2022 – CAMINHOS DE CARAVAGGIO – CANELA a FARROUPILHA – 200 quilômetros


No momento em que decidimos nos engajar de verdade, também se põe a providência em movimento. Todos os tipos de eventos intervêm a nosso favor, situações que de outra forma nunca teriam ocorrido, coincidências inesperadas, encontros e ajuda material que nunca teríamos sonhado encontrar.” (Goethe)

Os “Caminhos de Caravaggio”, recentemente implementado, passa pelos municípios de Canela, Gramado, Nova Petrópolis, Caxias do Sul e Farroupilha, num trajeto de, aproximadamente, 200 quilômetros de extensão.


Para percorrê-lo com segurança é importante ler todas as dicas e orientações insertas no “Guia do Peregrino” e, também, estudar com atenção os mapas, distâncias e gráficos, posto que entender bem cada passo do percurso é a melhor forma de aproveitar tudo o que essa grande experiência tem a oferecer.


Foi com o propósito de conhecer esse novel roteiro que viajei ao Rio Grande do Sul e um pouco do que lá vi, ouvi e vivenciei, conto abaixo, sucintamente, em forma de diário.

No Santuário de Caravaggio, em Canela/RS, pedindo proteção a Santa antes de partir para o Caminho.

1º dia: SANTUÁRIO DE CARAVAGGIO (CANELA) a CANELA – 8 quilômetros


Para acessar esse roteiro, eu embarquei em um avião da Azul que, depois de 2 horas de voo, me deixou no aeroporto de Caxias do Sul/RS.


Na sequência, eu embarquei num táxi, que me levou até o Centro Turístico de Canela/RS, onde recebi o Passaporte do Caminho de Caravaggio já carimbado, depois, segui até o Santuário de Caravaggio, localizado no Parque do Saiqui, que se encontra edificado no cimo de um outeiro, onde eu apeei.


Então, após profícua visita ao local onde se encontra fixada a imagem da Santa, por sinal, de expressiva beleza, eu recebi outro carimbo no Passaporte, fiz algumas fotos do local e, depois, compenetrado, dei início à minha peregrinação que, após 8 quilômetros percorridos, me levou de volta ao centro de Canela, onde me hospedei nesse dia.


Como de se esperar, esse trecho inaugural é extremamente urbanizado, não oferecendo nenhum obstáculo ao peregrino, a não ser pelo fato dele transcorrer integralmente sobre piso duro.


Após o almoço e breve descanso, fui visitar a igreja matriz de Canela, também conhecida como a “Catedral de Pedra”, uma das atrações da cidade, cuja construção em estilo gótico inglês se iniciou em 1953 e terminou em 1987.


À noite, o espetacular templo fica todo iluminado e vai alternando as cores de sua fachada, um deleite para os olhos de turistas e peregrinos.


HOSPEDAGEM EM CANELA: Pousada Cammino della Serra – Quarto individual excelente, com café da manhã: R$140,00


Algumas fotos desse dia:

Diante da "Catedral de Pedra" de Canela/RS.

Ainda diante da fabulosa Catedral de Canela, local belíssimo!

2º dia: CANELA a LINHA FURNA (GRAMADO) – 26 quilômetros


Fazia calor e o sol estava crestando forte após às 9 h, assim, deixei o local de pernoite às 5 h 30 min e segui por trechos urbanizados, ultrapassando bairros de Canela, depois, outros pertencentes a Gramado, e no traçado, por ser um domingo, encontrei o comércio fechado.


Sem grandes novidades e sob clima ameno, percorridos 8 quilômetros, parei para carimbar meu Passaporte Peregrino no Supermercado Rissul, depois, prossegui atravessando zonas periféricas, até que no 10º quilômetro, numa bifurcação, eu tomei à esquerda e acessei uma rodovia vicinal descendente e sem acostamento, por onde segui em meio a inúmeras chácaras e bem cuidadas residências, rodeado por um ambiente pleno de muito verde.


Um pouco mais adiante, passei a transitar entre propriedades rurais, na verdade, grandes fazendas produtoras de milho, com criação de gado bovino e ovelhas, além de avistar bosques de araucárias, ciprestes, parreirais, plantações de kiwi, mirtilo e outras espécies frutíferas, e penso que nessa região privilegiada, tudo o que se planta dá.


O itinerário seguiu em direção ao distrito de Linha Bonita, onde imigrantes italianos se instalaram, e depois ultrapassa a Linha Nova - o 1° distrito de Gramado, fundado por antigos tropeiros, num percurso onde pude observar construções antigas, moinhos coloniais, casas de secar fumo, quedas d'água, igrejinhas charmosas, parques escondidos, bodegas, etc...


