5ª etapa – BALAGUER a TAMARITE DE LITERA – 40 quilômetros

Eu ainda não cheguei lá, mas estou mais perto do que ontem.

A etapa desse dia também seria de grande extensão e o clima persistia seco e com sol forte, após as 11 horas.

Eu teria, então, outro grande desafio a ser superado, por isso levantei às 4 h, fiz alongamentos, abluções, tomei o desjejum composto por uma banana e uma barra de chocolate, e reprisei o que fizera na jornada anterior.

Assim, às 5 h 30 min eu deixei o local de pernoite e dei início ao meu périplo do dia.

Ainda no escuro, seguindo os sinais jacobeus.

Para tanto, por uma ponte, eu atravessei o rio Segre, girei à esquerda e logo transitava pela parte velha da simpática urbe.

Estávamos numa segunda-feira e alguns automóveis e caminhões já circulavam pela rodovia que corta a cidade, mas vi pouquíssimos transeuntes se movimentando pelas ruas ventosas e geladas em que eu caminhava.

Por sinal, no frontispício de uma farmácia, um relógio digital me informava a temperatura externa de 5°C.

Eu passei ao lado da Plaza Mercadal, girei à direita e teve início uma forte ladeira.

Mais acima, eu cruzei a muralha medieval pela “Puerta del Gel” e prossegui ainda em pronunciado ascenso.

Quase um quilômetro depois, já no topo do morro, percebi que eu transpirava abundantemente, o que foi bom, pois esse esforço inicial, de grandes proporções, ajudou a aquecer meu corpo, definitivamente.

Tudo ainda muito escuro. Caminhando sob um céu cravejado de estrelas.

Após transitar alguns metros em asfalto, acabou a iluminação urbana e, com a lanterna de mão acesa, acessei uma estrada larga de terra batida, situada entre grandes plantações de trigo.

O céu se encontrava cravejado de estrelas e uma lua, na fase quarto crescente, brilhava à minha frente.

Eu estava integralmente solitário naquela imensidão sem fim, mas me sentia um privilegiado.

Quantos não dariam os dedos da mão para estar no meu lugar?

O dia ainda demoraria para clarear, de forma que segui professando minhas orações matutinas e pensando em minha família no Brasil.

Lentamente, o céu foi mudando o seu tom para azul e logo o sol apareceu.

Oito quilômetros percorridos sem muito esforço, por caminhos planos, adentrei no povoado de Castelló de Farfanya, que possui 558 habitantes.

Chegando em Castelló de Farfanya, dia ainda nublado.

Nessa localidade existia um castelo edificado no século XII, que atualmente se encontra em ruínas.

Dele só restam os vestígios das quatro torres defensivas e de outras utilizadas para observação.

Segundo o guia que eu portava, essa pequena povoação tem prédios importantes e históricos em seu “casco viejo”, porém o traçado do caminho passa ao largo dele.

O castelo aparece no cimo de um morro, em frente à igreja matriz do povoado.

Na verdade, eu transitei por 2 ruas em ascendência, integralmente vazias naquele horário, e logo estava de volta ao campo.

E, concomitantemente, voltei a caminhar entre imensos trigais, a perder de vista.

De volta à trilha silenciosa... Sinalização, excelente!

O caminho ondulante me permitia dominar o horizonte, em toda a sua extensão.

Do meu lado esquerdo, a uns 400 metros de distância, eu podia avistar a rodovia que seguia paralela ao roteiro por onde eu caminhava.

E do meu lado direito, a uns 300 metros, estava perfeitamente delineada a Sierra Llarga, coberta integralmente por uma plantação de pinheiros.

A Sierra Llarga me acompanha pelo lado direito.

O trajeto seguiu fresco, agradável e quase não percebi o tempo passar, tão exuberante era a paisagem que me circundava.

Gradativamente fui me aproximando da civilização e após caminhar mais 9 quilômetros, transitei pela simpática cidade de Algerri.

Quase chegando em Algerri. No morro, à direita, ruínas de um castelo.

No cume da colina onde está assentada a povoação, se encontram as ruínas do castelo de Algerri, que aparece citado num documento de 1105, quando a cidade ainda se encontrava em poder dos muçulmanos.

Não se sabe exatamente quando ele foi conquistado, contudo, algumas fontes datam como o ano de 1115, embora outros historiadores considerem que ele tenha passado às mãos dos cristãos em 1130.

Durante o século XVI, a vila se viu afetada em diversas ocasiões por epidemias de peste.

Em meados do século XIX ela cresceu e acabou por se incorporar ao município de La Figuera.

Ao fundo, a igreja matriz de Algerri.

Na igreja matriz de Santa Maria, construída em estilo gótico e reformada durante o século XVIII, destaca-se sua bonita fachada em estilo barroco.

Também é de interesse a Casa Escolá, um edifício singular, de estilo neoclássico, construído ao final do século XVIII.

População atual: 495 habitantes.

Eu transitei rapidamente pela pequena vila, já que o traçado do caminho passa longe de seu centro velho.

