12ª etapa: ESTIVA à PARAISÓPOLIS – 42 quilômetros

12ª etapa: ESTIVA à PARAISÓPOLIS – 42 quilômetros

"Nem eu nem ninguém pode viajar essa estrada por você. Você deve atravessá-la sozinho" (Walt Whitman)

 

O sábado afigurava-se novamente difícil, pois eu tinha a intenção de pernoitar em Paraisópolis, no entanto, como a chuva cessara de vez, o dia prometia ser novamente brilhante e calorento.

Ademais, o esforço dispendido na jornada anterior, somado às bolhas ganhas naquele percurso, poderiam fazer a diferença, assim, me preparei para conseguir aportar, primeiramente, em Consolação, depois eu decidiria se prosseguiria adiante ou não.

Assim, como o sol apareceria ao redor das 5 h 30 min, deixei a Pousada do Poka às 5 h 15 min, seguindo por ruas silenciosas, onde um vento provindo do norte deixava tudo frio ao meu redor.

Mais acima eu atravessei a rodovia Fernão Dias pela passarela, acessei uma larga estrada de terra e segui confiante e animado em direção ao meu objetivo.

Logo ultrapassei o rio Itaí, passei pelo bairro rural Boa Vista, e após vencer mais dois quilômetros em lenta ascensão, aportei às faldas da temida serra do Caçador.

Até aquele patamar o dia se mantinha frio e neblinoso, deixando o entorno por onde caminhava envolvido em forte cerração, sinal de que o sol viria crestante, mais tarde.

Como já conhecido, nesta parte de Minas o relevo é rude e acidentado, exigindo esforço e determinação do caminhante.

Prossegui observando o cultivo do morango em larga escala, além de hortaliças e criação de gado de leite.

E, por conta disso, pude ver em vários locais, o caminhão que recolhe o produto da ordenha, que lá nominados como "caminhão de leite".

Por sorte, em face da chuva recente, não havia poeira na estrada.

Na verdade, eu caminhava por um cenário de primavera, porque a paisagem se tornava mais verde à medida que eu ascendia a montanha.

Podia, pelo outro lado, divisar os contornos da serra imersa em brumas, que se dissiparam com o raiar ainda incerto do dia.

Com relação à altitude, deixei Estiva a 944 metros, iniciei uma subida longa e perene da encosta da montanha, atingindo 1.300 metros, em seu ponto culminante.

Antes, passei novamente pelo local que assinala onde ocorreu o “acidente” com o peregrino Luiz Fernando Marques, que faleceu em 03 de abril de 2.010.

Estava eu no bairro Caçador, um local de clima ameno, vegetação densa e luxuriante, com paisagens de belezas indescritíveis.

Caminhei aproximadamente 5 quilômetros pelo topo da serra, sempre em meio a grandes fazendas de gado leiteiro, extensas plantações de milho, e alguns cafezais.

Nesse trajeto, visualizei incontáveis pés de araucárias, também chamada de pinheiro-brasileiro.

São enormes e majestosas árvores que proliferam com facilidade em regiões onde preponderam temperaturas amenas.

Depois de ultrapassar um bosquejo, por volta das 8 h, iniciei desabalado descenso. 

Numa das curvas, em vertiginosa descida, avistei a cidade de Consolação, mas ainda me restava 5 quilômetros para lá aportar.

Já, no planalto, em uma bifurcação, encontrei uma placa indicando a cidade de Cambuí à direita.

Fleti, então, à esquerda, e logo abaixo, continuei a caminhar, agora por larga e movimentada estrada de terra, que passava defronte à Fábrica Artesanal de Polvilho, uma grande e esparramada construção, pintada em azul e branco.

Algum tempo depois, alcançava a área urbana.

Meu relógio assinalava 9 h 30 min, o dia persistia fresco e eu não me sentia desgastado.

Ainda assim, parei num bar próximo da pracinha central da cidade, para ingerir um Gatorade e aproveitar para verificar como estava se comportando meu pé esquerdo.

Enquanto retirava a meia para refazer as ataduras protetoras, colocadas sobre as bolhas, um senhor simpático sentou-se próximo, puxou assunto e ficamos a dialogar amenidades.

O Sr. Júlio conversa com os caminhantes que por ali transitam, desde fevereiro de 2.003, quando o Caminho da Fé foi inaugurado.

Assim, conhece várias histórias e fatos relacionados com peregrinos, alguns dos quais me contou, enquanto eu me preparava para dar continuidade à caminhada.

