20ª Jornada

20ª Jornada - Calzadilla de Tera a Cernadilla – 34 quilômetros – “Uma decisão infeliz!”

 

Pela programação feita, a jornada seria curta, pois, pernoitaríamos em Mombuey, de forma que tranqüilamente levantei-me às 6 h 30 min. 

Fizemos um café utilizando o pequeno fogareiro do Miquelle e parti juntamente com o Franco, às 7 h 15 min.

A saída da cidade foi feita ao lado das ruínas de uma igreja abandonada, erigida em homenagem às santas sevilhanas, Justa e Rufina. 

Naquele local as setas estavam confusas, de forma que perdemos um bom tempo até encontrar o rumo certo. 

É necessário descer até o asfalto para depois retornar, ao lado de um grande canal de água utilizado para irrigação, que nos acompanhou o percurso todo pelo lado esquerdo.

Efetuamos o trecho inicial com rapidez, pois, o terreno era plano e ao clarear o dia aportávamos em Olleros de Tera, um pequeníssimo “pueblo” com típicas casas de adobe, onde encontramos tudo fechado.

Na saída do povoado existem 2 sinalizações no solo: uma, segue o asfalto, indicada para ciclistas. 

E outra, prossegue em chão de terra, à direita, só para caminhantes.

Seguimos este roteiro, no entanto, após atravessarmos junto ao Santuário de Nossa Senhora de Agavanzal, as setas desapareceram. 

Naquele trecho estavam sendo feitas obras no entorno do “embalse” local, de forma que, indecisos quanto ao rumo a seguir, após fazermos  uma grande volta, retornamos, até o asfalto para, em seguida, prosseguirmos, até transpor uma ponte sobre a grande represa ali existente.

Creio, então, a fim de evitar percursos desnecessários, como ocorreu naquele dia, que o correto ao sair da cidade de Olleros de Tera e seria seguir diretamente pelo asfalto, qual seja, o mesmo roteiro indicado para aqueles que estão de “bike”.

Depois, seguimos por graciosa estradinha vicinal asfaltada, sempre bordeando o embalse, até Villar de Farfón, onde chegamos às 9 h e fizemos breve pausa para água e lanche.

O percurso a partir dali era extremamente agreste e plano, sempre entre bosques nativos, o que tornou o trajeto agradabilíssimo. 

Estava um dia claro, de céu limpo e uma leve brisa trazia fragrâncias silvestres ao nosso encontro.

Em bom e animado passo, logo adentrávamos à Rionegro del Puente, cidade onde existe um novo e excelente albergue.

Esta povoação está situada entre as serras de “la Culebra y la Cabrera” e nela se encontra o Santuário de Nossa Senhora de Carballeda, com uma interessante igreja de 3 naves.

     Neste “pueblo” de forte tradição jacobéa, existiu um hospital de peregrinos e ainda hoje conserva a “Cofraría de los Falifos”, a primeira e a mais antiga confraria dedicada ao Caminho.

Junto ao Santuário existe uma grande estátua em homenagem a Diego de Losada, fundador da cidade de Caracas (Venezuela), que nasceu neste povoado em 1.511.

Fizemos pequena pausa para lanche ao lado do rio Negro, que corta e dá nome à povoação, depois, prosseguimos mais 9 quilômetros por trilhas agrestes, localizadas dentro de enorme fazenda de gado vacum, sobre uma extensa planície. 

Nesse derradeiro tramo, o referencial são os postes de eletricidade, pois o roteiro segue sob a fiação elétrica.

Às 12 h 15 min, após percorrermos exatos 25 quilômetros, aportamos em Mombuey, nossa meta naquele dia.

Imediatamente, nós nos dirigimos até o Hostal Rapina com a intenção de conseguir as chaves do albergue local.

O proprietário disse-nos que atualmente as chaves ficavam em poder do Cura e que este passara há pouco dizendo que visitaria uma pessoa em localidade próxima, retornando somente depois das 15 h.