Nesse trajeto, as principais atrações são a Casa Centenária, de propriedade da família Ferrari, o Moinho Cavichion e a igreja de São José, localizada no distrito de Linha Bonita, onde há o famoso bar do Brezolla.


Então, percorridos 20 quilômetros, teve início um forte ascenso e logo acima, em meio a um bosque de mata nativa e araucárias, finalmente, o asfalto se findou e passei a caminhar sobre terra, uma benção para os meus pés.


Ultrapassado o cimo do morro, logo passei a descender em meio a fresco bosque, depois, já na Linha Furna, percorridos 25 quilômetros, eu parei na Bisa D’Itália para descansar, carimbar meu passaporte e me hidratar, pois fazia um calor abissal, depois segui até a Pousada Sartori, estabelecimento que eu havia reservado para pernoite, onde, infelizmente, encontrei tudo fechado e deserto.


E como não obtive sucesso nos telefonemas que fiz aos seus proprietários, optei por retornar até a Pousada Bisa D’Itália, local em que me alojei nesse dia e ali também eu almocei e jantei.


Sobre a jornada cumprida, diria que em termos físicos ela foi sofrida e desgastante face ao sol forte, além do que caminhei os 21 quilômetros iniciais sobre piso duro, um tormento para joelhos e pés. 


HOSPEDAGEM: Pousada Bisa D’Itália. – Quarto coletivo (banheiro compartilhado), com café da manhã, almoço e jantar: Preço: R$180,00 – Observação: Sobre as refeições só tenho elogios, contudo, o ambiente disponibilizado para pernoite ainda está em acabamento, assim, diria que as instalações atuais são precárias, necessitando de melhoramentos. No entanto, o calor humano externado pela proprietária Lourdes e seus filhos compensa qualquer eventual desconforto.


Algumas fotos desse dia:

A famosa "Casa Centenária", da família Ferrari. 

Igreja de São José, no distrito de Linha Nova.

Trecho boscoso e em ascenso, depois que o asfalto se findou.

Com a simpática Lourdes, proprietária da "Bisa D'Itália."

3º dia: LINHA FURNA (GRAMADO) a VILA OLIVA (CAXIAS DO SUL) – 24 quilômetros


Parti às 6 h, já com dia claro, após um gostoso café da manhã, e a primeira parte do trajeto foi bela ao extremo, pois caminhei entre matas, fazendas e flores, inicialmente, em ascenso até a Pousada Colina de Pedra, depois, sempre em leve, mas perene descenso.


Esse trecho é um dos mais belos desse roteiro e segue em declive, costeando os morros da região, e em determinado local eu pude avistar ao longe, do outro lado da montanha, a igreja de Caravaggio das Pedras Brancas, uma visão deslumbrante pelos paredões graníticos que sobressaiam à sua retaguarda.


Percorridos 11.500 metros, eu atravessei o rio Caí pela ponte do Raposo, cuja inauguração ocorreu em 25/09/1936, unindo as cidades de Gramado e Caxias do Sul, visando encurtar a distância do transporte da produção para os entrepostos comerciais, e se tornou um dos primeiros pedágios da região, pois além de caminhões, automóveis e carroças, pagavam também cavalos, gado e pedestres.


Historicamente falando, seu nome é Ponte Major Nicoletti, ela veio desmontada em material feito em aço Krupp da Alemanha, transportada por trens até Gramado e depois por carroças, e exigiu habilidade e precisão para ser instalada neste local que é bastante íngreme.


Bem à propósito, o rio Caí é conhecido como o coração dos Caminhos de Caravaggio, pois ele é avistado dos mais variados ângulos e transposto sobre pontes, por isso, certamente, é o marco natural mais importante de todo o trajeto, até por toda a história de desenvolvimento das localidades ao longo de seu curso.


Ultrapassado esse mítico curso d’água, teve início uma longa aclividade de 5 quilômetros, morro acima, que fui vencendo passo a passo, ouvindo o barulho dos pássaros e das cachoeiras, enquanto apreciava a belíssima paisagem circundante, onde a araucária, as pastagens e a mata atlântica foram a tônica.


Diria que esse trecho ascendente foi o mais difícil que enfrentei durante todo o Caminho face ao sol abrasador, excesso de poeira na estrada por conta da longa estiagem e, ainda, porque o aclive, efetivamente, é bastante íngreme, desgastante e desprovido de sombras em alguns entremeios.


