Décima Primeira Etapa: SAPUCAÍ-MIRIM (MG) a ESTAÇÃO PIRACUAMA (PINDAMONHANGABA-SP) – 30 quilômetros

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No  mirante, antes de descer a Serra da Mantiqueira.

Como a jornada afigurava-se curta, levantei às 5 h, e após um singelo café matinal, parti às 6 h, sob um céu enfarruscado e sombrio.

Sempre pelo acostamento de uma movimentada rodovia, em contínuo descenso, caminhei por uma hora e, seis milhas à frente, às 7 h, no bairro Ponte Nova, entrei à esquerda numa estradinha vicinal de terra que se apresentava completamente tomada por poças de água, obrigando-me a verdadeiros malabarismos para não molhar os pés. Além disso, alguns trechos se apresentavam perigosamente escorregadios.

O caminho é muito bonito e bucólico, margeando o trajeto todo um riacho murmurante que corre pelo lado esquerdo da trilha. Mais à frente, após ascender forte elevação, no bairro Cassununga, ultrapassei o marco que divide o município de Sapucaí-Mirim com o de Santo Antonio do Pinhal. E, aquele local, retornei definitivamente ao Estado de São Paulo.

Logo em seguida, depois de uma ponte, adentrei a rodovia que liga São José dos Campos a Campos do Jordão e caminhei 1 quilômetro por asfalto.

Após deixar o Bar da Cachoeira à esquerda, sempre seguindo como flechas indicativas, acessei uma estradinha de chão batido à direita, e caminhei, primeiramente, em meio a olarias e fábricas de bloquetes de cimento, situadas num local densamente povoado.

Depois, por um bosque frondoso, úmido, deserto e silencioso, andei por quase uma hora, tendo passado ao lado de várias casas abandonadas e em ruínas, num ambiente úmido, silencioso, deserto e, também, um tanto sinistro e agourento.

Finalmente, depois de ultrapassar a Pousada Villa da Mantiqueira, retornei definitivamente ao asfalto e, subindo sempre, segui por uns 4 quilômetros, em meio a matas e corredeiras d’água, até aportar em Santo Antonio do Pinhal, exatamente às 10 h da manhã.

A história conta que Antonio Joaquim de Oliveira construiu em sua propriedade uma capela em homenagem a Santo Antonio de Pádua e fundou entre os pinheirais uma graciosa vila que levou o nome do Santo.

Em 13 de junho de 1860 fundou-se povoado oficialmente, e elevou-se à freguesia no ano seguinte e a distrito de paz no ano de 1880. Em 1960 veio a emancipação política e em 1967 a Assembléia Legislativa instituiu a Estância Climática de São José do Pinhal.

A cidade faz parte do Circuito das Montanhas e, face sua proximidade de Campos do Jordão, é uma boa opção de hospedagem para os turistas, que costumam lotar suas pousadas nos feriados e finais de semana, o que pode ocasionar problemas, eventualmente, para os peregrinos que não fizerem suas reservas com a devida antecedência.

Parei para carimbar minha credencial na Pousada Santo Pinhal que se localiza no centro da cidade, e ali fui mimoseado pela Rita, a responsável pelo estabelecimento, que depois de me servir água e café, questionou sobre minha peregrinação, qual seja, o que me movia a fazê-la e o combustível necessário para empreendê-la.

Respondi-lhe que, primeiramente, me dava a certeza gostar de caminhar, isto é vital ou essencial. As motivações podem ser de cunho religioso, cultural, esportivo, etc.

No meu caso específico, a fé inabalável de chegar em Aparecida, pelas minhas próprias pernas, um sonho acalentado há muitos anos. Conjugado, naturalmente, com o desejo de fazer novas amizades, açambarcar novos hábitos, e conhecer lugares diferentes.

Ela, aparentemente simpatizou com minha explicação e, por iniciativa própria, disse-me que iria fazer um teste para ver se tomava gosto pela “coisa”. Pediu-me conselhos.

