15ª etapa: CAMPOS DE JORDÃO à APARECIDA – 49 quilômetros

15ª etapa: CAMPOS DE JORDÃO à APARECIDA – 49 quilômetros

 

Eu combinei com um motorista de táxi para ele me pegar às 4 h 45 min, de forma que um pouco antes do horário aprazado eu deixei o local de pernoite e me dirigi à Avenida principal de Campos de Jordão.

Ali me postei ao lado de um restaurante, num cruzamento, e aguardei pela chegada da condução.

Estávamos no início da primavera, e um frio desconfortável acompanhava os primeiros trabalhadores fluindo pelas ruas da cidade sonolenta.

O vento cortante vergastava a urbe, que mal amanhecia para o trabalho.

As poucas pessoas que transitavam naquele horário tinham as mãos enfiadas até o fundo dos bolsos, e andavam apressadas para esquentar o corpo, com os ombros erguidos e tesos.

Conforme a hora ajustada, no dia anterior, eis que o veículo contratado estacionou do meu lado.

Depois de lhe desejar bom dia, pedi ao condutor, o Sr. Milton, para zerar o odômetro do automóvel, para que eu pudesse confirmar a distância a ser percorrida até meu objetivo.

Exatamente 16 quilômetros rodados em grande velocidade, sempre por avenidas bem conservadas, vazias e profusamente iluminadas, nós chegamos ao ponto adredemente demarcado: a portaria do Parque Estadual de Campos do Jordão.

Prontamente eu desci, paguei a corrida e me despedi do motorista.

Bem em frente ao portão de entrada do Horto Florestal, nasce uma estrada de terra larga e bastante arborizada.

Que, em seu início, mostra uma pequena placa pelo lado direito, informando várias distâncias mensuradas a partir daquele marco, sendo que a cidade de Aparecida aparece distante a 45 quilômetros dali.

Essa extensão poderia ser alvo de polêmica, pois o site do Caminho de Aparecida estabelece como sendo, efetivamente, de 48 quilômetros e 500 metros.

Em pesquisa nos sites das prefeituras de Guaratinguetá e Campos do Jordão, esse intervalo está divulgado com sendo de 50 quilômetros.

Assim, pelo tempo e o esforço que dispendi nesta jornada, entendo que uma marca intermediária espelha com mais fidelidade o que vivenciei naquele dia.

O clima estava frio e levemente neblinoso, assim, eu lancei mão da lanterna e, após fazer uma rápida oração, iniciei minha solitária caminhada.

O roteiro seguiu levemente ascendente, por uma larga estrada de terra cheia de sulcos e pedras, sempre em meio a muito verde, sendo que nesse primeiro trecho, encontrei muitas construções e até alguns condomínios.

Mais adiante, eu passei diante de uma pequena vila, constituída por casas de madeira, onde residem os funcionários do horto, e na sequência, comecei a subir aos ziguezague em meio a espesso bosque.

E me sentia imensamente feliz, pois estava ao ar livre, embaixo de todo aquele céu e no abraço do vento, encontrava a solidão pela qual tanto ansiava, sem me sentir sozinho.

E eu admirava a pujança da mata que se estendia às margens do caminho, praticamente sem clareiras, quase um túnel verde, rasgado entre sólidos troncos e ramagens.

Já com o dia claro, a paisagem se abriu e pude avistar ao longe a conhecida Pedra do Baú.

Prossegui ascendendo e mais adiante, passei diante da porteira da fazenda “Céu Estrelado”.

Em seguida, pelo lado direito, uma placa explicativa, apontava que naquele local nasce uma trilha nominada “Sertão dos Moreiras”, que segue em direção aos picos do Itapeva e do Diamante.

Porém, a novidade que ali vi, foram os inúmeros arames farpados e até uma corrente fechando esse caminho, provavelmente com o intuito de impedir o acesso dos motociclistas que percorriam esse roteiro com frequência, segundo soube posteriormente.

Prosseguindo, a estrada nivelou e tive vista, à direita e ao longe, do mirante São José dos Alpes, próximo de uma guarita da Fazenda Lavrinhas, que o precede.

Numa bifurcação logo adiante, eu segui à esquerda e uns vinte minutos depois, passei diante de um abrigo abandonado, que deixei à minha direita.

Até ali, do meu lado esquerdo, eu vinha acompanhando a divisa do Horto.

Porém, a partir desse marco, passou a me ladear, por ambos os lados, as cercas da Fazenda  Lavrinhas, terra onde “tudo é proibido”, conforme estava escrito em inúmeras placas afixadas nos mourões que margeiam a estrada.

Finalmente, às 7 h, doze quilômetros percorridos, depois de passar por mais algumas casas esparsas, à esquerda, cheguei noutra importante bifurcação.