De qualquer maneira, mesmo à distância, eu consegui fotografar a igreja matriz da cidade, dedicada à Santa Maria.

O roteiro seguiu à esquerda e logo eu estava caminhando pelo acostamento da rodovia que segue em direção a Alfarrás, para onde eu me dirigia.

Logo passei diante do Hostal Terraferma e num bar ao lado, entrei para tomar um café e ingerir um croissant.

Na saída, uma dor que eu sentia no pé direito já a algum tempo na jornada, tornou-se insuportável e aproveitando a estrutura do local onde me encontrava, descalcei botas e meias e verifiquei que uma bolha surgira em meu dedinho do pé direito.

Rapidamente a furei e o sangue ali contido se esvaiu, diminuindo a pressão no local.

Em seguida, passei um creme antisséptico, cobri a lesão com gaze e esparadrapo, ingeri um analgésico e calcei novamente as meias e botas.

Embora a dor persistisse, era perfeitamente suportável.

À noite, depois do banho, novamente fiz outra demorada limpeza no local e na manhã seguinte o dedinho amanheceu bem menos dolorido, quase curado.

E eu fiquei surpreso com a rápida cicatrização que meu corpo proporcionava a esses males.

Creio, ainda, que as duas garrafas de vinho que eu ingeria todo dia, uma no almoço e a outra no jantar, concorriam decisivamente para auxiliar nesse mister.

Bem, prosseguindo, caminhei algum tempo sobre piso duro, mas logo adentrei à esquerda num caminho de terra, que seguiu indefinidamente entre imensos trigais.

Em determinados locais, a flor amapola dava um toque festivo e alegre ao meu caminho.

Caminho plano e pleno de muito verde.

Três quilômetros à frente, por uma ponte metálica eu cruzei o Canal de Alfarrás-Balaguer.

Na sequência, girei à direita e prossegui sobre asfalto, ao lado do canal.

Caminhando ao lado do Canal de Alfarrás-Balaguer.

Um técnico agrícola fazia inspeções no local e lhe perguntei sobre o cereal que estava sendo cultivado do meu lado esquerdo, cuja plantação se estendia por quilômetros à minha frente.

Ele me clarificou que se tratava de “guisantes” e, após os devidos esclarecimentos e descrições, compreendi se tratar de ervilhas.

Quase no final da estrada, a paisagem se modificou e caminhei um bom tempo ao lado de uma imensa plantação de pessegueiros.

Por uma ponte, ultrapassando o rio Noguera Ribagorçana.

Mais à frente, acabei por retornar à rodovia e sobre ela, por uma ponte, eu cruzei o importante rio Noguera Ribagorçana.

Prossegui caminhando em zona urbana e logo adentrava à cidade de Alfarrás que, com seus 3.300 habitantes, esbanja modernidade nos edifícios instalados na sua parte nova e em expansão.

Porquanto, em seu casco velho se encontra o famoso “Moli de la Farinha”, de origem medieval.

Porém o traçado do caminho passa ao largo dele e por isso não pude fotografar sua igreja matriz, dedicada à Sant Pere.

O sol já brilhava forte, num céu azul e sem nuvens.

Alfarrás, uma cidade progressista.

Assim, entrei numa pequena “tienda” para adquirir uma garrafa de água e, mais adiante, em um banco instalado numa pracinha, parei para renovar meu protetor solar e ingerir uma banana.

Até ali eu já havia caminhado 26 quilômetros e ainda me restavam outros 14 até o meu destino final.

Novamente refeito, segui caminhando pelo acostamento existente à beira da rodovia por mais dois quilômetros, num trajeto ascendente e perigoso, pois encontrei expressivo tráfego de veículos nesse trecho que não contém acostamento.

Mais acima, eu transitei sob o Canal de Catalunha e Aragón que passa por um viaduto localizado sobre a “carretera” e, concomitantemente, eu deixei a Província da Catalunha para adentrar na de Aragón.

Pode parecer pouco crível, mas o Canal de Água de Catalunha e Aragón passa sobre a rodovia, nesse viaduto em frente.

Duzentos metros adiante, as flechas me encaminharam para uma estrada de terra, bastante empoeirada, por onde segui tranquilo e solitário.

Na primeira parte do trajeto, encontrei imensos espaços recentemente arados e prontos para a semeadura.

Depois se iniciaram imensas plantações de pessegueiros, a tônica nessa área específica.

Posteriormente, retornaram os trigais.

Locais belíssimos, mas sem sombras.

O trajeto seguiu silencioso e ermo, porém não encontrei sombra em nenhum local ao longo desse trajeto.

Na verdade, bosques ali não existem, pois todos os espaços foram utilizados para a plantação de cereais ou pés de fruta.

Uma plantação de pessegueiros, logo adiante.

A estrada, quase sempre reta e plana, oscilava em ascensos e descensos, levemente, em determinados trechos.

Trecho florido...

Porém, no global, a monotonia era a tônica, de maneira que novamente utilizei os fones de ouvido instalados em meu radinho de pilhas para ouvir música.