Finalmente, no 17º quilômetro a estrada nivelou e prosseguiu assim até a chegada ao distrito de Vila Oliva, cuja sede é Caxias do Sul, uma comunidade simpática, limpa e muito organizada, mas que fora destruída por um tornado em 2017 e ainda se recupera desse desastre, posto que ali, à época, 115 pessoas ficaram desabrigadas e, entre elas, 18 feridas e duas mortas.


Sobre a jornada desse dia, diria que, possivelmente, foi a mais difícil desse Caminho, face às dificuldades vivenciadas após a transposição do rio Caí pela ponte do Raposo, além do forte calor reinante depois das 8 horas.


HOSPEDAGEM: Pousada Recanto da Vovó – Excelente! – Quarto individual, com banheiro compartilhado: R$120,00 c/café da manhã;


Almoço e Jantar no Restaurante Reis, um local que recomendo com efusão.


Algumas fotos do percurso:

Vista imperdível! Ao longe, a igreja de Caravaggio de Pedras Brancas, situada em meio a farta vegetação.

A famosa Ponte do Raposo, sobre o rio Caí.

Trecho sombreado, quase chegando...

A linda igrejinha de Vila Oliva, cujo padroeiro é Santo Expedito.

4º dia: VILA OLIVA (CAXIAS DO SUL) ao DISTRITO DE SANTA LÚCIA DO PIAÍ (CAXIAS DO SUL) – 17 quilômetros


O percurso seria de pequena extensão, então, parti às 7 h, após ingerir um profícuo café da manhã ao lado de Dona Irene e dona Marlene, além da Mari, sua sobrinha, pessoas boníssimas e extremamente carinhosas para com os peregrinos.


O trajeto é composto de ascensos e declives de média dificuldade e, realmente, não poderia ser diferente, pois estou nas serras gaúchas, mas foi interessante caminhar entre cultivos variados, como plantações de maçã, tomate, morangos, alho, amora, hortaliças e, também, avistei muitos açudes.


Nota-se, ainda, um extremo carinho nos gramados e jardins que adornam as residências localizadas à beira do Caminho que, com isso, atraem passarinhos e borboletas de todas as espécies, um colírio para os nossos olhos e ouvidos.


Como dissabor nessa etapa, diria que se caminha o tempo todo sobre piso asfáltico, por uma rodovia movimentada e sem acostamento, então, foi preciso redobrar a atenção, pois os veículos trafegavam, quase sempre, em alta velocidade.


No 5º quilômetro, já no bairro For do Campo, eu parei para fotografar a belíssima igreja de Nossa Senhora de Caravaggio onde, na pracinha fronteiriça, há bancos para descanso e oferta de água potável.


A partir do 12º quilômetro, após a passagem diante da igreja de Santo Izidoro, enfrentei um ríspido e desgastante ascenso que perdurou por mais de 4 quilômetros, até a chegada ao Seminário da Divina Providência, onde fui muito bem recepcionado pelas atendentes e pelo Padre Adriano, o reitor deste Sodalício.


Atualmente, o distrito de Santa Lúcia do Piaí, cuja sede é Caxias do Sul, se destaca pela grande produção de hortifrutigranjeiros, um dos maiores do Estado, com realce para os cultivos de tomate, maçã e morango.


Depois do banho e lavagem de roupas, retornei à simpática vila para almoçar e pude fotografar e visitar a bela igrejinha erigida em homenagem a Santa Lúcia e que dá nome à essa localidade.


No global, diria que foi a etapa mais cansativa em termos físicos, pois caminhei o trajeto todo sobre piso asfáltico, um tormento para os pés.


HOSPEDAGEM: Seminário Nossa Senhora da Divina Providência – Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses – Pernoite em quarto individual extremamente espartano e banheiro compartilhado, com café da manhã e jantar - Preço: R$120,00


Almoço no Restaurante Giordani – Excelente! Preço: R$25,00, pode-se comer à vontade no sistema self-service.


Algumas fotos desse dia:

Na Pousada da Vovó, despedindo-me das simpáticas Irene e Marlene, pessoas maravilhosas e hospitaleiras.

A linda igreja de Nossa Senhora de Caravaggio de Flor do Campo.

A igrejinha de Santo Izidoro.

O prédio do Seminário, onde pernoitei nesse dia.

5º dia: DISTRITO DE SANTA LÚCIA DO PIAÍ (CAXIAS DO SUL) a LINHA BRASIL (NOVA PETRÓPOLIS) – 25 quilômetros


Parti às 6 h e precisei percorrer 4.400 metros sobre piso asfáltico, na verdade, eu retornei sobre os passos que dera no dia anterior, num trajeto perigoso e de muita atenção, visto que essa via vicinal não contém acostamento e os veículos trafegam nesse trecho sempre em alta velocidade.