Nesse exato local, se unem as duas variantes do Caminho de Aparecida, cujas marcações, representadas por setas verdes, eu já vinha encontrando, ainda que de forma um tanto tímida, desde a minha saída defronte ao Horto Florestal.

Assim, se eu seguisse à esquerda, iria aportar à cidade de Wenceslau Brás.

Porém, meu objetivo era outro, assim, prossegui à direita, e dois quilômetros depois, eu passei diante da Pousada Santa Maria da Serra, um local belíssimo e privilegiado, localizado a 2.000 metros de altitude, que também acolhe peregrinos e romeiros.

Logo adiante, fiz uma breve pausa para descanso, hidratação e ingestão de frutas e chocolate.

Andei ainda uns quinhentos metros no plano e, na sequência, eu principiei a descer, em alguns trechos, de forma brusca e violenta.

Os primeiros quilômetros forma trilhados em meio a espesso bosque, depois, já mais à frente o panorama se abriu e pude visualizar abaixo, um grande vale, em meio a muito verde, por onde eu prosseguiria meu périplo.

Mais oito quilômetros vencidos em perene declive, passei pelo distrito de Gomeral, cuja sede é Guaratinguetá, um bairro rural que ainda preserva sua história e cultura.

Ele se localiza num região rica em recursos naturais, como rios, cachoeiras, florestas de altitude e remanescentes da Mata Atlântica, propiciando a existência de diversas trilhas e observação de flora e fauna.

Situada em meio à Área de Proteção Ambiental Federal da Serra da Mantiqueira, é região estratégica para a conservação dos recursos hídricos, florestais e turísticos de todo o Vale do Paraíba.

Ali existem algumas casas, uma igrejinha dedicada a São Lázaro, um restaurante e, mais importante, uma cachoeira situada à beira da estrada, onde avistei uma providencial bica d’água, que utilizei para matar minha sede.

O simpático local é recheado de trilhas que levam a locais interessantes, com destaque para o morro do Pedrão, que além de ser seu ponto culminante da região, é também o cartão-postal do vilarejo.

Prossegui em forte declive, e mais abaixo passei pelo distrito de Taquaral, onde avistei algumas poucas e esparsas casas, situadas à beira da estrada.

A paisagem neste trecho da estrada prossegue com contornos de uma região serrana, pois é marcada pela presença de altos picos e colinas com mata exuberante.

Na sequência, iniciou-se o asfalto, que me levou, depois de mais 8 quilômetros, a passar diante da Pousada do Senhor Agenor.

Muito simpático, ele estava na porta de sua residência, e após os cumprimentos de praxe, convidou-me para tomar um café, além de conhecer as instalações do seu estabelecimento.

Segundo ele, na pousada se hospedam inúmeras romarias que vem do sul de Minas Gerais, porém quase todas passam por ali no inverno e início da primavera.

Enquanto conversávamos, aproveitei para matar a sede e descansar um pouco, pois o calor já se fazia assustador.

O Sr. Agenor em sua Pousada

O papo informal e rico de histórias estava excelente, contudo eu precisava seguir em frente, porquanto me restava caminhar ainda 20 quilômetros, até aportar à Basílica de Aparecida, minha meta para aquele dia.

Assim, após efusivas despedidas, prossegui adiante, e um quilômetro depois, eu passei pelo distrito de Pedrinhas, cuja sede também é Guaratinguetá.

Nesse pequeno núcleo rural com infraestrutura básica para a comunidade, existem alguns bares, mercearias, escola municipal, farmácia, além de uma pracinha onde avistei e fotografei uma simpática igrejinha.

Ali também estão instalados o Clube de Campo Pedrinhas e o Balneário “Parque Águas da Mantiqueira”.

Eu estava bem abastecido de maneira que segui adiante, porém sentia que descer da altitude fresca da montanha à planície, fora como entrar em um forno ardente.

Prosseguindo, uns quinhentos metros depois, assim que deixei a povoação e obedecendo as flechas sinalizadoras, eu abandonei o asfalto e adentrei à direita, em larga e plana estrada de terra.

A paisagem circundante se tornou agradável, marcada, agora, por antigos casarões de fazendas, pequenos sítios, criação de gado, áreas de pastagens entremeadas por pequenas matas, e a presença de bares e raras pousadas.

Nesse derradeiro trecho, encontrei bastante trânsito de veículos, quase sempre de caminhões, e face à seca prolongada que ali grassava, sofri bastante com a poeira e a baixa umidade.

Em melhores condições, eu teria percorrido esse intermeio com tranquilidade, mas a mochila pesada, o sol quente, o mormaço abafadiço, ondas de dor e um grande esforço para manter-me animado e concentrado na estrada, faziam no total uma grande diferença.

Os primeiros cinco quilômetros foram difíceis, os três seguintes, terríveis.