Sugeri-lhe, então, que tentasse fazer o percurso desde Sapucaí-Mirim até sua propriedade, como forma de testar sua condição física e se adequar ao mister desejo. Espero, sinceramente, que minha sugestão, traduzida através de encorajadoras palavras de apoio, possa ter contaminado seu espírito aventureiro.

Em seguida, ainda pelo asfalto, caminhei mais 4 quilômetros até a Estação de trem Eugênio Lefreve onde fiz uma parada rápida para café e apreciar o famoso “bolinho de bacalhau”, vendido a “preço de ouro”. Uma placa indicativa, próxima ao local, informava que Campos do Jordão distava, apenas, 12 quilômetros dali.

Logo à frente, no alto do morro, num mirante, parei para fotos diante da estátua de N. Sra. Auxiliadora. Desse local, descortina-se uma vista maravilhosa e completa do Vale do Paraíba, podendo-se, em dias claros, distinguir as cidades próximas, inclusive São José dos Campos e Pindamonhangaba.

As flechas, então, me conduziram a caminhar sobre os dormentes da linha férrea em acentuado descenso. Um quilômetro depois, as indicações me direcionaram à esquerda, para uma trilha estreita e perigosa, em brusco declive, por onde, literalmente, desci a “Serra da Mantiqueira” em definitivo.

O terreno extremamente inclinado exige desmedido cuidado, pois é atravessado em sua extensão, por várias nascentes de água, com trechos de muita lama, além de conter em seu piso inúmeras pedras soltas, que podem se deslocar e ocasionar acidentes indesejáveis.

A ríspida decadência deixou-me um tanto tenso e preocupado, pelo acentuado risco envolvido, embora o trajeto tenha transcorrido sob clima ameno, entre árvores frondosas e o chilrear ininterrupto de pássaros da região. Ali, a mata nativa cobre todo o morro, numa uniformidade verde e densa.

Mais embaixo, após passar defronte uma solitária residência, inicia-se uma estrada pedregosa e larga, todavia, ainda em ininterrupta declivência. 

E assim continuei até, cinco quilômetros abaixo, quando encontrei, finalmente, às 13 h, a Estação de trem Piracuama, que se situa a 11 quilômetros de Santo Antonio do Pinhal, e 19 de Pindamonhangaba.

Hospedei-me próximo dali, na Pousada Champetrê, uma extensa construção térrea, edificada com extremo bom gosto, num espaço privilegiado e aconchegante, longe da civilização e do barulho urbano.

O alojamento se dá em quartos conjugados, amplos e confortáveis, em local de deslumbrante e rara beleza, cercado de muito verde, sob as fraldas da cadeia de montanhas que rodeia Campos do Jordão.

Dali avista-se, dentre outros, o célebre Pico Itapeva e o Morro da Maminha. As refeições são servidas no restaurante da própria Pousada. A hospitalidade da direção e dos demais funcionários é algo para nunca mais ser esquecida.

Após o jantar fiquei um tempo conversando com o proprietário, Sr. Paulo, pessoa experiente e viajada, que me contou histórias pungentes e gratificantes de outros peregrinos que me antecederam naquele local.

Uma delas, bastante interessante, foi protagonizada por um grupo de romeiros do Paraná que ali se hospedou. Junto, trouxeram uma cadela magra e doente encontrada nas proximidades, que lhes confrangera o coração.

Como avaliavam que uma mesma não suportaria caminhar até Aparecida, escolher-na sob seus cuidados, com uma promessa de vir resgatá-la, posteriormente, assim que encerrassem a peregrinação. 

No entanto, isso jamais ocorreu. E a Neneca, uma vira-lata robusta, ativa e simpática, vive lá até hoje.

AVALIAÇÃO PESSOAL:

Uma etapa fácil e agradável até a Estação Eugênio Lefreve. Entretanto, merece atenção e cuidado a vertiginosa descida da serra da Mantiqueira, ao final da jornada. Sem dúvida, para mim, um dos grandes objetivos que enfrentei no caminho, porque no trecho em comentário, o mais leve descuido pode ser fatídico, mormente se estiver chovendo.