Em determinado local, ainda muito longe da civilização, passei diante da Capela de São Roque, que foi construída nesse local em 1541.

Porém, antes disso, havia outra capela no local, cuja edificação tem data imprecisa.

Ao longe, a capela de São Roque. Do labo direito, a Sabina Milenária.

Ao lado do templo há uma árvore de idade emblemática, uma sabina albar.

Os estudos feitos por especialistas dizem que ela pode ter mais de 2.000 anos de idade.

Placa explicativa existente no local.

Prosseguindo, logo avistei a povoação para onde eu me dirigia, encarapitada no cimo de um morro.

Mas demorei ainda bastante tempo para atingir o perímetro urbano, sendo que a parte final foi em duro ascenso.

Curiosamente, apesar de ser uma segunda-feira, dia normal de trabalho, encontrei pessoas passeando pelas praças e algumas bebendo em mesas alocadas em frente a bares.

Coisa difícil de entender, mas a proprietária do Hostal Casa Galindo, onde me hospedei nesse dia, explicou-me que estávamos num feriado na Província de Aragón, naquela data, pela festa de sua padroeira.

Ali paguei 35 Euros por um excelente quarto individual.

Eu me encontrava cansado e faminto, assim, depois da necessária lavagem das roupas fui almoçar no único restaurante aberto na cidade, onde paguei 13 Euros por um supimpa “menú del dia”.

Depois, merecidamente, deitei para descansar.

Uma das praças de Tamarite de Litera.

A data de fundação de Tamarite de Litera é indeterminada, porém os numerosos vestígios encontrados em seu município fazem acreditar que data da época íbera.

Os ilergetes, primeiros habitantes do povoado, sucumbiram (como grande parte da península ibérica) à ocupação romana.

No declínio do império romano, o povoado passaria ao domínio dos invasores visigodos, para cair logo em poder dos muçulmanos em 714.

Começada a reconquista, Sancho Ramírez conseguiu tomar a povoação em 1064, perdendo-a dois anos depois.

Tamarite só seria definitivamente reconquistada para Aragón em 1149, por Pedro de Estopiñán. 

Prédio que abriga a Prefeitura Municipal de Tamarite de Litera.

Durante a Idade Média a cidade foi um dos mais importantes núcleos do reino, sendo que, em 1408, Martín I “El Humano”, lhe legou o título de cidade, por carta real.

Ela é a primeira cidade da Comunidade de Aragón e sua população é muito hospitaleira com os peregrinos, tendo a prefeitura sinalizado com indicadores verticais o itinerário jacobeu dentro da cidade.

Sua igreja matriz de Santa Maria de Maior, séculos XII-XIII, é românica, com transição para o barroco.

A igreja matriz de Tamarite de Litera.

Fora do casco velho, situa-se a Casa Consistorial (Ayuntamiento), um edifício de estilo aragonês, recentemente restaurado.

Em 1834 se concedeu por cédula Real a construção do chamado Canal de Tamarite. 

Este canal utilizaria a água dos rios Ésera e rio Cinca para regar 104.000 hectares. 

A proposta inicial era de um canal que terminaria em Tamarite, porém o projeto acabaria se prolongando para regar terras na Catalunha e seu nome foi trocado para o atual Canal de Aragón e Catalunha.

Foi construído graças aos esforços do político Joaquín Costa.

Houve vários atrasos que fizeram o início da obra se arrastar durante décadas.

População atual: 3.700 habitantes

Soberbo calçadão, em Tamarite de Litera.

Depois de uma soneca reparadora, saí passear e fotografar a pequena localidade, que me impressionou pela beleza e limpeza de suas ruas e praças.

Aproveitei, ainda, para visitar sua igreja matriz e verificar cuidadosamente o local por onde eu deixaria a cidade na manhã seguinte.

Meu amigo Tony adentrando ao Albergue de Tamarite de Litera.

Por sorte, encontrei um supermercado aberto e quando para lá me dirigia encontrei com o peregrino Tony, que chegava naquele horário, e o acompanhei até o albergue municipal, onde ele se hospedaria.

Como de praxe, o reencontro de dois irmãos peregrinos é sempre uma festa à parte e conosco não foi diferente.

Assim, trocamos informações do trajeto vencido naquele dia, checamos nossos cronogramas de viagem e combinamos de nos encontrar na cidade de Monzón, nossa meta para a jornada sequente.

CONCLUSÃO PESSOAL: Uma etapa de grande extensão e razoável dificuldade, agravada pelo forte calor reinante, após as 11 horas. Por sorte, salvo raras exceções, o percurso foi todo trilhado sobre terra. O trecho final foi extremamente agradável, plano e arejado, contudo percorrido sob sol ardente, por locais onde não encontrei sombras de qualquer espécie. No global, outra jornada difícil, onde precisei me superar para cumprir a meta daquele dia.

06ª etapa – TAMARITE DE LITERA a MONZÓN- 23 quilômetros