Mais alguns superados e eu piscava os olhos com força, a cada passo.

Quando ainda restavam dez quilômetros para a chegada, mergulhei num abismo de desespero, pois todas as dores atacaram de uma vez, as bolhas queimavam, e minha situação se tornou dramática.

Nesse espaço derradeiro praticamente inexistem sombras à beira do caminho, o que vi bastante foram inúmeras áreas alagadas em imensas planícies, que são utilizadas para o plantio de arroz.

Por sorte, localizei uma árvore solitária do lado esquerdo da estrada, então, fiz debaixo dela uma parada providencial, como o fito de reavaliar as circunstâncias.

Afinal, nunca estivera numa situação que forçasse tanto o corpo e a alma, assim, jamais esquecerei esse trecho derradeiro, terrificante e calorento.

Bem, depois de me hidratar abundantemente, fazer massagem nas panturrilhas e ingerir um analgésico, resolvi prosseguir, antes que minhas pernas travassem de vez.

Como lenitivo para minhas aflições, eu segui rezando o terço, pois é sabido que quanto mais se invoca Maria repetindo as Ave-Marias, tanto mais se evoca o Cristo, o "bendito fruto do seu ventre". 

Desse modo, compenetrado e com muita fé, lentamente as distâncias foram decaindo, e após mais cinco quilômetros percorridos, sobrepujados com extrema dificuldade, adentrei em zona urbana, já na cidade de Potim.

Foram mais alguns quilômetros por ruas movimentadas e com intenso tráfego de veículos, até que acessei uma antiga ponte de concreto, por onde transpus o rio Paraíba do Sul, com bastante tranquilidade, pois nela só trafegam pedestres.

Dali eu pude avistar no horizonte, à frente, a Basílica da Mãe Aparecida.

Sentia cada vez mais próximo de meu objetivo, e ao ver aquele maravilhoso conjunto, eu não me contive, e fui tomado de intensa comoção.

Afinal, eu estava reprisando naquele solo sagrado, com suor e lágrimas, os passos de milhões peregrinos que ali passaram também emocionados pela eminente chegada, algo que me fez vibrar de alegria.

Definitivamente, a vitória estava a poucos metros, e não era uma sensação inteiramente prazerosa, pois vencendo ou não, o final de toda peregrinação é sempre agridoce.

Prossegui por uma larga avenida, debaixo de um calor inumano e um sol diabólico, até aportar, finalmente, às 14 30 h, diante da Basílica de Aparecida.

Na rampa do santuário encontrei com outro peregrino de São Carlos, o Sérgio, que também chegava naquele instante, viera pelo ramal de Pindamonhangaba.

Assim, juntos e animados, seguimos visitar a imagem da Mãe Maior.

Na sequência, nós contornamos o templo pelo lado leste, depois subimos uma escadaria.

Então, adentramos num comprido mezanino dividido por corrimões de metal.

Naquele local, as pessoas se apoiam, e dirigem o olhar para cima, em direção a uma imensa redoma de vidro temperado.

E, então, me deparei com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Foram momentos deliciosos, e sob forte emoção, pois ali pude expressar toda a minha gratidão pela jornada realizada, bem como encaminhar, pessoalmente, os pleitos que levava elencados em meu coração, desde a minha partida em direção ao Caminho.

Na sequência, passamos, o Sérgio e eu, pela Secretaria da Catedral onde, extremamente feliz, recebi meu 3º Certificado Mariano, relativo à conclusão do Caminho da Fé.

Enquanto ali aguardávamos a confecção de nosso Diploma, chegou o Alison, outro peregrino de São Carlos para retirar também seu Certificado.

Em seguida, todos nós nos hospedamos no mesmo hotel, onde após tomar reconfortante banho, eu saí para lanchar, pois estava extremamente faminto, depois da exaustiva jornada.

À tarde descansei bastante, depois fui adquirir algumas lembranças para presentear meus familiares.

O último dia em Aparecida teve a tristeza das despedidas.

Primeiramente, compenetrado e refortalecido pela magnífica noite de sono, assisti à missa das 8 horas, gratificantemente, ao lado do pessoal de Vargem Grande do Sul, que havia chegado junto comigo, porém por roteiro diferente.

Depois, coração em júbilo, eu fui agradecer novamente a minha Mãe Maria, pelas graças alcançadas.

E à tarde, retornei ao meu doce lar. 

 

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma etapa longa e difícil, porém a alegria da chegada compensa todo o esforço dispendido. Todo o trajeto é feito em meio a exuberante natureza, com preciosas vistas, para qualquer lado que se olhe. No global, uma jornada inédita, plena de gratas surpresas, tanto que em 2.013 pretendo repeti-la, desta vez percorrendo o roteiro integral do Caminho de Aparecida (vide: www.caminhodeaparecida.com.br).

EPÍLOGO