Sem outra opção, nós nos sentamos, pedimos lanche e vinho, e ficamos a conversar. 

Novamente Franco esparramou seus mapas na mesa a fim de estudar possíveis alternativas, como forma de melhor ocupar nosso tempo.

Descobrimos que 9 quilômetros à frente havia pequena vila, onde existia um albergue municipal com capacidade para alojar 5 pessoas, além da localidade possuir um bar e um “tienda”.

Resolvemos, então, de comum acordo, seguir em frente, pois, assim, abreviaríamos a etapa domingueira, uma decisão que mais tarde, infelizmente, se revelaria equivocada e desditosa.

Rapidamente, compramos água, acertamos as contas e seguimos em direção ao centro da povoação, passando ao lado da igreja de Nossa Senhora de Assunção, onde se destaca sua torre fortaleza de estilo templário, construída no século XIII.

Deixamos a cidade por uma estrada vicinal asfaltada e por ela seguimos sem dificuldades, passando primeiramente por Valdemerilla, depois, Cernadilla, onde chegamos às 15 h 30 min.

As chaves do albergue ficavam na residência do Alcaide, porém, ele fora auxiliar na debelação de um foco de incêndio que ameaçava atingir o município.

Postamo-nos, então, a aguardar seu retorno, sentados sob uma sombra, defronte à paróquia de Nuestra Senõra de las Candelas, construída no século XVII.

Mais tarde, ficamos muito preocupados, pois uma senhora que residia próximo dali, nos informou que o único bar existente na povoação fechara suas portas às 12 h e somente reabriria no dia seguinte. 

Da mesma forma, a única “tienda” da localidade também cerrara suas portas às 13 h e só voltaria a funcionar na segunda-feira.

Assim, quedamo-nos tensos e aborrecidos, pois ainda não havíamos almoçado e, para complicar nossa delicada situação, nada tínhamos para jantar.

Por sorte, aquela boa cidadã, Dona Vitória, condoeu-se de nosso drama. 

Primeiramente, serviu-nos refresco com bolachas, aplacando momentaneamente nossa fome. 

Depois, gratuitamente, nos doou um pão, dois gomos de lingüiça, iogurte e água, permitindo-nos fazer razoável refeição noturna.

O Prefeito finalmente chegou, cobrou 3 Euros de cada um pelo pernoite e encaminhou-nos ao “refúgio”.

Enquanto nos dirigíamos para o local, Franco conversou por celular com Miquelle convidando-o a nos fazer companhia, porém, este atrasara-se em sua jornada e decidira dormir em Mombuey.

O albergue tinha 5 tatames colocados diretamente no chão, sobre os quais nos deitamos.

E, ainda, várias mantas, que me foram muito úteis, pois, fez muito frio durante a noite.

Albergue de Cernadilla

Também, existe razoável cozinha onde pudemos fazer nosso “magro” repasto, regado a um excelente chá de maçã encontrado na despensa.

Ocorre que possivelmente o local não era utilizado há algum tempo, nem sofrera limpeza alguma, pois tudo ali cheirava à mofo, além de conter enorme camada de pó em todos os seus objetos.

Tal calamidade obrigou-nos a promover uma grande faxina em seu interior, para que ficasse razoavelmente habitável.

Mesmo assim, além da fome que me corroía as entranhas, sofri com minha rinite alérgica, possivelmente por culpa do bolor que empestava o ambiente. 

Foi, sem dúvida, a pior das noites que passei no Caminho.

 

Resumo: Tempo gasto: 8 h - Sinalização: Normal - Clima: Ensolarado, com temperatura variando entre 3 e 15 graus.

 

Impressão pessoal: Um percurso bonito, fácil e plano, com pouco asfalto depois da Mombuey. Atenção especial para a saída, após ultrapassar a cidade de Olleros de Tera, quando deve-se optar pelo asfalto, qual seja, mesmo tramo onde seguem os ciclistas. No mais, um trajeto razoavelmente arborizado, rude e bucólico.