11º dia – SAN ROMÁN DA RETORTA à MELIDE

11º dia – SAN ROMÁN DA RETORTA à MELIDE -  31 quilômetros

Todos peregrinos possuem duas características em comum: a dor e a felicidade.” (Albergue del Camiño)

Eu havia combinado com o proprietário do hostal que gostaria de sair o mais cedo possível, de forma que pactuamos 6 h 30 min, para que ele viesse me buscar.

Assim, pontualmente no horário ajustado, o Sr. Jaime apareceu e, 10 minutos depois, me entregava em San Román, defronte uma bifurcação.

Se eu seguisse à esquerda, estaria caminhando pelo roteiro oficial do caminho, todo ele demarcado por “mojóns” de pedra, e que vai em direção à Paróquia de Vilamaior de Negral.

Contudo, como eu havia decidido anteriormente, preferi prosseguir à direita, numa senda sinalizada por flechas amarelas e que corresponde, historicamente, ao antigo traçado da calçada romana.

Eu sabia também que, oito quilômetros à frente, as variantes se uniriam.

Uma fria neblina chegara durante a noite, tapando os acidentes geográficos e as árvores.

A cidadezinha estava vazia, silenciosa e envolvida por um espesso manto branco, o que dificultava, sobremaneira, a visualização das setas.

No entanto, com a lanterna à mão, segui adiante, por uma estrada vicinal asfaltada, localizada entre um extenso bosque de eucaliptos.

Dois quilômetros depois, passei defronte ao albergue municipal de peregrinos, localizado numa grande casa, onde encontrei tudo escuro e deserto.

Curiosamente, cinquenta metros depois, eu parei diante de um albergue particular, onde tudo também se encontrava silencioso, ouvia-se apenas o latido de alguns cães numa casa próxima, que certamente haviam pressentido minha presença.

A partir dali, passei a caminhar em terra, por um frondoso bosque de pinheiros, cujo perfil altimétrico era bastante variado, pois entremeava subidas e baixadas, em abundância.

Para minha surpresa, na altura da aldeia de Burgo de Negral, avistei três peregrinos caminhando à minha frente.

Logo os alcancei e segui um tempo conversando com eles, vindo, então, a saber, que eram franceses e haviam pernoitado no albergue municipal, mas haviam saído às 6 h.

Todos caminhavam num ritmo bastante vagaroso, de maneira que logo me despedi e prossegui escoteiro.

Na sequência, passei por Vilacarpide e, depois de um grande descenso, adentrei à vila de Pacio, onde pude fotografar um histórico cruzeiro, fincado próximo do cemitério da povoação.

Depois de passar pelas cercanias de A Riveira, caminhei mais uns 500 metros, se tanto, sempre em descenso e, já no plano, encontrei a graciosa e milenar ponte romana de Mosteiro, ainda perfeitamente utilizável por pedestres, pela qual eu transpus o rio Ferreira.

Nesse local se unem as duas variantes cuja bifurcação ocorrera em San Román.

Até ali eu havia percorrido 9 quilômetros, de maneira que fiz uma pausa para hidratação e descanso, posto que o local, de grande visitação pública, dispõe de algumas mesas e bancos para utilização dos turistas e peregrinos.

O sol já brilhava no céu e a tépida manhã soprava um ar de expectativa e de aventura.

Já refeito, prossegui por um caminho ascendente, que mais adiante me levou a transitar por asfalto e, um quilômetro depois, passei defronte ao albergue de Ponte Ferreira, que é de propriedade particular e, talvez por isso, possui uma ótima aparência, ao menos exteriormente.

A partir desse ponto, segui enfrentando pequenos ascensos, entremeados a duros descensos, alternando piso asfáltico com sendas estreitas e, em alguns locais, bastante elameadas.

Nesse pique, passei pelas povoações de Leboreira, Augas Santas, Merlán e, finalmente, As Seixas, uma pequena vila, onde também existe um albergue de ótima cotação entre os peregrinos, pelo respeito e dedicação com que nele são tratados.

Nesse “tramo” específico, eu transpus vários córregos e muitos campos agriculturáveis, porém a grande maioria dos espaços campestres estava destinado à criação de gado leiteiro.

Nessas pequenas aldeias por onde transitei, além de algumas casas esparsas, sempre havia para admirar uma bonita igreja românica e, naturalmente, a paz do campo santo de cada cidadezinha.

Então, na sequência, iniciou-se uma perene ascensão, que perdurou por uns dois quilômetros, até que aportei à vila de Cascarriño.

Esse outeiro, onde cheguei depois de ter percorrido 2/3 da jornada, marcava o segundo ponto mais alto dessa etapa, com aproximadamente 690 metros de altitude.

Dali eu podia observar que o caminho seguia serpenteando através de uma paisagem agradável e verdejante, com colinas de pastagens, plenas de gado e de grandes áreas de florestas cerradas.