Assim, obedecendo à sinalização, diante da capela de Santo Izidoro eu abandonei a rodovia e adentrei à direita, então, tudo mudou, pois passei a caminhar em descenso sobre uma estrada pedregulhada e o percurso foi aos poucos ficando belo, ermo e silencioso, vez que transitei diante de várias chácaras, onde se destacavam plantações de feijão, milho, laranja e caqui, dentre outras.


Então, percorridos 10 quilômetros, principiei a descender com maior intensidade e o visual se tornou magnífico, pleno de grandes propriedades rurais, matas nativa, silêncio e ermosidade.


No 16º quilômetro eu ultrapassei pela segunda vez o rio Caí, por uma ponte de nome Pedancino, num local onde se situa a divisa dos municípios de Caxias do Sul e Nova Petrópolis e, na sequência, enfrentei um longo aclive situado em meio a muita mata nativa e plantações variadas, que no 23º quilômetro, me levou a acessar a RS-235, uma rodovia movimentadíssima, perigosa e que não contém acostamento.


E foi caminhando com muito cuidado e atenção nos derradeiros 2 quilômetros que cheguei ao local de pernoite nesse dia, onde fui muito bem acolhido pela boníssima e simpática Dona Gleci que, inclusive, me providenciou um estupendo “escalda-pés”.


Além de uma cozinha à disposição dos hóspedes, a Hospedaria oferece, também, uma lavanderia e varal, tudo muito prático e que facilita a vida dos peregrinos.


A Hospedaria está conjugada à Escola Bom Pastor, uma instituição mantida pela comunidade luterana, que oferece cursos profissionalizantes voltados para a agricultura/pecuária da região e, ainda, alberga alunos de outras localidades.


Como referencial, diria que se tratou de uma “viagem” agradável após a transposição do trecho asfáltico inicial, porém os 2 quilômetros finais foram extremamente estressantes, pelo perigo da rodovia e o intenso tráfego de veículos.


HOSPEDAGEM: Hospedaria Bom Pastor – Quarto individual excelente, com café da manhã e jantar: R$105,00;


Almoço no Restaurante Brasil – Excelente! Por R$26,00 pode-se comer à vontade no sistema self-service.


Algumas fotos desse dia:

Natureza linda, antes de chegar ao rio Caí.

A Ponte Pedancino sobre o rio Caí.

Chegando à Escola Bom Pastor, um local espetacular!

Desfrutando de um relaxante "escalda-pés" preparado pela Gleci.

6º dia: LINHA BRASIL (NOVA PETRÓPOLIS) ao BAIRRO PIÁ (NOVA PETRÓPOLIS) – 19 quilômetros


Deixei a Escola e Hospedaria Bom Pastor às 7 h, depois de ingerir um delicioso copo de café preto, acompanhado de pães de queijo e frutas, destacando-se que a maioria dos alimentos ali servidos são plantados e colhidos nessa instituição de ensino.


O trecho inicial, de 2 quilômetros, foi pela beira matosa da perigosa e movimentada rodovia RS-235, depois acessei outra via vicinal de baixo tráfego e à medida que o dia avançava, pude contemplar as belezas que esse magnífico roteiro oferece, pois o ruído dos carros se foi e o tintilar de meu cajado deu lugar a cantoria da passarada e à frescura da vegetação.


Percorridos 5 quilômetros eu passei a caminhar sobre terra e mil metros adiante, numa trifurcação, eu girei à direita e ascendi por locais agradabilíssimos, onde visualizei várias nascentes d’água, chácaras, açudes, lagos, riachos e muita mata nativa, num dos trechos mais interessantes e belos de todo esse magnífico roteiro.


Em determinado local eu passei diante da entrada para o Jardim Mais Alto da Serra Gaúcha e Mirante do Menino Jesus de Praga, porém, uma placa ali instalada informava que o acesso a essas atrações se encontra temporariamente suspenso.


Percorridos 14 quilômetros, já na vila Linha Imperial, que faz parte do distrito dos Boêmios, cuja sede é Nova Petrópolis, fiz uma pausa para visitar e fotografar a bela e estilizada igreja dedicada a São Lourenço Mártir, edificada em estilo tipicamente germânico.


Prosseguindo, precisei colocar minha capa protetora, rapidamente, pois a chuva chegou forte e com isso obstou a visita que eu pretendia fazer ao Pinheiro Multissecular, uma araucária localizada numa estrada de terra 900 m fora da rota, que segundo afirmam, tem mais de 1.000 anos e porte gigantesco.


