Oitava Etapa -BORDA DA MATA (MG) a ESTIVA (MG) – 39 quilômetros

A simpática cidade de "Tócos de Mogi"

Na praça de Estiva/MG

A cidade de Estiva no Horizonte

Era domingo e, às 4 h 30 m, iniciei, como sempre, a minha silenciosa preparação de partida. 

O dia estava nublado, frio e com espessa neblina quando deixei o hotel, exatamente às 5 h da manhã.

Na praça principal, em frente à igreja matriz, os feirantes, prudentemente agasalhados, montavam suas barracas para o comércio do dia.

Depois de seguir uma rua em razoável subida, deixei a cidade para adentrar a larga estrada de terra, ainda bastante molhada pela chuva do dia anterior. 

Com a lanterna na mão, prossegui caminhando, em ritmo uniforme, por um longo planalto levemente ascendente, em meio a inúmeras chácaras.

Por volta das 7 h, no Bairro das Palmas, 8 quilômetros à frente, iniciou-se uma longa subida.

Após uns 2 quilômetros, numa casa desabitada, já no Sítio do Teca, visualizei uma tabuleta, escrita à mão, oferecendo água potável. 

Ante dádiva tentadora, não resisti e fiz uma pausa para me hidratar, aproveitando, também, para completar minha garrafa d’água.

Ao retornar à trilha, visualizei outra placa colocada defronte ao local, informando que restavam 9 quilômetros até Tócos do Mogi. 

Em seguida, após atravessar uma porteira, iniciou-se penosa e inclinada ladeira: estava eu escalando a escarpada Serra do Jacu.

Meia hora depois, já no seu topo, a 1.188 metros de altitude, pude contemplar um mar de morros ao meu redor, conjuntamente, com uma visão extasiante e privilegiada de toda a região.

Em seguida, literalmente, despenquei em direção a um riacho encachoeirado, por onde segui, tendo-o sempre à minha direita, em meio à belíssima paisagem. Ali está localizado o Bairro Capinzal, onde as propriedades rurais se dedicam, basicamente, à produção de morangos e criação de gado.

Numa bifurcação abaixo, seguindo as flechas, fleti à esquerda e enfrentei mais uma vigorosa ascensão. 

Após atingir seu apogeu, iniciei rápido e, mais à frente, gradual e contínuo descenso, culminando com a transposição do Rio Mogi-Guaçu e chegada a Tócos do Moji, exatamente às 9 h da manhã.

O núcleo inicial dessa cidade surgiu aproximadamente no ano de 1.870, com a chegada dos primeiros habitantes. 

A esta localidade deram o nome de Mogy dos Tócos numa singela referência ao rio Mogi-Guaçu que a banha.

Em 1.917 foi erguida a primeira capela a N. Sra. Aparecida, e em 1.995 criou-se o município de Tócos do Moji. Situado numa altitude de 1.050 metros, conta atualmente com 3.830 habitantes.

Seguindo as flechas indicativas, aportei à Pousada do Peregrino, onde minha credencial foi carimbada pelo Sr. Antonio, marido de Dona Terezinha, a proprietária do estabelecimento, que como todo bom mineiro, atendeu-me com extrema lhaneza, inclusive, ofereceu-me água e café.

Depois fiz um breve descanso na pracinha da cidade, bastante movimentada àquela hora, e aproveitei a pausa para lanchar. Animado e refortalecido, preparei-me para seguir em frente.

No entanto, não imaginava a rispidez do trajeto com o qual iria me defrontar, caso soubesse teria aguardado o dia seguinte para concluir a etapa.

O dia estava radioso e o sol já oprimia com rigor, quando, após uns 2 quilômetros de caminhada, iniciou-se longa e escarpada ladeira, e no seu ápice, a 1.323 m, encontrava-me na 4ª maior altitude de todo o Caminho. Depois, a estrada segue em incessante descenso, em meio a muitas árvores.

Um trator vinha à retaguarda, e, logo, me alcançou. Seu condutor, um senhor alegre e brincalhão, gentilmente ofereceu-me carona até a vila próxima. 

Educadamente recusei, explicando-lhe que não fazia parte das minhas intenções utilizar-me de qualquer meio de transporte, a não ser minhas pernas, para me levar à Aparecida.

Ele diminui a velocidade da máquina, assim pudemos seguir no mesmo ritmo por um bom tempo, conversando amenidades. 

Enquanto caminhava, sucediam-se, à minha volta, grandes plantações de morangos e inúmeras fazendas de criação de gado. Visualizei, também, inúmeros capões de mato, integralmente preservados, sobretudo nas encostas das serras.

Logo abaixo, num campo demarcado à beira da estrada, parei alguns instantes para acompanhar alguns lances de uma renhida partida de futebol que acontecia entre duas equipes da região.

Alguns minutos mais tarde, exatamente às 11 h, cruzei o distrito de Fazenda Velha, que embora esteja situado a, apenas, 9 quilômetros de Tócos, pertence ao município de Estiva. A pequena povoação possui 2 igrejas, conta com alguns bares e armazéns, e estava bastante movimentada e barulhenta naquela hora do dia, por ser um prazeroso domingo.

Mais à frente, numa bifurcação, prossegui por uma via secundária à esquerda, e após vencer aguda ladeira, do topo, a 1.300 m de altitude, pude apreciar extasiado um lindo e profundo vale desenhado a minha frente.