Uma das mais interessantes e hilárias que ouvi, foi esta:

 

“Duas andarilhas paulistanas, bastante franzinas e com mais de 50 anos de idade, ao passar próximo de uma manada de gado bovino, ficaram assustadas, porque o rebanho começou a segui-las.

Na verdade, tratava-se de gado nelore, um animal extremamente curioso, por isso a razão do assédio.

Elas, com medo e apavoradas, começaram a correr, e a boiada desembestou atrás.

Para encurtar a história, um fazendeiro que estava passando com seu trator pela estrada, ouviu os gritos desesperados das peregrinas pedindo socorro.

Verificou, então, que próximo dali existia um rancho de madeira, utilizado como proteção para um cocho, onde era colocado sal para o gado.

Algo bastante comum nas grandes pastagens.

Pois bem, a boiada estava deitada ao redor do local, e as “moças” sentadas no teto do abrigo.

Para conseguir resgatá-las, o motorista precisou estacionar seu veículo junto a lateral da construção, para que elas descessem pelo teto da máquina.

O interessante é que nenhuma das duas lembrava-se como havia conseguido escalar aquele refúgio, vez que não havia ponto de apoio para os pés e a cobertura estava posicionada à razoável altura.

Não se esquecendo, ainda, que haviam praticado tal ato, com pesadas mochilas nas costas.

Um fato insólito que, talvez, somente a fé em Nossa Senhora Aparecida consiga explicar.”

 

Bem disposto e hidratado, após despedidas fraternas, prossegui em meu périplo.

Para tanto, passei ao lado da igreja dedicada à Nossa Senhora da Consolação e principiei a descer, até chegar em asfalto, por onde caminhei quatro quilômetros, antes de adentrar definitivamente em terra.

Esse caminho já era meu velho conhecido, assim segui transpondo primeiramente a divisa dos municípios, para adentrar no de Paraisópolis.

Na sequência, eu transitei pelo bairro dos Jacintos, depois pelo de Pedra Branca.

O sol já queimava para valer, brilhando forte num céu azul e sem nuvens.

Assim, defronte à igrejinha que existe nesse bairro, eu fiz uma parada necessária para hidratação e reposição do protetor solar.

Andei um bom tempo numa estrada larga, tendo a me ladear pelo lado esquerdo uma belíssima serra, integralmente verde e matosa.

Depois, adentrei à direita, numa larga estrada de terra, e enfrentei grandes estirões, entremeados com aclives e declives, mais íngremes que amenos.

Quando passava diante de um sítio situado à esquerda do caminho, seu proprietário, o Sr. Ambrósio, chegava de motocicleta e parou para me cumprimentar.

Muito gentil, me convidou para adentrar em sua casa e tomar um café porque, conforme afirmou, o adiantado da hora, quase meio dia, impunha algo para forrar o estômago.

Agradeci vivamente sua oferenda, porquanto pouco tempo antes eu ingerira uma barra de chocolate e estava bem fornido.

No entanto, aceitei o convite para sorver um copo de água gelada.

Enquanto saciava minha sede, indaguei-lhe sobre o tamanho de sua propriedade.

- Estou perto de 80 alqueires, respondeu-me cortês.

Entendi aquilo como uma metragem excelente para os padrões mineiros.

- Isto mesmo, acresceu ele; estou ao lado de uma herdade que tem 80 alqueires.

Na realidade, o meu sítio tem só 5 alqueires!

Disse e desatou a rir.

No que lhe acompanhei um tanto contrafeito e surpreso pela inusitada “pegadinha”.

Muito solícito, perguntou se eu necessitava de ajuda ou algo a mais, para conseguir aportar ao meu destino, vez que se impressionou quando lhe disse que eu vinha caminhando desde Estiva.

Após fraternas despedidas e votos de “Vá com Deus” e “Que Nossa Senhora Aparecida lhe guarde e proteja”, eu segui adiante e logo abaixo, pude avistar novamente, pelo meu lado direito, a enigmática Pedra do Baú.

Por derradeiro, precisei vencer outra íngreme ladeira e, quando no topo, encontrei o calçamento urbano e, em seguida, alcancei 2 peregrinos: o Joy (paulistano) e o Paulo Sorriso, do Balneário Camboriú.

Surpresos pela minha presença, contaram que haviam saído de Consolação e, que, como eu, iriam pernoitar na cidade.