Seguindo em frente, caminhei alguns metros por uma estrada de terra, mas logo voltei a reencontrar a temida RS-235 e foi caminhando ao lado dessa movimentada via que cheguei ao local de pernoite nesse dia, de excelente qualidade, na verdade, o melhor custo/benefício de todo o Caminho.


Pessoalmente, achei esta etapa a mais fácil desse roteiro, com ênfase para seu trecho nuclear, quando se transita pelo cimo do morro, contudo, de se ressair os trechos iniciais e finais, extremamente perigosos, quando se caminha ao lado da rodovia.


HOSPEDAGEM: Hotel Pousada dos Plátanos – Quarto individual excelente, com café da manhã: R$120,00;


Almoço no Restaurante e Lancheria dos Amigos – Excelente! Por R$18,00 pode-se comer à vontade no sistema self-service.


Algumas fotos desse dia:

Trecho em ascenso pelo morro...

Flores à beira do caminho...

Trânsito por locais boscosos e desertos..

A igreja de São Lourenço, no distrito dos Boêmios, Nova Petrópolis/RS, sob garoa..

7º dia: BAIRRO PIÁ (NOVA PETRÓPOLIS) ao DISTRITO DE VILA CRISTINA (CAXIAS DO SUL) – 21 quilômetros


Nos dias anteriores eu vivenciara sol forte, além de muito calor, mas essas dificuldades ficariam na memória, pois a chuva tanto aguardada na região chegou de madrugada em forma de tempestade e quando me levantei ela ainda caía com força.


Parti às 7 h, depois de ingerir substancial café da manhã, sob uma garoa fina e renitente, que me obrigou a vestir a capa protetora, porém, assim que deixei o trecho urbano, a tormenta voltou a se abater com intensidade e não me deu tréguas até o final da jornada.


A cerração tomou conta do alto da serra, deixando tudo obscuro e desafiador, contudo a sinalização estava excelente e não tive dificuldades no trajeto.


Percorridos 5 quilômetros entre fazendas de criação de gado e inúmeras culturas frutíferas, passei a descender com força, num trajeto que imagino seja belíssimo, porém a neblina circundante, infelizmente, me impediu de apreciar o entorno, mas, ainda assim, pelo que vivenciei, imagino que este seja um dos trechos mais bonito de todo o Caminho.


No 10º quilômetro, quando o roteiro se aplainou, diante da Associação Alegria, fiz uma pausa para descanso, hidratação e verificação de minha equipagem que, por sorte, prosseguia seca e segura.


Seguindo à esquerda, por uma larga e plana estrada de terra, prossegui margeando o rio Caí, num trajeto agradável, mas ainda sob forte garoa até que, no 16º quilômetro, já no povoado de São José do Caí, fiz outra breve parada na igreja da Comunidade Evangélica para descansar e ingerir uma banana.


Prosseguindo adiante, no 21º quilômetro eu desaguei na rodovia BR-116 e logo cheguei à Pousada Recanto das Águias, literalmente, “ensopado até os ossos”, onde fui muito bem recebido pela Zilda e o Léo, que administram o estabelecimento, por sinal, de excelente qualidade.


Possivelmente, em minha modesta opinião, essa é a etapa mais bela de todo o Caminho, mas a chuva que não me deu descanso nesse dia torna minha avaliação suspeita, posto que não pude avaliar com precisão a beleza das paisagens ofertadas no trajeto percorrido.


HOSPEDAGEM: Pousada Recanto das Águias – Quarto individual excelente, com café da manhã e jantar - Preço: R$135,00;


Jantar na Tenda Pouso das Águias (situada defronte à Pousada) – Excelente! Há vários tipos de lanches, a escolher.


Algumas fotos desse dia:

Caminho lindo na serra, mas já sob garoa...

A chuva continua...



Comunidade Evangélica, em São José do Caí.

Com o Léo e a Zilda na Pousada Recanto das Águias.

8º dia: DISTRITO DE VILA CRISTINA (CAXIAS DO SUL) a CAPELA CARAVAGGETO (FARROUPILHA) – 21 quilômetros


Parti às 5 h 40 m, depois de ingerir o café da manhã preparado pela Zilda, caminhei 2 quilômetros à beira da BR-116, que nesse intermeio apresenta acostamento em alguns trechos, depois, contornei o acesso à Vila Cristina, prossegui pela RS-452 e, caminhados 4 quilômetros, finalmente, acessei uma estrada de terra à esquerda, que seguiu paralela, porém a alguma distância da rodovia.


