EPÍLOGO

"De vez em quando as pessoas precisam de uma pausa na vida, elas necessitam desfrutar de alguma calma e refletir. A peregrinação tem a ver com os prazeres simples, que tantas vezes esquecemos.

Toda pessoa deveria, ao menos uma vez na vida, realizar uma longa caminhada a pé. 

Essas intrépidas jornadas, como o célebre “Caminho de Santiago”, por exemplo, além do indubitável significado religioso, são importantes instrumentos de inflexão; de busca interior, de volta às origens. 

Caminhando, despojados de qualquer incremento tecnológico de locomoção do mundo moderno, podemos contemplar, pausadamente, e de forma detalhada, o mundo à nossa volta, e a ruidosa pressa que o permeia. 

E tudo isso, de um outro prisma ou ótica, como meros espectadores. 

Caminhando, voltamos ao nosso estágio mais ancestral, remetendo-nos às grandes travessias de outrora, que muito contribuíram para o espalhamento do ser humano sobre praticamente todo o globo terrestre. 

Caminhando, superamos nossos próprios limites, e temos tempo para refletir sobre a efemeridade da vida e seu real significado e importância. 

Caminhando, passamos a ter a exata dimensão de nós mesmos, e do contexto que estamos inseridos. 

Caminhando, passamos a conhecer melhor a jornada íntima de cada um, e aprendemos que mais importante do que a partida ou chegada, é o caminho propriamente dito, e todos os seus detalhes. 

Caminhando, aprendemos a enxergar e contemplar a real beleza do caminho; objetivo maior de toda longa jornada, inclusive a jornada da nossa própria vida. 

(Desconheço o autor)

Na Praça do Obradoiro, pouco antes de retornar ao meu lar.

FINAL

Algumas vezes na vida a única coisa de que precisamos é de alguns segundos de otimismo e de uma coragem insana para correr atrás daquilo que sonhamos!

Para ser sincero, eu não tinha planos de retornar à Espanha neste ano para caminhar, ao revés, pretendia intentar novos roteiros localizados em outros países, porém, quem dita as regras não somos nós, e sim, o plano “superior”.

Nesse sentido, a variedade dos projetos que eu detinha era apenas um artifício, um meio cômodo de mascarar essa desagradável evidência: na realidade, eu não tive escolha.

O vírus de São Tiago acabou por me infectar profundamente e, falando com franqueza, ignoro quem ou que operou esse contágio.

Após uma fase de incubação silenciosa, a doença eclodiu e tinha todos os sintomas: precisava abraçar o Santo Apóstolo novamente!

Debrucei-me, então, sobre os estudos que havia feito sobre o Caminho de Santiago Catalão e, alguns dias depois, embarcava rumo à Europa, para cumprir a minha sina.

Gratidão, Santiago, por mais essa feliz jornada!

Pouco antes de partir, confessei a um grande amigo que, dentro em breve, percorreria meu 11º Caminho de Santiago, o que o deixou estupefacto e, intrigado, me sabatinou exaustivamente, proferindo tergiversações de toda espécie.

Qual a motivação, por que tal decisão, dentre outras tantas indagações, perquiriu-me ele, enfaticamente.

Sobre a questão, acho interessante reproduzir o que redigiu sobre o assunto o insigne escritor francês Jean-Christophe Rufin, ele também, um peregrino reincidente:

“Como explicar, aos que não o viveram, que o Caminho tem como consequência, se não como virtude, fazer esquecer os motivos que levaram a segui-lo? Ele substitui a confusão e a infinidade de pensamentos que levaram a pegar a estrada pela simples evidência da caminhada. Partimos, é só. É desse modo que ele resolve o problema do porquê: pelo esquecimento. Não se sabe mais o que havia antes. Do mesmo modo que as descobertas que destroem tudo o que as precederam, a peregrinação de Compostela, tirânica, totalitária, apaga as reflexões que levaram a realizá-la.

Já se vê o que constitui a natureza profunda do Caminho. Ele não é indulgente como acreditam os que a ele não se entregaram. Ele é uma força, ele se impõe, ele agarra, violenta e molda você. Ele não lhe dá a palavra, ele o silencia. A maioria dos peregrinos está, aliás, convencida de que não decidiram nada por conta própria, mas, ao contrário, as coisas “se impuseram a eles”. Eles não pegaram o Caminho, o Caminho que os pegou. Tais afirmações, eu percebo, provocam suspeita em quem não viveu essa experiência. Eu mesmo, antes de partir, teria dado de ombros ao ouvir esse tipo de declarações. Elas cheiram a seita. Elas revoltam a razão.

No entanto, depressa constatei sua exatidão. Todas as vezes que se tratava de tomar uma decisão, eu sentia o Caminho agir poderosamente sobre mim, me convencer, para não dizer me vencer.....”

Por isso tudo, verifico que não sou diferente de ninguém, ao contrário, apenas anui ao comando do Santo Maior e, graças ao bom Deus, aportei mais uma vez à Catedral de Santiago de Compostela, sem intercorrências de qualquer espécie.

Relativamente ao Caminho de Santiago Catalão, diria que ele me surpreendeu positivamente pelos seus monumentos históricos, cidades bem cuidadas, povo hospitaleiro e por sua beleza campestre, onde as imensas culturas de cereais e frutas dão um colorido especial a paisagem.

Adeus Santiago e, se Deus permitir, um até breve...

De se ressair, ainda, sua sinalização, uma das melhores e mais completas que encontrei nos Caminhos espanhóis.

Mas, passada a euforia pela vitória, me ocorreu uma dúvida: farei jus a outras “Compostelanas”?

Por ora, somente ELE é quem sabe!

Bom Caminho a todos!

Junho/2017