Foi, talvez, pela perfeição e harmonia das formas que se delineavam no horizonte, uma das lembranças visuais mais imorredouras de todo o Caminho, a qual guardo em minha mente.

Depois disso, precipitei-me, literalmente, ladeira abaixo. A descida é extremamente inclinada e abrupta, sucedendo que os dedos dos pés tocavam a ponta das botas, magoando sensivelmente minhas doloridas unhas.

Em algumas curvas, o traçado é tão obtuso que, para melhor prover a segurança dos motoristas, o terreno foi calçado com bloquetes de cimento, evitando-se assim, que os veículos derrapem ou resvalem em época de chuvas.

Já embaixo, no bairro conhecido como Pântano dos Teodoros, encontrei um barzinho repleto de jovens. Ali, comprei suco e água e fiquei sabendo pelo Sr. Anderson, proprietário do estabelecimento, que ainda estava distante 8 quilômetros de meu destino.

A subida para travessia de outra serra, levou-me, de 900 m, onde eu me achava, rapidamente, a escalar violenta rampa, até alcançar a altitude de 1.200 m. Foi, possivelmente, em face do adiantado da hora, bem como pelo cansaço acumulado durante aquela etapa, o trecho de maior dificuldade que enfrentei em toda a minha jornada.

Enquanto demandava o topo da serra, arfante e com o coração a palpitar em ritmo acelerado, lembrei-me do diálogo que travara com o Pokinha de Estiva, no dia anterior, quando, então, eu telefonara para reservar acomodação em sua Pousada.

Ao tomar conhecimento da trajetória que eu pretendia envidar, exclamara, preocupado: Você conhece nossa região? Tem noção dos obstáculos que necessitará subjugar para chegar até aqui?

Redargüi que não detinha muitas informações sobre o relevo topográfico daquele percurso, entretanto, não estava preocupado, vez já havia superado desafios do mesmo naipe, e, também, porque confiava demais em meu condicionamento físico e mental. 

Mesmo assim, inquieto e apreensivo, havia me advertido sobre a jornada que seria excessivamente longa, penosa e desgastante.

Suas assertivas, explanadas com veemência e preocupação, tiveram o condão de me deixar intrigado e pensativo. 

Agora, enquanto transpirava em abundância já próximo à cabeceira da serra, entendia todo seu denodo e desassossego, ao alertar-me sobre as barreiras naturais a serem superadas no trajeto.

Do cume do morro pude, enfim, avistar a cidade de Estiva, ao longe, a uma distância de 6 quilômetros. Mergulhei novamente em tresloucado declive até atingir, no planalto, o Bairro da Olaria.

Num concorrido barzinho, aproveitei para comprar uma barra de chocolate e, depois, precisei vencer outra longa e acentuada ladeira, para, finalmente, às 15 h, adentrar o perímetro urbano, pela rua que abriga a Estação de Tratamento de Água da cidade.

Estiva é conhecida, também, como a “Terra do Morango”, pois é a maior produtora deste fruto em todo o país. 

Conta atualmente com 11.500 habitantes, situando-se a 872 m de altitude. O Pico do Carapuça, símbolo marcante da cidade, possui um visual especial de toda a região, sendo local de lazer da comunidade que o visita para acampar.

Merece destaque a igreja matriz, construída em estilo moderno e inovador, com belos e translúcidos vitrais em todo seu entorno. Um serviço de alto-falantes instalado pela paróquia ao redor do templo propaga música sacra o dia todo.

Uma delas chamou-me especialmente a atenção: foi quando, emocionado, ouvi a “Ave Maria de Gounoud”, sendo executada às 18 h. 

Nesse momento os sinos badalavam anunciando a missa vespertina, enquanto o sol se recolhia, placidamente, no poente.

Na cidade, fiquei hospedado na Pousada do Poka, onde os apartamentos são novos e bem equipados. 

O estabelecimento situa-se defronte a praça central, sobre uma padaria. 

A Zezé, esposa do Pokinha, um encanto de pessoa, merece ser lembrada pela extrema cortesia e carinho com que acolhe a todos que ali se hospedam.

Ao ver o estado lastimoso em que se encontram minhas unhas inferiores, rapidamente providenciou uma bacia com salmoura quente, para que eu as mergulhasse e fizesse a assepsia dos pés, com o fito de amenizar as dores que sentia naquela região.

Para fazer minhas refeições, utilizei os serviços do Nelio’s - Bar e Restaurante, um ambiente bastante simples, mas onde a comida tem bom preço e é farta, além de ser preparada com extremo capricho.

AVALIAÇÃO PESSOAL:

Foi a etapa mais difícil que vivenciei no Caminho, não tanto pela primeira travessia, mas, principalmente, pelo fascinante e temido trecho entre Tócos e Estiva. Este sim, para mim, o percurso com maior grau de dificuldade que encontrei em toda a jornada. Recomendo aos que pretendem desafiá-lo, que seja trilhado em separado, pela rudeza do percurso a ser enfrentado, em razão da necessidade de se transpor 4 duríssimas serras, em seqüência. Há que se ressaltar, entretanto, a beleza incomum das paisagens com que somos brindados durante todo o trajeto em comento.