A chuva se fora, mas encontrei o piso extremamente enlameado, ainda assim, prossegui animado e logo passei diante do portal do Hotel Fazenda Vale Real, que também atende peregrinos.


Segui sobre terra batida por Nova Palmira, região alemã que deu origem a cidade de Caxias do Sul (sim, alemã, não italiana), com suas casas enxaimel super antigas e transitei junto às extensas hortas do Vale do Caí, com seus canteiros cuidadosamente plantados e bem cuidados, promessa certa de uma farta produção agrícola.


Das variadas culturas que avistei, destaco as hortaliças, tomates, pimentões, abóboras, vagem, cheiro verde e muitos chás.


No 7º quilômetro eu voltei para a rodovia, contudo, mais 3 quilômetros percorridos, finalmente, fleti à direita e passei a caminhar por uma larga e plana estrada de terra, que seguiu paralela ao Arroio do Ouro.


Um quilômetro acima, encontrei com meu amigo Albino (Nino) Carneiro, residente em São Carlos/SP, que já completara o trajeto até Farroupilha e agora percorria o Caminho no sentido inverso.


Papeamos alegremente, trocamos informações, batemos fotos, desejamo-nos um “Bom Caminho”, mutuamente, depois, cada um seguiu o seu destino.


Ladeado pelos variados tons de verde e a sinfonia da natureza, logo passei diante do Hostel Parada dos Caminhantes, onde o simpático casal Sérgio e Tânia atende muito bem os peregrinos, e ali fiz uma pausa para carimbar meu passaporte.


Sem grandes novidades, no 11º quilômetro eu transitei pelo bairro Forqueta Baixa, um distrito colonizado por imigrantes italianos e alemães, cuja sede é Caxias do Sul, depois prossegui em contínuo ascenso, por um caminho deserto e orlado por variadas culturas frutíferas como figos, guabirobas, nogueiras, goiabas, laranjais, pessegueiros e muitos parreirais.


Seguindo adiante, no 13º quilômetro eu ultrapassei a divisa de Municípios, onde deixei Caxias do Sul e adentrei em Farroupilha e, como por encanto, apareceram inúmeras placas com frases de incentivo e bancos para descanso posicionados em locais estratégicos, algo que insufla novo ânimo ao caminhante.


No 17º quilômetro eu principiei a ascender com maior ímpeto e logo chegava próximo à Capela Caravagetto, meu destino desse dia, onde há oferta de água potável e o Clube Penharol disponibiliza "wifi" gratuito aos peregrinos.


Rapidamente, fiz contato com o Hotel Di Capri, 15 minutos depois a simpática Fabiana me resgatou e logo chegamos ao local de pernoite, situado próximo ao centro de Farroupilha.


No geral, uma etapa fácil e com imensas belezas paisagísticas, mormente, pelos extensos parreirais que adornam o caminho.


HOSPEDAGEM: Di Capri Hotel – Quarto individual espetacular, com café da manhã - Preço: R$206,00


Almoço no Restaurante Nono Giuseppe – Excelente! Refeição no sistema self-service – Preço: R$43,00 o quilo.


Algumas fotos desse dia:

Transitando junto as hortas de Nova Palmira.

Reencontro com o amigo peregrino Nino! Momentos de intensa alegria!

Paisagens espetaculares a me ladear nesse dia.

Ultrapassando a divisa de municípios e adentrando em Farroupilha.


9º dia: CAPELA CARAVAGGETO (FARROUPILHA) a VINÍCOLA COLOMBO (FARROUPILHA) – 16 quilômetros


Tomei café cedo e, conforme o combinado, a Fabiana me devolveu ao local em que eu sustara meus passos no dia anterior, de onde parti, exatamente, às 7 horas, sob clima fechado e vento frio.


Nem havia caminhado 200 m quando a chuva caiu, obrigando-me a fazer uma pausa rápida para vestir a capa protetora.


O trajeto seguiu belíssimo e, como do dia anterior, encontrei extensos parreirais mesclados com diferentes culturas frutíferas, como abacates, pêssegos, morangos, figos, dentre tantas outras.


Nessa etapa o roteiro segue basicamente plano, com ascensos e descensos leves, porém, a partir do 12º quilômetro, o aclive se faz pronunciado e em determinado local, para minha surpresa, encontrei a bandeira dos templários fincada num outeiro, ao lado de um banco, de onde se descortina uma visão imorredoura do vale abaixo.


Contudo, para minha infelicidade, a chuva persistia e uma forte cerração cobria o ambiente, obstando minha visão do horizonte.


