitou cada vez mais, dando lugar, às vezes, a uma funda vala erodida, que mais lembrava um mini-cânion. 

De volta à umbrosa mata... 

E a vegetação, antes espesso bosque, deu lugar a uma mata arbustiva e ressequida, típica de encostas mais amplas e abertas, tipo voçorocas de samambaias.

Uma vez localizada a primeira torre, bastou eu acompanhar a linha de alta tensão pela vereda em questão, agora sempre na direção sudoeste, ininterruptamente, como que dando a volta completa ao redor das mesmas serras antes vencidas.

O caminho agora, sempre em suave declive, alterna os largos e expostos visuais típicos de encosta, com os súbitos declives situados no frescor da mata fechada, mormente nas dobras serranas. 

Uma providencial pinguela... 

No ponto mais baixo das agressivas ladeiras, foi possível encontrar água corrente, pois riachos murmurantes me acompanharam nesses trechos, onde alguns pontilhões me auxiliaram a transpor imensos atoleiros.

Mas, no geral, a caminhada seguiu sempre extremamente fresca e agradável.

Depois de pequena pausa para hidratação e ingestão de uma banana, segui adiante, alternando trechos abertos, situados no topo das colinas que bordejam o sopé das torres, com outros mais fechados, lamacentos e frescos nas dobras, onde o risco de quedas era uma constância. 

Lama nos locais mais baixos..

Nessas horas, o cajado e o sangue frio, aliado à muita concentração, foram fatores decisivos para eu me safar ileso.

A caminhada prosseguiu em bom ritmo, até alcançar a crista da serra, num local onde está localizada a última torre, de onde se tem uma vista ampla, inclusive, uma perspectiva diferenciada da vila inglesa, que surgiu no horizonte, minúscula, ao sopé da serra da Comunidade. 

Mata fechada, nesse trecho quase derradeiro...

A partir desse marco, teve início uma forte e contínua declividade, por uma funda cava, situada no interior da mais densa e espessa mata que até ali encontrei. 

Locais espetaculares, plenos de muito verde..

Ainda em descenso, quase chegando... 

Nesse ponto é preciso atentar a uma óbvia vereda, que nasce da principal, à esquerda, por onde eu segui. 

Não que faça diferença, mas ela é um atalho que desce o morro diretamente, ao invés de realizar voltas desnecessárias pela encosta.

E assim fui perdendo altitude rapidamente, transitando por trechos com desníveis extremos, obrigando-me a firmar as mãos nos barrancos ou arvoredos circundantes, para conseguir dar conta dessa autêntica descalaminhada.

Mais abaixo, surgiram alguns marcos de ferro, fincados ao largo da via, que, presumo, demarquem limites de propriedades. 

Acessando a Avenida Ford, finalmente, por onde retornei a Paranapiacaba.

E assim, quase num piscar de olhos, desemboquei na Avenida Ford, isto é, a via de terra pela qual se acessa a parte baixa da vila.

Apos caminhar um pouco nela, cruzar o pontilhão sobre o rio Grande, passar pela entrada da famosa “Trilha da Pontinha” e transitar diante do Locobreque, adentrei em Paranapiacaba, novamente, o marco inicial e final do trajeto desse dia.

Mais tarde, como de praxe, após profícuo banho, fui almoçar novamente no Bar da Zilda. 

Depois de um bom e merecido descanso vespertino, dei um derradeiro giro pela simpática vila e no dia seguinte tomei o rumo de casa.

O relógio e a torre do "Big Ben", da simpática vila. 

Barracões e as linhas férreas em Paranapiacaba.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada de pequena monta, mas extremamente dificultosa em termos de altimetria, pois mescla abruptos e escorregadios descensos, com aclives protuberantes, situados em meio a cavas profundas, localizadas sob a umbrosa floresta que cobre esse circuito, em quase toda a sua extensão. Diria que, sob chuva ou mesmo alguns dias depois de intempéries, é impossível transitar nesse roteiro a pé sem incorrer em acidentes graves. Além disso, a imensa erosão constatada no leito da vereda em alguns de seus trechos mais profundos, na minha opinião, impede que, atualmente, ela seja percorrida de bicicleta. Acredito ainda que, no verão, sob sol forte e calor, tudo mude de figura. Mas, em minha ótica de caminhante contumaz, foi um dos desafios mais perigosos que já superei, pois não há pontos de apoio no trajeto, e se eu fosse vítima de uma adversidade, não imagino como um resgate ali poderia ser feito. No global, com sinceridade, não recomendo esse giro para alguém com dificuldades na locomoção ou que não possua uma leve centelha de insensatez. Resumindo: esse trajeto se trata de um profundo estímulo a insânia!

Para ver ou baixar essa jornada, salva no aplicativo Wikiloc, acesse: https://www.wikiloc.com/hiking-trails/trilha-das-torres-paranapiacaba-27933191

Apesar dos sustos e escorregões, seguindo firme na trilha...

FINALIZANDO.. 

Nunca saberemos o quão preparados estamos até que ser forte seja a única escolha.” 

Mesmo com toda a minha experiência de caminheiro contumaz, passei muito apuro ao longo da Trilha das Torres.

Para um leigo ou alguém sem nenhum preparo físico, poderia ter redundado num autêntico desastre.

Interessante é que depois de mais um teste dessa magnitude, conclui que sou muito mais forte do que pensava e que há sempre um jeito de expandir nossos limites, de vencer nossos medos e limitações.

Os desafios fazem parte da vida do caminhante e sem ele não teríamos como nos aproximar, medir, desvendar os segredos das montanhas, da mata que as cobre, dos seres que vivem ali.

Precisamos respeitar essa natureza exuberante – mesmo que a desafiemos de vez em quando – e nos aproximar, para que ela nos reconheça como irmãos, nos acolha, e seja condescendente conosco.

Ao nos aconchegarmos a ela, como partículas divinas que somos, podemos nos sentir filhos queridos do universo.

Afinal, somos parte do todo e obra do Criador.

E, nesses momentos constatamos que tudo ainda está muito vivo em nós!


Bom Caminho a todos!

Agosto/2018