03 – SAN MUÑOZ a ALBA DE YELTES – 28 quilômetros

Quando o navegante começa a viagem, prepara seu barco, estuda sua rota, planeja seu itinerário e zarpa; não pode fazer mais nada. Não pode saber quais tormentas o atingirão, nem se retornará. Mas zarpa...” (Edward Rutherford) 

Segundo havia lido, enfrentaria nesse dia, provavelmente, a etapa mais "selvagem" desse caminho, porquanto, além de ausência de povoações intermediárias, me aguardavam alguns vadeios, a pé, de córregos e rios, como o Yeltes, quase no final da jornada.

Por isso, será necessário tomar as devidas precauções em épocas de chuvas abundantes e buscar alternativas, fazendo pequenos rodeios.

Esses vadeios eram habituais nos traçados das “cañadas”, já que facilitavam o gado a beber água.

Em alguns trechos da Cañada, a falta de passagem de animais e veículos deixa apenas um pequeno trilho entre arbustos, contudo, em troca desses pequenos inconvenientes, o entorno me proporcionou um passeio muito belo, com vistas inolvidáveis dos campos ao redor.

Assim, deixei a cidade de San Muñoz ainda no escuro, às 6 h 15 min, pela rodovia que vai em direção à cidade de Boadilla e, logo de saída, transpus o rio Huebra por uma ponte.

Depois de percorrer 4 quilômetros sobre piso asfáltico, com o dia amanhecendo, adentrei à esquerda, numa estrada de terra larga e bem definida, que me permitiu caminhar em meio a pastagens, transitando por locais com topônimos pastoris como: Mostrencos, Valdemerina e Las Majaditas.

Então, percorridos 10 quilômetros eu deixei o caminho e derivei uns 300 m à direita, para ultrapassar o rio de Cabrillas, utilizando uma ponte, pois tudo ali se encontrava em zona pantanosa.

No entanto, para minha tranquilidade, três quilômetros adiante, voltei a confluir com o caminho, lembrando que esse desvio está muito bem sinalizado.

No trecho sequente, de 10 quilômetros pela cañada, encontrei-a extremamente matosa e utilizei uma trilha estreita para prosseguir em frente e numa pronunciada baixada, num local belíssimo, atravessei, sem grandes problemas, o Arroy de la Fresneda.

Mais adiante, eu cruzei uma rodovia vicinal asfaltada e, quase em seguida, do alto de um outeiro, observando à minha frente, eu detinha uma vista espetacular do vale do rio Yeltes.

Então, com extremo cuidado, descendi por uma trilha íngreme, situada em um terreno nu, depois, atravessei porteiras e prossegui caminhando entre encinas, até alcançar o rio Yeltes, que em épocas de estiagem se atravessa sem problemas, como ocorreu nesse dia.

Porém, em épocas chuvosas, recomenda-se fazer um giro, utilizando uma senda localizada à esquerda do rio, que um quilômetro abaixo, propiciará ultrapassá-lo por uma ponte.

Resolvida a passagem por esse obstáculo natural, prossegui entre encinas, ultrapassei nova porteira, até que tomei o caminho de Robleda, depois, prossegui à direita, abandonando o traçado da cañada e, 2 quilômetros adiante, adentrei em Alba de Yeltes.

Antes, no entanto, levei um grande susto ao passar junto a um enorme rebanho de ovelhas, guardadas por dois atentos mastins, que partiram em minha direção.

Por sorte, apenas para lamber as minhas mãos, enquanto eu apavorado tentava localizar o pastor ou o dono dos animais, sem conseguir o meu intento.

Foi um susto e tanto, mas, como em outras ocasiões, Santiago me protegeu e, na sequência, me conduziu sem problemas até a minha meta desse dia.

Algumas fotos do percurso desse dia:

Depois de 4 quilômetros sobre asfalto, início do trecho em terra.

Caminho fresco e agradável.

Um rebanho de ovelhas.

Paisagens surreais em tramos, integralmente, desertos...

No intermeio da jornada, encontrei trilhas matosas como essa...

Não há pontes... passei com a água pela canela.

Finalmente, um trecho verde.

Do alto da colina, vista do vale do rio Yeltes.

Transpondo o leito do rio Yeltes; integralmente seco.

Esses dois atentos mastins, guardadores de ovelhas, me pregaram um belo susto..

A fundação de Alba de Yeltes e dos povoados cercanos ocorreu no processo de repovoação daquela região, empreendido pelos reis de León, durante a Idade Média.

No século XVII, ela se converteu em cabeça de condado, pela outorga de Felipe IV a Luís Nieto da Silva, do título de Conde de Alba de Yeltes.

Em 1833, com a criação das atuais províncias espanholas, a cidade se integrou à de Salamanca, dentro da região Leonesa.

População atual: 225 pessoas.

Meu local de pernoite nesse dia. Excelente!

Em 2011, no início desse roteiro, o povo de Alba de Yeltes, liderado por Jacinto Martín, implantou no antigo prédio escolar da cidade o primeiro albergue do Caminho Torres. Durante vários anos, esse nobre homem exerceu um excelente trabalho como hospitaleiro voluntário e ofereceu uma recepção calorosa aos peregrinos que passaram pela cidade, deixando uma memória indelével. Infelizmente, Jacinto Martin faleceu em abril de 2017. Atualmente, a albergue “Jacinto Martín García”, merecidamente, leva seu nome e é servido diligentemente por sua esposa. 

Homenagem merecida a Jacinto Martín Garcia, um peregrino fabuloso!

O Albergue de Peregrinos "Jacinto Martín García" está localizado nas antigas escolas e as chaves estão com Aurora Marcos, telefone: 618 289 544.

Nele há cinco camas arrumadas com lençóis, travesseiros e cobertores, um forno de microondas, uma cafeteira elétrica e um espaçoso banheiro, com direito a ducha quente.

Vale dizer que Dona Aurora me atendeu cordialmente, colocando-se à minha disposição para resolver qualquer problema que me importunasse. A essa santa senhora, minha gratidão eterna!

Igreja Matriz de Alba de Yeltes.

RESUMO DO DIA: Clima: Frio de manhã, depois do sol, variando a temperatura entre 6 e 16 graus.

Pernoite no albergue local. Excelente! Preço: Donativo.

Almoço no Bar e Restaurante Inma: Ótimo! - Preço: 9 Euros o “menu del dia”.

IMPRESSÃO PESSOAL: A distância a ser percorrida nessa etapa é de razoável dimensão e não há possibilidade de pausas intermediárias para lanches / café, pela omissão de povoações e comércio no percurso. Por isso, antes de deixar o local de partida, esse pormenor deve ser previsto e, especialmente, no verão, é essencial levar água suficiente para todo o trajeto. Ainda, na estação chuvosa, pode ser necessário fazer um desvio para atravessar o rio Cabrillas e o rio Yeltes. No caso presente, seguindo como instruções existentes no site desse roteiro, no 10º quilômetro eu fiz um desvio pela direita, para evitar uma zona pantanosa. Já, mais adiante, quando da travessia do rio Yeltes, não precisoi derivar à esquerda para ultrapassá-lo por uma ponte, pois encontrei seu caudal seco, onde pude transpô-lo, sem maiores problemas. Porém, novamente, foi uma jornada de solidão, silêncio e excelsa beleza. Seguramente, uma das mais bonitas e tranquilas desse Caminho, por inexistirem objetivos altimétricos no percurso.