No 13º quilômetro principiei a ascender forte, num trajeto bucólico, mas íngreme, que se prolongou por 2 quilômetros, quando a estrada voltou a planear levemente, porém, prosseguiu me premiando com belas paisagens e muita mata nativa, sendo que o trecho sequente foi coroado pela visão de extensos parreirais, a tônica nessa região.


Então, após vencer um empinado aclive, passei diante da Vinícola Slomp onde, segundo li, o peregrino é sempre bem recebido, mas, face à chuva que não dava trégua, não avistei ninguém nas instalações ali existentes.


E, após suplantar a derradeira elevação, finalmente, adentrei à Vinícola Colombo onde fui muito bem recebido pelo Sr. Antônio, o proprietário que, após animada conversa, me levou à Casa Centenária (uma construção restaurada do século XVIII), que foi feita pelos seus avós, muita linda e com decoração rústica, onde pernoitei sozinho neste dia.


Para almoçar e jantar eu preparei minha própria refeição, utilizando os alimentos que são disponibilizados aos peregrinos, mediante pagamento à parte, visto que a cozinha fica liberada para uso dos hóspedes.


No global, uma etapa de pequena extensão, fácil e imensamente bela, com uma gratificação em seu ponto final: a inesquecível hospedagem na Vinícola Colombo.


HOSPEDAGEM: Vinícola Colombo – Quarto compartilhado (eu estava sozinho nesse dia), com café da manhã - Preço: R$150,00 - Para almoço e jantar são fornecidos alimentos para o preparo, com valor cobrado a parte, assim como para as bebidas.


Algumas fotos desse dia:

Muita cerração e forte garoa nesse dia.

Caminho belo, deserto e chuvoso nesse dia.

Mirante dos Templários! Pena que a cerração cobria o horizonte..

Na Vinícola Colombo, com o Sr. Antônio, o proprietário.

10º dia: VINÍCOLA COLOMBO (FARROUPILHA) ao SANTUÁRIO DE CARAVAGGIO (FARROUPILHA) – 23 quilômetros


Seria a derradeira jornada e eu pretendia chegar cedo ao meu destino, a tempo de conhecer o local e visitar suas dependências, assim, parti às 6 h no escuro, transitando por uma rodovia vicinal levemente ondulada, mas plena de mata nativa nas laterais.


O clima persistia frio e neblinoso, ideal para caminhar, assim, sem grandes obstáculos, após percorrer 6 quilômetros, obedecendo à sinalização, eu adentrei à esquerda e acessei uma trilha úmida, pedregosa e descendente, por onde segui com extremo cuidado, pois o risco de uma queda ou torção sempre estiveram presentes.


Quando, finalmente, emergi desse trecho peculiar e boscoso, eu gire à esquerda e acessei uma estrada descendente onde, após um longo e contínuo declive, desaguei em outra via que me levou a passar diante da Capela de São José, a primeira construída em Farroupilha pelos imigrantes italianos e a mais antiga da Diocese de Caxias do Sul (1886), agora já em forte ascenso.


Após transitar por locais habitados e caminhar sobre piso duro, no 12º quilômetro eu acessei a perigosíssima ERS-122 onde, obedecendo à sinalização, eu girei à direita e caminhei tensos 1.600 m, por uma movimentadíssima rodovia que não contém acostamento, e este foi para mim o pior trecho de todo o roteiro, pois os caminhões passam “lambendo” nosso corpo e sempre em alta velocidade.


Finalmente, após abandonar essa trágica via eu girei à esquerda e acessei uma abençoada estrada vicinal, plena de árvores e paisagens indescritíveis, onde o forte são os imensos parreirais, e o silêncio e a ermosidade logo se fizeram presentes, deixando meus passos mais leves e alegres.


Sem maiores dificuldades, no 19º quilômetro, eu girei à esquerda e prossegui em forte descenso, contudo, mais 1.000 m teve início um severo aclive que 3 quilômetros adiante, em seu ápice, me levou ao Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, ponto final de minha vitoriosa epopeia.


Considerado o maior templo religioso do sul do país, o local é uma experiência única de fé, onde a paz é sentida de forma intensa, verdadeira e disponibiliza diversos recantos especiais, como a Fonte de Água Benta, que lembra a aparição de Nossa Senhora em 1432, na Itália.


Ressaltando, ainda, que sua principal celebração é a Romaria de Caravaggio, em 26 de maio, quando milhares de pessoas passam por esse espaço, sendo que esse local recebe mais de 2 milhões de pessoas por ano.