Tranquilamente, colocando os fatos em dia, seguimos em direção à Pousada da Praça, contudo quando lá chegamos, tivemos uma grande decepção, pois soubemos que não havia vagas.

Vez que todos os apartamentos haviam sido alugados para os convidados de um casamento que se realizaria à tarde.

Decepcionados, atravessamos a praça fronteiriça à igreja matriz e nos hospedamos no Hotel Central, que, após sofrer uma grande reforma, atualmente disponibiliza excelentes instalações para os peregrinos, a bom preço.

Eu me encontrava bastante desgastado, porém depois de um reconfortante banho e uma severa hidratação, saí para almoçar e o fiz na Cantina Mineira, localizada no entorno da praça central da cidade.

Depois, descansei toda a tarde, além de lavar roupas e escrever meu diário.

 

Paraíso, como a cidade é chamada, faz jus ao seu nome, pois está situada entre montanhas e rios, onde a natureza é belíssima, com cachoeiras e muito verde. 

Oferece várias opções de passeios, como “rafting”, “bóia-cross”, rapel e vôo livre.

O povoado teve início no ano de 1.820 e sua história tem assento no ciclo do café.

É, ainda, uma região cafeeira e conta com fazendas centenárias, onde é possível o turismo rural.

Ela possui atualmente 20 mil habitantes, e está situada numa altitude média de 1.090 metros.

A cidade, a mais bonita que vi em todo o trajeto, pareceu-me um presépio, com todas as casas pintadas recentemente, e em cores vistosas e alegres.

O povo é educado e atencioso, isto se percebe ao caminhar pelas ruas, extremamente limpas e sem resquícios de pichações.

Passeei, também, por um calçadão central, local bastante movimentado e aprazível, que serve de ponto de encontro aos estudantes locais e aos aposentados.

Nesse percurso, entrei no mercado municipal, uma construção bem antiga, mas que foi reformado, onde se vende de tudo um pouco.

A curiosidade é que, nos fundos desse local, existem inúmeras pastelarias, o que, à primeira vista, parece estranho.

Ocorre que Paraisópolis é considerada também a "Capital do Pastel", e vem gente de toda a região experimentar este pitéu, tamanho a sua fama.

Tanto que a “Festa do Pastel” faz parte do calendário turístico do Município.

Esta famosa massa de farinha de trigo recheada é tão consumida ali quanto o torresmo da Dona Sebastiana, mas esta é outra história.

 

Quando o sol amainou, fui navegar na internet, depois me provi de víveres num supermercado.

Não sou fá de açúcar, porém por sugestão do atendente do hotel, o Sr. Nilton, fui até uma padaria próxima para adquirir um doce típico da cidade, segundo ele, um dos melhores e mais saborosos que conhece.

Corisco, o nome do acepipe, é uma massa de broa de milho, enrolada em folha de bananeira, formando um roliço de 6 cm de diâmetro por 30 cm de comprimento, assado em forno de lenha.

Uma delícia que recomendo, pois foi curtido vagarosamente pelo resto da tarde, o que acabou por inibir meu jantar.

Assim que anoiteceu, o clima esfriou repentinamente, o que encorajou a me recolher cedo.

Peregrinos amigos Paulo Sorriso e Joy

Quanto aos outros dois peregrinos, o Paulo e Joy, eles me afirmaram que no dia seguinte pernoitariam em Luminosa, na Pousada de Dona Ditinha.

Inclusive, por ser uma jornada bastante tranquila, iriam aguardar o café da manhã e sair após às 7 h.

Mas eu pretendia, como de praxe, sair cedinho, assim, despedi-me deles, inferindo que não os veria mais.

Posto que, minha jornada seria um pouco diferente daquela por eles idealizado, vez que tinha intenção de chegar até a Pousada de Dona Inês, no alto da serra.

Já que, agindo dessa forma, acresceria um facilitador para o dia imediato, quando pretendia seguir diretamente para Campos do Jordão sem pernoitar na Pousada do Márcio, no bairro Campista.

 

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma etapa bastante longa, com alguns acidentes geográficos importantes, como a escalada da Serra do Caçador. Todavia, de extrema beleza, a começar pela travessia no topo da cordilheira. A última parte do trajeto, após o bairro da Pedra Branca, por ser desabitada e solitária, propicia, também, momentos de intensa introspecção pessoal, além de sublime comunhão com a deslumbrante natureza viva que nos rodeia.

13ª etapa: PARAISÓPOLIS à LUMINOSA – 24 quilômetros