Ali existem instaladas várias torres de captação de energia eólica, que produziam um barulho ensurdecedor, pois ventava bastante naquele horário, quando passei.

Prossegui, depois, num terreno plano e logo visualizei O Hospital, a última povoação a ser ultrapassada, antes de iniciar um perene descenso, que se prolonga até o final dessa etapa.

Na saída dessa aldeia, encontrei um pequeno parque onde foram assentados mesas e bancos de pedra, um local perfeito para um descanso, visando repor as forças.

Meu relógio marcava 9 h 30 min, e o sol já castigava bastante, assim, tratei de renovar meu protetor solar.

Após vencer um breve “repecho”, alcancei o ponto culminante da jornada situado a 710 metros, exatamente na crista da “Sierra del Careón”, local de divisa entre as Províncias de Lugo e A Coruña.

Já em descendente, eu saí em campo aberto e daquele local pude contemplar, ao longe, 13 quilômetros à frente, a cidade de Melide, lugar onde eu iria pernoitar.

Eu principiei a descer sobre asfalto, contudo, logo uma senda me levou a caminhar por uma estrada de terra, localizada em meio a agradável bosque, num dos trajetos mais frescos e tranquilos do dia.

E depois de vencidos mais 2 quilômetros, aportei em Vilouriz, outro pequeno pueblo, onde passei bordejando pelo lado esquerdo, junto à igreja e o cemitério localizado anexo a ela.

A partir desse marco, segui sempre por asfalto e depois de mais dois quilômetros vencidos, passei por Villamor, outro simpático povoado, mas que não oferece nenhum tipo de serviço ao viajante, embora ali exista uma fonte instalada junto a uma área de descanso.

O derradeiro trecho de sete quilômetros, todo ele feito sobre asfalto e debaixo de sol forte, realmente foi o mais difícil dentre todos que enfrentei nessa etapa, pois além da vontade de chegar, eu arcava com o cansaço acumulado na jornada.

Assim, lentamente me aproximei da zona urbana, mas ainda precisei caminhar bastante por calçadas e avenidas até aportar, finalmente, no centro de Melide, quando meu relógio marcava 13 h.

Esta alegre cidade marca o final do Caminho Primitivo, que nela se enlaça com o Caminho Francês, seguindo, unidos em direção à Santiago.

Ali fiquei hospedado no hostal Soni, e para almoçar elegi um dos inúmeros restaurantes existentes no centro comercial, onde pude degustar um delicioso “menu del peregrino”, por apenas 8 Euros.

A urbe é um núcleo urbano eminentemente “jacobeo”, cuja fundação ocorreu no século X.

Porém, seu efetivo povoamento aconteceu somente no início do século XIII, objetivando a criação de um local propício para alojar os peregrinos, em face de sua proximidade com Compostela.

Durante os últimos séculos, assim como muitas aldeias da Galícia, ela sofreu uma grande emigração de seus habitantes para Cuba e Argentina, isto até 1.950.

E depois, em direção à Suíça e Reino Unido, assim como para outras cidades espanholas como Barcelona, Bilbao e Corunha.

Atualmente, com 9 mil habitantes, tem sua economia baseado na agricultura, processamento de carne e, mais recentemente, no turismo.

Pós uma boa refeição e uma imprescindível “siesta”, eu fui até o albergue carimbar minha credencial, transitando calmamente pela cidade, uma povoação cheia de vida, onde encontrei uma massiva presença de peregrinos, sendo que alguns iriam ali pernoitar.

Em Melide. com peregrinos alemães e australianos, com quem eu havia feito amizade, defronte à Pulperia Ezequiel.

Porém, a grande maioria estava apenas de passagem, pois tinha a cidade de Arzúa, como final de etapa.

Menção especial merece a visita que fiz mais tarde à igreja românica de Santa Maria de Melide, onde pude admirar seus maravilhosos afrescos interiores, bem como sua decantada abside semicircular.

À tardezinha, como não poderia deixar de acontecer, me dirigi à Pulperia Ezequiel, onde pude degustar seu prato principal: o “polvo”, que ali é servido de todas as maneiras possíveis e inimagináveis.

Naquele estabelecimento, acabei por encontrar alguns peregrinos alemães e australianos com quem havia feito amizade nas etapas anteriores, de forma que nosso reencontro naquele ambiente festivo foi motivo para ruidosa e alegre comemoração.

À noite o tempo mudou e iniciou uma leve garoa, que logo se transformou em intempérie, de forma que optei por descansar, visto que o roteiro do dia seguinte seria bastante extenso.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada de razoável extensão, com intensas variações altimétricas, contudo, nada muito brusco ou violento. No geral, uma etapa entre muito verde, porém, com pouca sombra. Além do mais, metade do percurso é vencido em asfalto, e os derradeiros quilômetros antes do aporte à Melide, são efetivamente duríssimos. No geral, um trajeto difícil, coroado pelo aporte e enlace ao roteiro do Caminho Francês.