Bem, superada a emoção inicial e após fazer algumas fotos daquele sacro ambiente, adentrei ao templo para agradecer a Nossa Senhora do Caravaggio pela minha bem-sucedida jornada, depois, como havia promessa de chuva iminente e a pessoa responsável por atender os peregrinos só viria mais tarde, embarquei num táxi e retornei ao Di Capri Hotel.


No geral, diria que se trata de uma etapa desafiadora e estressante em seu trecho pela rodovia, contudo de imensa felicidade, pois o aporte final ao Santuário de Caravaggio é um momento especial, em que todo o cansaço do percurso, a poeira da estrada, as vicissitudes enfrentadas e os pés doloridos, fenecem repentinamente.


E no dia sequente, quando me preparava para regressar ao lar, recebi a gratíssima visita do amigo Gilberto José Galafassi, grande incentivador e "voluntário-mor" desse roteiro em Farroupilha, que me entregou o Certificado de Conclusão do Caminho, bem como me obsequiou com outros mimos, a quem agradeço de coração.


No aeroporto, antes de embarcar, me lembrei de uma reflexão atribuída ao célebre filósofo libanês Khalil Gibran, que considero apropriada para descrever meus sentimentos em relação a viajar para esse Caminho e concluí-lo:


Dizem que antes de um rio entrar no mar, ele treme de medo. Olha para trás, para toda jornada que percorreu, para os cumes, as montanhas, para o longo caminho sinuoso que trilhou através de florestas e povoados e vê à sua frente um oceano tão vasto, que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. O rio precisa aceitar sua natureza e entrar no oceano. Somente ao entrar no oceano o medo irá se dissipar, porque apenas então, o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas de se tornar o oceano.


Algumas fotos desse dia:

No início, garoa e cerração.

Depois de transpor a rodovia, o caminho segue pleno de paisagens espetaculares.

Paisagens lindas... quase chegando!

Finalmente, no Santuário de Caravaggio em Farroupinha/RS.

Com o amigo Gilberto, pessoa amabilíssima! 

Com a simpaticíssima Fabiana, a coproprietária do Di Capri Hotel, uma pessoa sensacional!

FINAL


"Fazer-se peregrino implica abandonar o próprio modo de vida. Lida-se com o fascínio e o medo do desconhecido, mete-se à prova o corpo e o espírito, priva-se de garantias e de conforto atraído pela possibilidade de descobrir valores significativos e razões para a esperança. Lá no fundo, há o desejo – talvez o projeto – de mudar algo na própria vida, iniciar um outro modo de compreender e gerir a si próprio." (Paolo Giulietti)

Nossa Senhora de Caravaggio, a vossa bênção e proteção!

O nome Caravaggio remete a uma cidade na Itália, onde em 26 de maio de 1432 ocorreu a aparição de Maria à jovem Joaneta, num momento em que o país vivia momentos politicamente turbulentos, assolado por guerras internas.


Após essa divina manifestação da Virgem Maria, diversos milagres foram registrados na localidade, e como os municípios na região de Farroupilha/RS tiveram forte colonização italiana, a devoção à santa foi trazida para terras brasileiras, pois Nossa Senhora de Caravaggio é considerada uma santa extremamente milagrosa.


Sobre este Caminho, que percorri recentemente, diria que seu traçado é semelhante ao realizado no Caminho da Fé (SP), com pousadas preparadas para receber os peregrinos, sendo que durante o percurso podem ser observados traços arquitetônicos e culturais preservados.


O trajeto é, em sua maior parte, realizado em estradas rurais, perpassando por belas paisagens e antigas colônias de imigrantes, com excelente receptividade dos moradores locais, e a dificuldade desse itinerário pode ser comparada ao roteiro que leva ao Santuário de Aparecida, com fortes ascensos e íngremes ladeiras.

Meu Certificado Peregrino.

De se ressair, ainda, que não há nenhuma taxa para o peregrino iniciar o caminho, sendo que os municípios oferecem total apoio, e outro ponto de destaque é a recepção acolhedora e emocionante ao chegar ao Santuário de Caravaggio.


Trata-se, é bem verdade, de um percurso de superação de desafios físicos e mentais, de fé, de intenso contato com a natureza e de autoconhecimento, ressaltando que, os poucos trechos onde é necessário ter mais cuidado durante a caminhada, restam minúsculos se comparados às múltiplas belezas ofertadas pelo trajeto.


Por derradeiro, diria àqueles que gostam de caminhadas de longa distância, que os “Caminhos de Caravaggio” é uma experiência única, plena de energia positiva, ar puro, paz de espírito e muito calor humano.


Bom Caminho a todos!


Março/2021